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Final de Copa Libertadores chegando e o assunto da coluna desta semana não poderia deixar de ser a partida entre Flamengo e River Plate, a ser disputado em jogo único em Lima, no Peru.
Mas obviamente não falarei do jogo em campo e nem me atrevo a dar palpite sobre o campeão. Vamos traduzir a final em números e falar das diferenças financeiras entre os finalistas, além de comparar números da Libertadores da América com a Champions League.
Trataremos primeiro dos finalistas da Libertadores da América. Flamengo e River Plate fazem parte dos clubes de maior faturamento de Brasil e Argentina. Enquanto o Flamengo vem disputando o posto de maior receita brasileira com o Palmeiras, o River Plate está lado a lado com o Boca Juniors.
Mas as semelhanças entre o brasileiro e o argentino param aí. Veja os números mais recentes e já falo mais sobre isso.
River Plate | Flamengo | River Plate | Flamengo | ||
Ago18 | Dez18 | Ago19 | Set19 | ||
12 meses | 12 meses | 12 meses | 9 meses | ||
Sócios | 21,2 | 12,5 | 21,1 | 6,4 | |
Bilheteria / Sócio Torcedor | 20,9 | 22,4 | 23,4 | ||
Publicidade | 14,6 | 21,7 | 74,9 | 11,6 | |
Venda de Atletas | 11,3 | 13,7 | 41,3 | ||
TV | 4,6 | 53,5 | 35,8 | ||
Outros | 9,0 | 5,3 | 9,5 | 2,8 | |
Receita Total | 81,6 | 129,2 | 105,5 | 121,4 | |
Receita Recorrente | 70,3 | 115,4 | 85,5 | ||
Custos | (68,1) | (85,8) | (95,1) | (84,3) | |
Custos / Receitas Recorrentes | 97% | 74% | – | 99% | |
EBITDA | 13,5 | 43,4 | 10,5 | 37,1 | |
EBITDA Recorrente | 2,2 | 29,6 | – | 1,2 | |
Superávit / Déficit | (16,3) | 11,1 | (18,3) | 16,6 | |
Dívidas Curto Prazo | 51,3 | 31,1 | 49,2 | 47,6 | |
Dívidas de Longo Prazo | 5,6 | 69,6 | 2,3 | 78,8 | |
Dívidas Totais | 56,9 | 100,7 | 51,5 | 126,4 | |
Em Milhões de Euros | |||||
Fonte: Balanços dos Clubes / Câmbio: Banco Central do Brasil / oanda.com |
A primeira diferença está na qualidade da informação divulgada. Enquanto no Brasil os clubes são obrigados a divulgar seus demonstrativos financeiros anualmente – e o Flamengo ainda divulga os parciais trimestrais – na Argentina, os clubes não são obrigados, e obter os balanços é um trabalho de garimpo em sites de torcedores locais, pois acabam sendo “vazados” de alguma forma.
Os números de Ago/18 e Dez/18 são finais, enquanto o dado de Ago/19 do River Plate foram informações oficiais mas limitadas dos resultados. No caso do Flamengo, temos os dados de nove meses referentes a Set/19. Os números foram convertidos para Euros, que é a moeda funcional do futebol.
Em condições recorrentes, a receita do Flamengo é 64% maior que a do River Plate, e o destaque é a diferença de valor recebido da TV. As demais receitas são parelhas, mesmo em publicidade, que deve subir com a entrada da Turkish Airlines na camisa do River Plate a partir de Set/19, por € 4,5 milhões anuais. No final, a receita com Sócios recompõe a diferença de Publicidade.
O que chama a atenção no clube argentino foi o crescimento considerável de custos e receitas nos demonstrativos encerrados em Ago/19. Os custos ficaram € 27 milhões acima do número do ano anterior e as receitas cresceram quase na mesma proporção (+€ 23,9 milhões, fruto de premiações pela conquista da Libertadores e participação no Mundial de Clubes), de forma que o EBITDA (geração de caixa) ficou pouco abaixo do resultado do ano anterior.
A estratégia do River Plate foi clara e é bem conhecida de muitos clubes brasileiros: gasta o que não tem para conquistar títulos. Depois vê o que faz. Quando dá certo, parece ótimo, pois o torcedor fica feliz, mesmo que atletas, clubes e o governo fiquem sem receber por algum momento. Quando não vencem, além do dinheiro das premiações não chegar, fica o gosto amargo de ter que lidar com uma série de pendências financeiras.
A lógica do atual presidente do River Plate, Rodolfo D’Onofrio, é a mesma que motivou dirigentes brasileiros há até pouco tempo: conquistas primeiro, finanças depois. No comando do clube argentino desde 2013, conquistou em seus mandatos a mesma quantidade de Libertadores que o clube tinha antes de sua chegada (2) e pode encerrar seu período como o maior vencedor do clube, com 3 Libertadores.
