Corra! O barato da milionária indústria das corridas de rua

Final de ano chegando. Junto com o Papai Noel, o panetone e o espumante vem também a correria. Quer dizer, as correrias. Primeiro para encontrar lugar no estacionamento do shopping center, e depois, mais tranquilamente, a tradicional Corrida de São Silvestre, que em 2019 chega à sua 95ª edição.São Silvestre é certamente a mais tradicional […]

Cesar Grafietti

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Final de ano chegando. Junto com o Papai Noel, o panetone e o espumante vem também a correria. Quer dizer, as correrias. Primeiro para encontrar lugar no estacionamento do shopping center, e depois, mais tranquilamente, a tradicional Corrida de São Silvestre, que em 2019 chega à sua 95ª edição.

São Silvestre é certamente a mais tradicional das corridas de rua brasileiras, um fenômeno de quase 100 anos que faz milhares de pessoas se aventurarem pelas ruas de São Paulo nos seus atuais 15 km. No ano 2000 foram 20 mil participantes, número que subiu para 30 mil em 2014 e agora em 2019 chega a 35 mil. As inscrições são limitadas e em 2019 custam R$ 197,50 por participante.

Este valor, que é 6,7% superior ao de 2018 (R$ 185,00), faz com que a competição tenha receita de R$ 6,9 milhões apenas com as inscrições. Além disso a competição conta com 4 patrocinadores master (principais) e outros 13 secundários. Segundo cálculos da Yescom, empresa responsável pela organização do evento, o retorno aos patrocinadores é elevado, de cerca de R$ 3 milhões em exposição de TV e outros R$ 12 milhões em mídia impressa e internet.

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Além de receitas a prova tem custos. Só em premiações são R$ 461 mil, divididos igualmente entre as 10 primeiras colocadas da prova feminina e os 10 primeiros da masculina. Além disso, é possível estimar custos de logística junto a CET, impostos e policiamento da ordem de R$ 600 mil. Depois ainda tem os custos com os brindes dos participantes, chips de marcação de tempo e isso pode chegar a R$ 1 milhão, sempre estimados a partir de publicações especializadas. Ou seja, apenas de custos minimamente mensuráveis falamos em cerca de R$ 2 milhões, e nem chegamos aos custos de estrutura, segurança, pessoal. Trata-se, como vemos, de um evento grandioso.

A indústria das Corridas de Rua é enorme. Para se ter uma ideia do que movimenta esta atividade que é uma verdadeira paixão – e um vício! – para seus participantes, dê uma olhada em quais negócios giram em seu entorno:

As corridas de rua atualmente vão muito além da prova e das medalhas, como vemos acima. Depois da fase de crescimento pela competição, hoje os atletas estão interessados também nas experiências que elas propõem. Por exemplo, é comum que se organize o calendário de acordo com as localidades onde haverá competição. As viagens associadas às corridas são parte do processo.

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Dados da Running USA nos EUA apontam que em 1994 apenas 0,2% dos participantes de provas de ruas era turistas estrangeiros, enquanto em 2018 o número chegou a 3,3% de um total de 17,5 milhões de participantes anuais. Internamente, cerca de 46% dos participantes de corridas de ruas nos EUA viajou para disputar ao menos uma competição em 2018.

Segundo estudos do Booking, os viajantes costumam gastar cerca de US$ 731,00 por viagem, fortalecendo uma série de indústrias relacionadas ao turismo.

Segundo o estudo mundial The State of Running (projeto da RunRepeat com a IAAF, que é a Federação Internacional de Atletismo), que compilou dados de 1986 a 2018, do equivalente a 91% de toda as provas disputadas no Mundo no período, o número estimado de corredores regulares no mundo é de 7,9 milhões de pessoas, e apresenta queda em relação ao pico de 2016 (9,1 milhões).

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Desse total, 50,24% foram mulheres, que ultrapassaram os homens em diversos países, como EUA, Canadá e Austrália (perto de 60% dos participantes), mas que ainda ficam bem abaixo na Europa, com presença de cerca de 20% do total. No Brasil, nas 50 maiores provas de 2018, de um total de 312 mil pessoas que encerraram as competições, 45% foram mulheres, conforme dados do blog Recorrido.

O maior mercado de corridas de rua no mundo são os EUA. Segundo um relatório anual da Running USA, que consolidada dados de provas nos EUA, indica que em 2018 houve 17,5 milhões de corridas finalizadas no país, depois de um pico de 19 milhões em 2013. Segundo outra informação do órgão, na média cada corredor finalizou 8 competições em 2018, o que sinaliza haver perto de 2,1 milhões de corredores recorrentes nos EUA.

A queda de participantes é nítida tanto quando observamos os dados da IAAF como os dados da Running USA, e tem sido associada ao menor interessa dos mais jovens pelas competições.  Em 1986 a idade média dos participantes era de 35 anos, e em 2018 foi de 39 anos. Nos últimos 7 anos a idade média nas diversas distâncias se comportou da seguinte forma, conforme o The State of Running:

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Distância Média de Idade em 2012 Média de Idade em 2018
5 KM 32 anos 40 anos
10 KM 33 anos 39 anos
Meia Maratona 37 anos 39 anos
Maratona 38 anos 40 anos

Corridas também são um fenômeno na Europa. Na França estima-se em 10 milhões de inscrições em 2018, enquanto na Itália são 7,6 milhões, num mercado estimado em € 1 bilhão apenas em inscrições anuais, segundo a Danske Atletik.

Corrida e Tecnologia

Assim como tantas outras indústrias, as corridas de rua também estão seguindo um caminho rumo à tecnologia. Mas não se assuste, pois os atletas não serão substituídos por robôs. O que acontece é que as corridas estão cada vez mais conectadas, todo o processo é eletrônico, com uso de chips de controle, ações online com apps, integração com redes sociais. E, naturalmente, as indústrias de tecnologia e material esportivo não deixam este assunto para trás.

Este movimento é também uma forma de trazer mais jovens para as provas. Para se ter uma ideia da conectividade que cerca uma prova hoje, na Maratona de Rotterdam de 2018, que teve cerca de 43  mil inscritos, o organizador (NN) registrou os seguintes números:

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Dados impressionantes de interação e que estimulam uma onde de patrocinadores interessados justamente nessas possibilidades, desde a relação nas redes sociais, passando pelos acessos aos turistas que viajam para participar e buscam opções de lazer nas cidades.

Para se ter maior ideia sobre o tamanho e as possibilidades desse negócio, em 2018 a indústria de equipamentos tecnológicos associados às corridas – os chamados wearables – movimentou US$ 23,5 bilhões em vendas, segundo dados do Market Research Future, e a previsão é de que cresça cerca de 12% ao ano até 2023. E nem falamos dos apps e plataformas de interação, são apenas os hardwares.

Sobre as plataformas, as grandes marcas esportivas também tem um pé nesse negócio, pois todas tem apps que ajudam no monitoramento dos treinamentos. Veja os números, que são expressivos:

Marca Usuários Receitas Anuais
Adidas 60 MM US$ 240 MM
Asics 45 MM US$ 110 MM
Nike 30 MM Livre
Under Armour 20 MM US$ 40 MM
Fonte: Nielsen Sports

E no Brasil?

E quando chegamos ao Brasil não temos informações tão abundantes.

Segundo a pesquisa do blog Recorrido com as 50 maiores corridas de rua brasileiras em 2018, essas competições tiveram 312.947 inscritos, crescimento de 1% em relação a 2017. A maior parte das provas fica em São Paulo, com 29, seguido do Rio de Janeiro, com 11.

A maior prova é a São Silvestre, com 30 mil inscritos, seguida dos 10 KM da Tribuna FM de Santos com 15 mil inscritos. Em 2019 a SP City Marathon teve mais de 15 mil inscritos, enquanto a Maratona Internacional do RJ teve cerca de 10 mil participantes.

Note que, mesmo com informações um tanto desencontradas, há muitos dados para serem analisados fora do Brasil, de forma que é possível entender os movimentos que ocorrem na indústria, com a redução no número de participantes, aumento da idade média, menor interesse dos jovens, maior presença de tecnologia e interação, e uso das provas como forma de gerar turismo e experiências.

No Brasil aparentemente temos um movimento ainda de crescimento de praticantes, mesmo que pequeno, mas nenhuma informação mais clara ou estratégia de desenvolvimento de negócios associados ao tema. Apesar de grandes empresas operando nesse mercado, organizando provas de alta qualidade, falta talvez uma visão mais macro que proporcione maior interesse pela prática esportiva. Posso estar enganado, mas por enquanto parece que vivemos escondendo o segredo, quando deveríamos espalhar a novidade e atrair mais fãs. Há uma indústria imensa por aí, e corremos o risco de sermos apenas consumidores de novidades, quando temos condições de desenvolvê-las.

Enquanto isso, abra o panetone, veja se o espumante está gelado, e espere a contagem regressiva para 2020 acompanhando mais uma São Silvestre.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti