E se…

Parte importante da evolução do futebol brasileiro pode vir com ações simples, apenas melhorando a transparência e a capacidade de comunicação com o torcedor e com os demais agentes da estrutura

Cesar Grafietti

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Getty Images)
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…começássemos a pensar em ações e movimentos na indústria do futebol que permitissem mudanças estruturais sem alterações sistêmicas?

Por exemplo: e se as informações financeiras, os famosos “balanços”, trouxessem dados padronizados e efetivamente comparáveis, que permitissem que mais e mais stakeholders pudessem entender, de forma comparativa e organizada, a realidade financeira da indústria?

E se, dentro dessas informações, nós encontrássemos notas explicativas idênticas para os mesmos temas? Por exemplo, se tivéssemos evoluções da conta de registro de atletas, que faz parte do chamado “Intangível”, de uma forma clara e idêntica, de maneira que soubéssemos quanto efetivamente foi investido na contratação de atletas profissionais?

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E se conseguíssemos mudar a forma de contabilizar os investimentos em categorias de base, abandonando o registro de custos e considerando-os apenas como despesas, de forma que fosse simples monitorar os gastos efetivos com a formação de atletas?

Mais: imagine se fosse possível apresentar as receitas e custos separados entre Futebol profissional, Categorias de Base, Clube Social e Esportes Olímpicos e Futebol Feminino? Teríamos um ganho imenso na capacidade de entender como as diferentes áreas dos clubes se organizam e se sustentam.

Falando em Futebol Feminino, e se o detalhamento fosse tal que permitisse aos stakeholders entender o tamanho do desafio de implantação e desenvolvimento da modalidade, permitindo que fosse compreendido qual o tamanho da receita que os clubes acessam, os salários pagos e qual o tamanho do déficit que precisa ser reduzido com acesso a mais receitas?

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Pensando em receitas: e se os clubes detalhassem de forma estruturada as receitas comerciais, separando o que é marketing, licenciamento, publicidade, royalties, de forma que pudéssemos comparar os clubes e conseguir desenvolver estratégias consolidadas em relação ao futebol?

E se os clubes apresentassem relatórios de desempenho focados naquilo que é relevante, como movimentações de receitas, comportamento detalhado dos custos, dos investimentos, numa linguagem simples e que permitissem que os torcedores menos versados em finanças fossem capazes de entender o que se passa com seus clubes?

E se nesse processo tivéssemos maior clareza sobre os contratos dos atletas? Não falo dos salários, mas um detalhamento incluindo a data de início e fim dos contratos, o valor a ser amortizado anualmente, qual o percentual de participação. Trata-se de uma informação que ajuda a entender o futuro do clube, e aumento a capacidade de fazermos análises mais eficientes.

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E se…

Veja, tenho falado muito na transformação que o futebol brasileiro está passando, seja pela criação das SAFs, da Liga de Clubes, pela valorização do produto com a melhor estrutura financeira de vários clubes, o domínio sul-americano, e por aí vai.

Mas note que uma parte importante dessa evolução pode vir com ações simples, apenas melhorando a transparência e a capacidade de comunicação com o torcedor e com os demais agentes da estrutura: patrocinadores, mídia, analistas, mercado financeiro, Estado.

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Todos sabemos que qualquer indústria tem seus segredos e suas estratégias que não podem ser divulgadas, mas não estamos falando nisso.

Estamos falando em se relacionar com quem pode trazer mais recursos a estrutura. Por exemplo, por que os clubes não criam relatórios trimestrais de desempenho que mesclem aspectos de gestão e esportivos? Por que não criam canais de conversa estruturados com agentes que passam a enxergar o futebol como negócio, mas ainda veem os clubes como estruturas amadoras?

Temos que pensar e desenvolver agendas positivas para que o futebol evolua. Já me taxaram de pessimista, mas o que eu pretendo é ser realista, para evitar frustrações futuras. E essencialmente meu objetivo aqui é seguir sugerindo ações que possam efetivamente gerar valor ao negócio.

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Um clube de futebol não é uma fábrica de molho de tomates, que lida com o consumidor através da qualidade e preço, mas de forma fria – exceto para os chefs mais rigorosos. Um clube de futebol, cujos donos são seus associados ou um investidor, lidam com a paixão do torcedor, e precisam reverter um quadro onde está escrita a palavra “Amadorismo” em letras garrafais, que afastam interessados em aportar recursos no negócio, via financiamentos eficientes, via patrocínio ou relacionamentos comerciais.

Trata-se de indústria que representa algo como 1% do PIB, atinge 75% da população, que pode ir muito além dos atuais R$ 6,6 bilhões em receitas, empregar mais que as 150 mil pessoas direta e indiretamente, como demonstrado em relatório de 2019 da CBF e nas análises feitas por mim há anos e com números recentes divulgados pelo Relatório Convocados/XP. Mas para isso é fundamental que aqueles que operam a indústria entendam sua importância e queiram transformá-la.

Mudanças simples, transparência, maior capacidade de interlocução. Com isso já conseguiremos saltos relevantes de qualidade na estrutura, com efeitos no longo prazo, mas duradouros.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti