Estabilidade e previsibilidade ajudam o mercado a criar riqueza, e não sofrimento

Com uma gestão de estabilidade e previsibilidade, teremos uma economia saudável com juros menores, atraindo investimentos, gerando empregos, elevando a renda e rumando à prosperidade comum a todos

Alexandre Manoel

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Na corrida presidencial, membros do PT se reuniram com o mercado financeiro para exposição de cenários e propostas. Estavam cientes que, caso eleito, Lula enfrentaria enormes desafios. Invocavam o histórico dele, especialmente o primeiro mandato (2003-06), para prometer estabilidade e previsibilidade, com redução da pobreza – desejo genuíno do candidato.

Esses sinais indicavam que Lula repetiria a mesma política econômica do triênio 2003-2005. Neste, criou-se e ampliou-se o Bolsa Família, foram aprovadas a reforma previdenciária (que taxou até aposentados do setor público) e tributária (que elevou a carga tributária para realizar o maior superávit primário prometido), assim como realizadas várias reformas microeconômicas, havendo também continuidade das concessões feitas no governo FHC.

À época, um dos desafios de Lula era eliminar a vulnerabilidade externa. Com sucesso, a dívida com FMI foi paga e as atuais reservas cambiais foram geradas durante a gestão de Henrique Meirelles no BC, que se dizia independente de “fato”, mas não por lei, como é atualmente.

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Hoje, o desafio central é resolver a vulnerabilidade fiscal herdada desde o governo Dilma. O desafio é grande, mas transponível. O teto de gastos foi de suma importância para estancar a sangria das despesas. Notavelmente, o Brasil irá entrar em 2023 com menos despesa primária (de 19,3 para 19%) e dívida bruta (de 75,2 para 75%) como proporção do PIB do que em dezembro de 2018, apesar da pandemia da Covid-19 e da guerra na Ucrânia.

Contudo, ainda não é hora de relaxar, pois nosso patamar de dívida é bem superior ao dos pares emergentes; exigindo, portanto, manutenção do esforço para geração de superávit primário. Isso garantirá a queda das taxas de juros, retomada do investimento, do emprego e da renda.

Diante dessa realidade, das restrições políticas e sabedor do histórico do presidente Lula, o mercado nutria esperança de que haveria continuidade na melhoria da situação fiscal. Um voto de credibilidade foi dado ao ex-presidente.

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Porém, após recente afirmação do presidente eleito Lula de que “as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal”, o mercado reagiu por meio de forte queda da bolsa, enfraquecimento da moeda e postergação da previsão de queda nas taxas de juros. Antes disso, algumas casas esperavam queda dos juros já no primeiro trimestre de 2023. Agora, vai se formando um consenso de que os juros só devem cair em meados de 2024.

Essa sensibilidade do mercado ocorreu porque, desta vez, apesar do histórico de Lula, não há nada escrito (como houve a Carta ao Povo Brasileiro, em 2002) e há incerteza em relação a quem irá assumir o ministério da Fazenda. Nesse sentido, quando o presidente eleito mostrou entender que o governo, ao optar por fazer superávit primário, o faz em detrimento dos mais pobres, indicou aos gestores do mercado – responsáveis pelas compras e vendas dos ativos – que os preços dos ativos financeiros domésticos e seus respectivos retornos diminuirão.

Essa diminuição poderá ocorrer porque, ao sinalizar que haverá forte obstáculo para fazer o superávit primário, o presidente Lula sinaliza que o governo precisará de mais recursos privados para financiar as despesas federais, o que implica taxas de juros mais altas para atrair financiadores dessas despesas, em um ambiente em que a dívida pública não para de aumentar, o que acarretará aumento do prêmio de risco e perda de credibilidade.

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Com dívida subindo e aumento das taxas de juros, as expectativas de retorno das ações das empresas caem (o que leva à queda da bolsa) e a moeda se desvaloriza, dado a menor crença na sustentabilidade da dívida e a maior perspectiva de inflação.

Quem perde nesse ambiente de instabilidade? Os mais pobres, dado que, com essa incerteza, o governo vai ter de pagar maior taxa de juros, sobrando menos recursos para os programas sociais. Ademais, haverá menos investimentos, com menor criação dos empregos, uma vez que a alta de juros age para inviabilizar os retornos de projetos e remunera a postergação do consumo, diminuindo fortemente a atividade econômica.

A missão do mercado é buscar maior retorno para os recursos poupados pelos trabalhadores e empreendedores através da análise de cenários e projeções locais e internacionais. Neste caso, como pode-se depreender, o mercado agiu comprando juros maiores no futuro e vendendo moeda e ações domésticas, no sentido exclusivo de proteger os investimentos dos poupadores, a exemplo dos recursos dos aposentados que têm seus recursos guardados em fundos de pensão.

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Logo, os agentes de mercado agem justamente para proteger o cidadão poupador, disciplinando o governo a aumentar sua capacidade de pagamento. Quando o governo internaliza essa disciplina e sinaliza estabilizar ou diminuir seu endividamento, ocorre novo apreçamento de risco, com taxas de juros diminuindo, incrementando a atividade produtiva, com mais empregos e mais recursos para financiar programa social de combate à pobreza.

Assim, quando governo e mercado atuam em sincronia, facilita-se o caminho para alcançar os nobres objetivos na área social, sobretudo os de combate à pobreza e eliminação da fome.

Tornar incerta a busca pelo superávit primário também prejudica a busca dos investimentos externos. A COP-27, por exemplo, é uma oportunidade de contatar o “mercado” estrangeiro e buscar recursos privados para financiar a nossa transição energética, proteger o meio ambiente e capitalizar projetos da economia verde. Todavia, um cenário de incerteza elevada e risco-país alto pode diminuir o interesse dos gestores estrangeiros nos projetos brasileiros.

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Deborah Zurkow, da Allianz, e Marc-André, gestor de um grande fundo canadense, foram vocais em um painel recente:moedas extremamente voláteis, instabilidade e falta de informação de qualidade sobre os países emergentes atuam como freios para um aumento dos investimentos”.

Outro possível canal de investimento estrangeiro é recuperar nosso rating de crédito, que desde 2014 sofreu revisões baixistas para grau especulativo. Com isso, muitos bancos e investidores hesitam em alocar recursos aqui. Samar Maziad, analista sênior da agência Moody’s, afirmou recentemente que uma mudança na política fiscal na direção de mais gastos pode ser negativo para o nosso score de crédito. Por conseguinte, o esforço fiscal é necessário para retomar a classificação que convivíamos entre 2008 e 2013, período atrator de investimentos.

Em suma, realizar ações na direção do superávit fiscal irá diminuir e estabilizar nossa dívida, de tal forma que sobrará mais (e não menos) recursos para a agenda social, em especial para o combate da fome e da pobreza. Não existe, portanto, dilema entre o social e o fiscal. Com uma gestão de estabilidade e previsibilidade, teremos uma economia saudável com juros menores, atraindo investimentos, gerando empregos, elevando a renda e rumando à prosperidade comum a todos. Assim, o mercado ajudará o presidente a criar riqueza, e não pobreza.

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Alexandre Manoel

Economista-chefe da AZ Quest Investimentos e ex-secretário dos ministérios da Fazenda e da Economia (2018-2020)