Essa política do River Plate causa problemas até para pares brasileiros, pois o clube deve R$ 18 milhões ao São Paulo pela contratação de Pratto, atrasado há quase 1 ano. A estratégia para lidar com o elevado endividamento é a eterna venda de atletas: i) se vencer a Libertadores 2019, usa a premiação para resolver problemas imediatos e vende dois atletas para equacionar a situação, ou; ii) vende 3 atletas em caso de não conquistar o título. Os flamenguistas claramente esperam que o River Plate tenha que vender 3 atletas ano que vem.
É uma gestão de quem vive na corda bamba, pois depende de sucesso esportivo – e só um pode ser campeão – e da venda de atletas, que nem sempre ocorre ou nem sempre pelo valor ideal. Visão ultrapassada do que é a gestão no futebol.
Enquanto no Brasil já está claro que o caminho é o da gestão eficiente, equilibrada, como vemos com Flamengo, Palmeiras, Grêmio (os 3 participaram das últimas duas semifinais de Libertadores), no River Plate ainda vale a mentalidade do dirigente “gastão”, uma vez que o Boca Juniors possui números melhores, equilíbrio, mas seus torcedores assistem ao adversário levantar troféus.
Se não mudar o perfil, quando faltar o resultado em campo haverá impacto no financeiro, vide o que vemos passar hoje Cruzeiro, Vasco, Fluminense, Internacional. O resultado é sempre um aumento expressivo das dívidas, acima do que o clube pode pagar.
Sobre o Flamengo, pouco a acrescentar ao que já é falado o tempo todo. O clube continua naquele círculo virtuoso, onde o equilíbrio de uma boa gestão financeira chegou aos campos, com um time de ótima qualidade técnica, recebendo em dia, e com as receitas ainda crescendo. Sem venda de atletas ainda será um clube da ordem dos R$ 550/R$ 600 milhões de receitas, o que é um baita número. Alavancagem controlada – confortável no curto prazo e a maior parte alongada no Profut – transparência, e um exemplo a ser seguido. Começou o processo de busca pelo equilíbrio antes da maioria, colhe os frutos antes da maioria.
Libertadores da América x Champions League: Comparações
Vou pular a parte em que falamos sobre a diferença financeira entre os clubes europeus e sulamericanos. Vamos direto a alguns números.
No caso da Champions League a premiação da fase de grupos é variável. Os clubes ganham um valor fixo – € 18,5 milhões – e uma parte variável de acordo com os valores de direitos de transmissão de cada clube em seu país. Para este exercício utilizamos os valores do Liverpool campeão em 18/19. A partir das fases eliminatórias os valores são fixos. Na Libertadores os valores são fixos em todas as etapas.
No total, a Champions League distribuiu € 2,04 bi em 18/19, enquanto a Libertadores pagará € 148 milhões, o que já representa aumento de 58% em relação a 2018.
Com isso, a diferença realmente é gritante. O campeão da Libertadores receberá 15% do Campeão da Champions League, enquanto o vice receberá 11%. Coisas de um futebol que precisa de tornar relevante, e a Conmebol está trabalhando para isso ao elevar consistentemente a premiação. Mas para isso a qualidade da competição precisa evoluir, com melhores jogos, horários que gerem interesse em mercados mais ricos. Isso só acontecerá quando houver mais equipes interessantes a serem acompanhadas ao longo da competição. Mais dinheiro, melhores equipes, círculo virtuoso.
Na Europa os clubes mudam a estratégia de montagem de elenco caso se classifiquem para a Champions League, tal a importância financeira da competição. Só por participar da fase de grupos um clube recebe cerca de € 30 milhões. Para clubes menores, que faturam abaixo de € 100 milhões, é relevante. Na América do Sul este é um comportamento visto, mas menos pela parte financeira e mais pela própria conquista esportiva. No gráfico abaixo vemos alguns números em relação a isso:
Note que a premiação para os europeus é mais importante que para os sulamericanos, o que mostra o tamanho da nossa desigualdade, que vem sendo diminuída paulatinamente pela Conmebol. Obviamente que o dinheiro é importante, e especialmente para o River Plate compõe parte relevante da estratégia financeira. Vencer significa aliviar a pressão de caixa no curto prazo. Mas só de chegar à final já é um bom desempenho. É que ser campeão ainda trará outros € 4,5 milhões pela participação no Mundial de Clubes, mais eventuais bônus de desempenho.
Enfim, termina a partida! Ao vencedor, o título e alguns milhões na conta! Espero um grande jogo, a primeira final em jogo único da Libertadores. E que ela continue a crescer e transformar a relevância esportiva em relevância financeira.
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