Publicidade
O debate sobre propostas de mudanças para garantir que mais brasileiros tenham acesso aos planos de saúde e que o setor alcance a sustentabilidade é antigo. No entanto, agora tornou-se mais urgente do que nunca. A manchete da Folha de S.Paulo “Em crise, planos de saúde rescindem contratos e deixam crianças sem tratamento” expõe problemas antigos que continuam sem solução. Algumas melhorias foram feitas, mas o plano de saúde, que é o principal desejo de consumo dos brasileiros, corre o risco de se tornar ainda mais inacessível e ser um problema ainda maior para todos os envolvidos.
Os consumidores reclamam que pagam muito e recebem pouco. As operadoras se queixam do aumento da inflação médica, das fraudes e da regulamentação excessiva. As clínicas, laboratórios e hospitais reclamam da remuneração recebida. A Justiça está sobrecarregada com ações de saúde, que representam cerca de 15% de todos os processos em curso no Brasil. Enquanto isso, o governo não consegue lidar com essa situação e vê o Sistema Único de Saúde (SUS) cada vez mais sobrecarregado, com filas de atendimento que podem ultrapassar um ano.
De acordo com dados divulgados em abril pela Agência Nacional de Saúde (ANS), há mais de 50,2 milhões de beneficiários de planos de saúde, considerando os dados de janeiro de 2023. Os planos exclusivamente odontológicos registraram 30,7 milhões de usuários, mantendo um crescimento significativo em relação ao ano anterior.
Continua depois da publicidade
Os consumidores, que já pagam valores elevados, enfrentarão um reajuste ainda mais amargo em 2023 para obter um atendimento muitas vezes precário. Por exemplo, a marcação de consultas ou a autorização de exames podem levar mais de três meses. Às vezes, a ANS intervém e proíbe a venda de novos planos pelas empresas até que a oferta e a demanda sejam adequadas.
As reclamações contra planos de saúde mais que dobraram no Brasil desde a criação do Índice Geral de Reclamação (IGR) pela ANS em 2018. Esse índice leva em consideração o número de clientes de cada plano e a quantidade de reclamações contra a empresa. Em 2018, o índice era de 15,5, e em 2022 saltou para 37.
Muitas empresas que oferecem planos aos seus funcionários estão incrédulas com o reajuste de preço apresentado pelos corretores de seguros. A média está em 30%, com aumento nos percentuais de coparticipação e negação de atendimentos amparados pela legislação, como, por exemplo, a exclusão de autistas.
Continua depois da publicidade
Segundo a ANS, o mercado de planos de saúde encerrou o ano passado com um prejuízo operacional de R$ 11,5 bilhões, a maior perda registrada desde 2001. Esse resultado é 12,5 vezes pior do que o registrado em 2021. O déficit em saúde não é exclusivo do Brasil, sendo um problema enfrentado em todo o mundo. Parte da culpa é atribuída à pandemia, que gerou uma sobrecarga de atendimentos adiados durante o período de isolamento e também deixou sequelas que exigem tratamentos longos e caros.
Somente nos três anos de pandemia, as operadoras de planos de saúde associadas à Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) viabilizaram mais de 585 mil internações devido à Covid-19, sendo cerca de 30% delas em UTIs. Também foram realizados 1,1 milhão de exames sorológicos e 6,9 milhões de exames RT-PCR, totalizando um custo de R$ 30,4 bilhões. Além disso, foram registrados cerca de 9,2 milhões de atendimentos de telessaúde.
Vera Valente, diretora executiva da FenaSaúde, afirma que, além da Covid, existe um descompasso entre receitas e despesas. A receita efetiva das operadoras de saúde foi de R$ 237,6 bilhões em 2022, com um lucro de apenas R$ 2,5 milhões, representando apenas 0,001% da receita. Em 2021, o lucro foi de R$ 3,8 bilhões. Em contrapartida, em 2020, o setor registrou um recorde de R$ 18,7 bilhões de lucro, segundo dados da ANS.
