Teto de gastos: 4 caminhos para o país e suas consequências

É importante que as principais forças políticas do país convirjam em torno de um arranjo duradouro e sustentável que faça sentido para o Brasil pós-pandemia

Fabio Giambiagi

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“Por mais que me custe expor-me a ser tido por homem de pouco juízo, eu não hesitaria em alistar-me no número de loucos que nutrem a grande e generosa ambição de ver o país cortado por caminhos, por vias férreas, por canais, embora tudo isso nos desequilibrasse o orçamento… Por muito tempo a nossa escola há de ser tida como menos sensata por aqueles que elevam a prudência à ordem de primeira virtude… Quero pertencer à escola dos loucos, porque a dos prudentes nada fará senão trazer o expediente em dia” (Discurso do Conselheiro Saraiva na Câmara de Deputados, em 1860)

Há dois anos, iniciou-se no Brasil um debate acerca da permanência ou não do teto de gastos. A postura contrária ao teto era liderada pelos setores que se opuseram à PEC do teto em 2016.

Como em tantos debates que se estabelecem no Brasil, as posições logo ficaram polarizadas, nesse eterno Fla-Flu em que vivemos há anos.

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O sentido deste artigo e do que publicarei na sequência é procurar explicar ao leitor as questões centrais em debate, tentando esboçar uma solução intermediária, não porque pense que a virtude sempre está no meio, mas sim porque esse é um assunto no qual as paixões desatadas pelo tema estão levando um e outro lado a ignorar aspectos cruciais.

É importante que as principais forças políticas do país convirjam em torno de um arranjo duradouro e sustentável que faça sentido para o Brasil pós-pandemia.

Antes de começar a discorrer mais sobre o tema, peço que o leitor tenha um dado em mente: a participação do gasto primário do governo central em relação ao PIB, incluindo as transferências para os estados e municípios, era de 13,7% do PIB em 1991 e aumentou até 23,6 % do PIB em 2016. Foi por isso que o teto foi adotado.

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O detalhe é que, depois de três anos de sua vigência, em 2019, essa participação continuava sendo praticamente a mesma, de 23,4 % do PIB. Se não for adotado algum tipo de restrição ao gasto público, cabe responder uma questão básica: sem teto, onde isso vai parar?

Por outro lado, a defesa da permanência do teto até 2026 exige responder a outra questão básica: como fazer?

Lembremos que a regra vale por dez anos. Em 2016, eu defendia que o teto de fato poderia ser mantido durante uma década e hoje estou convencido de que isso é impossível.

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O que mudou nesse período foi que: a) a reforma previdenciária, que imaginava-se que seria aprovada em 2017, só o foi em 2019, o que nos leva a ter hoje uma despesa do INSS que se situa em patamar superior ao que eu supunha que teríamos atualmente; e b) como a inflação caiu muito mais rapidamente do que se considerava em 2016, os aumentos salariais definidos no governo de Michel Temer implicaram aumentar muito acima do previsto a despesa real de pessoal.

A combinação de maiores despesas previdenciárias e de pessoal leva a um achatamento das outras despesas mais profundo que o que se tinha em mente quando todos sabiam que existia alguma gordura que poderia ser cortada, sem prejuízo da satisfação dos serviços essenciais.

Quais são os caminhos que o país tem pela frente? Há quatros opções:

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1. Não haver teto algum. Seria reincidir na situação existente até 2016, que nos levou a aumentar a despesa em dez pontos percentuais do PIB em 25 anos. É uma estratégia perigosa, que muito provavelmente redundará num aumento das taxas de juros de longo prazo e num “empinamento” da curva de juros da dívida pública;

2. Manter o “status quo”. Isto é o que tende a acontecer no curto prazo, mas não é uma solução de longo prazo, porque, se nada mudar, o teto se revelará insustentável até o começo do próximo governo, em 2023;

3. Retirar os investimentos do teto. Na prática, isso é muito parecido com a proposta (1) acima. Com o governo com “licença para gastar”, a despesa poderia voltar a aumentar acima do crescimento do PIB, repetindo antigos equívocos fiscais que no passado nos levaram a bater na trave do calote da dívida pública; ou

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4. Adotar uma solução como a que propus com Guilherme Tinoco em texto de 2019, permitindo ao gasto voltar a crescer a partir de um momento futuro e criando a figura do subteto do gasto corrente. Este, ao crescer a uma taxa inferior à do total, permitiria a criação de um “corredor do investimento”, que iria sendo progressivamente ampliado.

Qual é o problema com a alternativa 4? O timing. A proposta demanda uma engenharia política similar à que permitiu, num arranjo político muito bem orquestrado em ambos os casos, aprovar a PEC do teto em 2016 e a reforma da Previdência em 2019.

Qualquer indivíduo que saiba como funciona Brasília entende que, em épocas de governo com sustentação parlamentar fraca, uma PEC concebida para aprovar as medidas A, B e C irá provavelmente aprovar o abecedário completo – tirando o que o governo se propunha originalmente aprovar.

Sejamos claros: algo assim só teria chances de passar incólume – com a proposta final preservando o arcabouço original – em três circunstâncias:

(i) em caso de uma situação política como a existente no segundo semestre de 2016, o que hoje não está em pauta;

(ii) na presença de um acordo político amplo entre diversos partidos antes das eleições de 2022, em moldes similares ao ambiente de entendimento que levou os principais candidatos a presidente em 2002 a se comprometer a honrar o acordo com o FMI, negociação delicada conduzida sob a coordenação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; e

(iii) no começo de um novo governo, em 2023. A ver.

Abordaremos estas questões com maiores detalhes no próximo artigo.