Fundo de investimento agroindustrial: provocações e desafios

Com o Fiagro, teremos um novo veículo que poderá gerar grande interesse de investidores, os quais já têm intimidade com instrumento análogo para o mercado imobiliário, os FIIs, bem como apreciam a liquidez que tal tipo de investimento possui

Luis Peyser

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Estamos no começo de março de 2011 e o telefone toca:

“Luis, tudo bem? Estamos aqui com uma operação muito bacana para fazer e que traz um retorno para os investidores acima de investimentos comparáveis, temos uma estrutura e um time muito bons para mostrar ao mercado. Mas a operação envolve imóveis rurais e esses imóveis, como você sabe, não são de fácil conhecimento do público como aqueles prédios na Faria Lima. Além disso, possuem as questões regulatórias e fundiárias de imóveis rurais…”

Ou seja, era uma operação viável, mas com grandes desafios para aquele momento da indústria de dívidas estruturadas e fundos.

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Para minha satisfação, no início de março de 2021, o plenário do Senado Federal aprovou o texto-base do Projeto de Lei 5.191-A, que institui os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) por meio da alteração da Lei dos Fundos de Investimento Imobiliários (FIIs) – a Lei 8.668/93.

Assim, teremos um novo veículo que poderá gerar grande interesse de investidores, os quais já têm intimidade com instrumento análogo para o mercado imobiliário, os FIIs, bem como apreciam a liquidez que tal tipo de investimento possui.

Como seu próprio nome sugere, a carteira de investimentos do Fiagro deverá ser composta, necessariamente, por ativos imobiliários, participações societárias, valores mobiliários ou títulos que integrem a cadeia produtiva agroindustrial (CDCA, CPR Financeira, CRA etc.).

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Se o projeto aprovado pelo Senado Federal não sofrer grandes alterações até a sanção presidencial, a regulação do novo fundo agrícola deverá ser, de maneira geral, muito semelhante àquela que rege os Fundos de Investimentos Imobiliários.

Além de nascer no âmbito da Lei dos FIIs, o Fiagro surge com características similares ao fundo imobiliário, inclusive a tributação dos rendimentos dos cotistas pelo imposto de renda de 20%, zerado quando observados os requisitos da legislação tributária.

Mas algumas provocações e reflexões importantes devem ser feitas por estruturadores, casas de research e investidores:

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(i) Devemos aguardar o regramento do Fiagro para fazer um fundo com política de investimento em imóveis rurais ou podemos simplesmente usar FIIs?

(ii) O projeto prevê que, no caso de ativos imobiliários arrendados ou alugados, o produtor do imóvel rural deverá deixar o imóvel em razão de descumprimento contratual em um prazo máximo de 1 ano de uma determinação judicial – e sua saída deverá coincidir com a colheita da safra. Como ficam os casos nos quais a safra não esteja pronta para colheita? Quais estruturas usar nessas hipóteses?

(iii) A tradicional prática do meio rural de se utilizar parcerias rurais na relação entre o proprietário do imóvel e o produtor não está contemplada no projeto. Será que os Fiagros não deveriam poder conceder seus imóveis em parcerias rurais também? (além de arrendamento ou apenas alienação)

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(iv) O Fiagro, diferentemente do FII, não terá a obrigatoriedade de distribuição semestral de rendimentos. Não seria adequado rever o regramento dos FIIs para que também tivessem essa possibilidade? Temos hoje, sem dúvida, um mercado mais desenvolvido do que aquele existente ao final de 2009 e sem qualquer comparação com aquele da década de 1990 (década de promulgação da Lei dos FIIs). Assim, seria positivo para o mercado e para o crescimento de instrumentos de financiamento alternativos que essa adequação fosse feita.

(v) Qual será o tratamento regulatório que a CVM irá propor para os Fiagros abertos? Haverá algum tipo de restrição no sentido de terem em carteira apenas ou preponderantemente ativos líquidos? Haverá regras obrigatórias de suitability ou prazos de carência para resgate?

(vi) Para os fundos com regras mais restritas relativamente ao público investidor alvo, que será o caso do Fiagro segundo o projeto de lei, teremos alguma regra específica para os intermediários, considerando que os fundos fechados poderão ser negociados em bolsa?

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(vii) A regra de diferimento da tributação do ganho de capital na integralização com imóveis, prevista para o Fiagro, não deveria ser estendida aos FIIs?

Como se vê, a aprovação da alteração à Lei dos FIIs será apenas o primeiro passo para a criação do Fiagro.

Depois, a CVM ainda deverá editar normas específicas, quando poderá seguir três caminhos: (i) criar uma norma do zero; (ii) usar texto que seja resultado de pequenas adequações nas normas dos FIIs; ou (iii) criar regramento que leve em consideração a norma geral de fundos atualmente em audiência pública pela CVM.

Enquanto aguardamos ansiosos pelo Fiagro, eu me lembro da continuação daquela conversa ao telefone em 2011 e das dificuldades decorrentes da falta de maturidade do mercado.

O Luis do presente pode relatar com alegria que, nos últimos anos, o mercado se desenvolveu muito e atualmente temos diversas opções, cada uma com suas peculiaridades, seu foco de investidores, retornos esperados, suas complexidades regulatórias, seus efeitos tributários e muitas siglas, FIPS, FIDCs, CRIs, CRAs, LIG etc.

Se tudo correr bem, mais uma sigla logo virá, o Fiagro.

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Luis Peyser

Luis Peyser é sócio do i2a Advogados, especialista em mercado de capitais e investimentos alternativos. Advogado com mais de 15 anos de experiência em operações financeiras, de investimento, aquisições societárias e imobiliárias e investimentos florestais, também é co-fundador e coordenador da Comissão de Negócios Imobiliários e Investimentos Alternativos do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (IBRADEMP).