Continua depois da publicidade
Diante desse cenário, o setor testemunhou um grande número de fusões e aquisições, como a aquisição da Intermédica São Camilo pela Hapvida e a compra da SulAmérica pela Rede D’Or, apenas para citar as principais negociações. Até mesmo as novatas que prometem revolucionar o mercado enfrentam problemas. Em maio, a healthtech Alice anunciou que assumiria os mais de 16 mil clientes da concorrente QSaúde, totalizando 27 mil beneficiários. A Allianz, uma das maiores seguradoras do mundo, anunciou sua saída do mercado de saúde no Brasil em abril deste ano.
SulAmérica e Hapvida afirmaram, em entrevistas sobre os resultados do primeiro trimestre, que seu foco em 2023 é reajustar os preços, mesmo que isso resulte em uma redução no número de beneficiários. Somente a Hapvida perdeu 43 mil beneficiários em janeiro, sendo 28 mil em planos corporativos, de acordo com uma análise do BTG sobre o setor. A SulAmérica perdeu outros 7 mil beneficiários, confirmando a tendência de desaceleração do setor devido ao aumento dos preços e à demora na recuperação econômica, que dificulta o aumento da renda dos brasileiros.
Uma possível solução para esse caos seria aumentar a competição. O setor é visto como um dos mais promissores para investidores. No entanto, eles afirmam que só investirão milhões quando houver maior clareza em relação a um mercado com grande potencial, mas que é arriscado devido à falta de regulamentação flexível e segurança jurídica.
Continua depois da publicidade
O diagnóstico dos problemas da saúde no Brasil é praticamente consensual entre operadoras, prestadores de serviços, contratantes, reguladores e legisladores. Todos sabem o que precisa ser mudado para que mais brasileiros tenham acesso a serviços de saúde de qualidade. A agenda das operadoras inclui, por exemplo, o retorno dos planos individuais, uma maior segmentação de coberturas, incentivo à atenção primária e redução de fraudes.
Os planos de saúde privados complementam a cobertura do sistema público, permitindo que as pessoas tenham acesso a uma gama mais ampla de serviços, como consultas com especialistas, cirurgias e tratamentos específicos. Isso pode ser especialmente relevante para condições crônicas ou de longa duração que requerem cuidados contínuos.
Sem a concorrência dos planos de saúde privados, o governo provavelmente seria pressionado a aumentar os investimentos em saúde para melhorar a qualidade e a disponibilidade dos serviços oferecidos pelo SUS. Isso incluiria investimentos em recursos humanos, infraestrutura e tecnologia médica. No entanto, é sabido que esses recursos não estão disponíveis para o sistema de saúde público, que ano após ano recebe menos financiamento do que é necessário.
Continua depois da publicidade
Portanto, por que não sentar à mesa e resolver essas pendências que afetam a vida de todos há anos? As operadoras de planos de saúde frequentemente criticam o excesso de regulamentações governamentais, argumentando que isso aumenta os custos operacionais e limita sua capacidade de inovação. Elas pedem uma regulamentação mais flexível, que permitiria maior concorrência e preços mais acessíveis.
Outra reclamação é a alta carga tributária. Os altos impostos reduzem a capacidade de investir em melhorias nos serviços, ampliar a cobertura e reduzir os custos dos planos, argumentam as operadoras. Estabelecer incentivos fiscais para a compra de planos de saúde, como deduções de impostos ou subsídios para determinados grupos da população, também está na pauta do setor.
Muitas operadoras têm programas de estímulo à saúde, mas poucos usuários aderem a eles. Incentivar hábitos saudáveis, campanhas de vacinação, exames preventivos e programas de educação em saúde podem ajudar a evitar o surgimento de condições crônicas que exigem tratamentos mais caros.
Para que todos possam ter acesso à saúde, é necessário que todos se envolvam na redução dos custos dos planos de saúde a longo prazo. Afinal, a vida não tem preço, mas a saúde tem, e precisa ser acessível a todas as classes sociais.