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Há três meses, sem muito alarde, entrou em vigor a Lei 13.608 (apelidada de “Lei do Disque-Denúncia”), que passou a permitir à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios pagar recompensas financeiras a pessoas que deem informações que levem à resolução de crimes.
Esta prática é comum nos Estados Unidos, onde os whistleblowers recebem garantias de anonimato, proteção na lei trabalhista e recompensas em dinheiro. Muitos “denunciantes premiados” são funcionários de empresas privadas que trazem à tona informações sobre infrações graves, como crimes financeiros, sonegação fiscal e poluição ambiental. São tantos os casos que, nos EUA, surgiram associações de defesa dos direitos dos whistleblowers, que, inclusive, divulgam os casos mais recentes e os prêmios obtidos (vide o site da National Whistleblower Center).
Um dos casos mais emblemáticos foi o do ex-banqueiro Bradley Birkenfeld, que, após passar dois anos e meio na cadeia, recebeu em 2012 a recompensa de US$ 104 milhões da Receita Federal norte-americana, em virtude de suas revelações a respeito de contribuintes dos EUA que escondiam valores num banco na Suíça.
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Importante esclarecer, contudo, que denunciante premiado não é necessariamente um colaborador premiado. Este é o autor ou o partícipe de um crime que faz acordo com o Ministério Público para revelar fatos novos e fornecer provas da participação de outras pessoas, com vistas a obter benefícios, como a redução da pena. Já o denunciante premiado é um terceiro que, a rigor, não tem envolvimento no crime e, nesse caso, o acordo financeiro é feito com os órgãos de governo.
Nos EUA, a ideia é incentivar pessoas a “fazer o certo”. Mas será que vale mesmo a pena importar esta prática para o Brasil? É claro que há muitas vantagens em se estimular a denunciação de crimes. Estes incentivos podem dissuadir possíveis fraudadores, prevenir infrações à lei e, para os crimes ocorridos, potencializar as chances de a polícia descobrir provas e punir os responsáveis.
Mas há também um lado obscuro por trás dessas práticas. Há riscos de que o incentivo à transparência acabe por estimular o cinismo, as chantagens e até as acusações falsas. Os regimes totalitários sempre estimularam o denuncismo, que, por vezes, advém de um “mau sentimento”, na expressão recente do ministro Barroso. Estimular a vigilância soa como algo bom, mas só até certo ponto. Quando extrapolados os limites do razoável, torna-se um mal que destrói o ambiente corporativo e a convivência saudável em sociedade.
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Assim, é bom que a importação da prática de dar incentivos financeiros aos denunciantes venha acompanhada de um reforço de tutela legal para proteger a situação jurídica também das pessoas ou empresas denunciadas. Cautela nunca é demais.
(Artigo publicado originalmente pelo Jornal O Globo, edição de 21/4/18, pág. 15)