Janela de transferência de atletas: o “novo normal” é mais do mesmo

O novo normal é o velho normal de sempre, ajustado ao momento. Porque, nas próximas temporadas, a tendência é termos mais dinheiro e movimentações no futebol

Cesar Grafietti

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A transferência de Antony do Ajax para o Manchester United foi uma das que movimentou mais dinheiro nesta janela de transferências (Shaun Botterill/Getty Images)
A transferência de Antony do Ajax para o Manchester United foi uma das que movimentou mais dinheiro nesta janela de transferências (Shaun Botterill/Getty Images)

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No auge da pandemia, lá no já longínquo 2020, havia uma certeza na vida das pessoas: “Daqui para frente, tudo será diferente”, sempre fazendo alusão a uma mudança de chave na relação das pessoas com a vida, com o consumo, com o dinheiro. Viviamos a era do “novo normal”.

Naquele período participei de várias “lives” e podcasts. Alguns temas se repetiam. Um deles era uma pergunta que permeava quase 99 sobre 100 das conversas: “O futebol voltará a ser o que era antes da pandemia?”. Era interessante ver a expressão de algumas pessoas quando eu dizia: “Sim, estamos apenas num momento de restrições. Quando tudo voltar à normalidade, tudo voltará à normalidade”. Era o “anti-novo normal”, o que soava estranho para muita gente.

Pois bem, aqui estamos em setembro de 2022. Inflação galopante no mundo todo, uma guerra que afeta financeiramente muitos países, problemas de renda especialmente na Europa, os EUA surfando uma onda de quase pleno emprego. Apesar das previsões apocalípticas, o consumo de artigos de luxo segue em alta e ainda inventaram de enganar os mais incautos com figurinhas digitais, dizendo que elas valem milhões. Consumo, consumo, consumo.

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No ambiente do esporte, o futebol era o vilão que precisava ser combatido. O “novo normal” ia colocar o futebol no seu devido lugar. “Morte ao futebol moderno, com suas arenas caras, com os uniformes vendidos a preços proibitivos, e viva o futebol raiz!”.

Assim como em boa parte das atividades econômicas, o futebol sofreu com a pandemia. Estádios fechados, pontualmente algumas perdas de patrocinadores e dinheiro de TV que impactaram toda a estrutura, a ponto de refletirem em menos negociações de atletas, que aconteciam a valores menos midiáticos que as transferências de Neymar e Mbappé. “Chegou o novo normal!”.

Ah! Estamos em setembro de 2022 e aquela ideia de que voltaríamos aos tempos da bola de capotão e da chuteira de couro amarrada na canela virou só arquivo de podcast.

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Alguns números nos ajudam a mostrar o quão resiliente é o futebol, e quanto ele representa em termos de importância para diversos stakeholders.

Em 2021, a Premier League renovou seu contrato de direitos de transmissão para o mercado americano por US$ 2,7 bilhões para um período de seis anos, representando US$ 450 milhões por ano para 380 partidas por temporada. Esse valor representou o dobro da negociação anterior.

Em maio de 2022, a Conmebol renovou o contrato de direitos de transmissão da Copa Libertadores, que atingiu a marcar de US$ 1,5 bilhão por quatro temporadas, num aumento de 30% em relação aos valores do ciclo anterior.

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Esses dois casos significam aumento de valores distribuídos aos clubes, o que gera maior poder de investimento, pagamento de salários e contratações.

Na semana passada, foi anunciada a renovação do contrato de direitos de transmissão da Champions League para os EUA, atingindo o valor de US$ 250 milhões por temporada, por seis temporadas. Isso significa um aumento de 250% em relação ao contrato anterior. O novo contrato começa a valer a partir da temporada 2023/24, quando entra em cena o novo formato da competição continental.

Sim, isso também significa mais dinheiro nas mãos dos clubes de futebol.

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No fim, onde se vê este impacto? Nas contratações e nas movimentações de mercado.

O futebol tem uma característica única: a possibilidade de os atletas trocarem de clube por meio da rescisão de um contrato, sobre o qual incide uma multa. Ainda que muitos achem estranho, é uma forma de oxigenar a estrutura do futebol, transferindo recursos de clubes maiores para clubes menores.

O fato é que a janela de transferências que se encerrou nesta semana movimentou € 4,5 bilhões, valor muito superior aos de 2020 e 2021 e semelhante ao de 2018. Ficou abaixo apenas ao de 2019, que movimento € 5,5 bilhões.

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Nominalmente, voltamos aos patamares de 2017 e 2018. Mas, considerando que temos uma inflação na Europa na casa dos 8,5%, faz sentido compararmos com os valores ajustados. Nessa comparação, a movimentação de 2022 foi ligeiramente inferior a 2018, mas substancialmente maior que 2020 e 2021, mostrando que de fato o futebol já retomou sua normalidade.

Ou seja, o novo normal é o velho normal de sempre, ajustado ao momento. Porque nas próximas temporadas, com mais dinheiro chegando da TV, estádios cheios, patrocinadores ávidos por se aproximarem de consumidores espalhados pelo mundo e cada vez mais antenados no futebol, a tendência é termos mais dinheiro e movimentações no esporte.

Claro que parte disso está sendo movimentada graças à chamada “Guerra do Streaming” nos EUA, onde as plataformas estão brigando por conteúdos exclusivos e ao vivo para atraírem assinantes, aumentarem suas bases e tentarem tornar o negócio sustentável.

Isso pode e tende a diminuir nos próximos anos, à medida em que esse mercado esteja consolidado e o objetivo das plataformas mude de “aumentar a base” para “gerar lucro”. Mas enquanto isso não ocorre, é fundamental aproveitar o momento.

Já vou encerrando e deixo uma pequena provocação: lá no meio da pandemia, surgiu a ideia da Superliga de clubes europeus, supostamente lastreada na tendência de queda de interesse dos mais jovens pelo futebol.

Inclusive, alguns estudos da ECA, associação de clubes europeus, presidida na época pelo presidente da Juventus, diziam que o futebol estava caminhando para um declínio, e só a Superliga poderia salvá-lo.

Curiosamente, após a derrocada dessa ideia maluca os estudos e matérias sobre o tema sumiram. Os estádios seguem lotados, crianças seguem acompanhando futebol – junto com outras formas de entretenimento – o dinheiro continua circulando pela indústria. Só gostaria de lembrá-los que muito do que se publica tem uma agenda oculta por trás.

Fechado o parêntese e a provocação, a verdade é que o futebol segue sendo uma atividade importante no mundo do entretenimento, essencialmente no mundo do esporte.

E onde o Brasil espera se posicionar dentro da normalidade usual? Espero que a partir das SAFs e da formação da liga possamos ter o nosso “novo normal”, que nada mais será que um novo início, para que possamos tornar o esporte que move paixões uma atividade cada vez melhor.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti