Maracutaias contratuais – promessa de compra e venda de imóveis

Analisar o contrato de compromisso de compra e venda de imóveis é fundamental. No texto abaixo, explico quais as principais "pegadinhas" que o consumidor deve ficar atento para não ter surpresas desagradáveis no futuro

Marcelo Tapai

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Contratos de promessa de compra e venda de imóveis na planta são longos e complexos, envolvem diversos negócios em um só (venda, construção, financiamento, etc) e trazem termos jurídicos nem sempre decifráveis à maioria dos consumidores.

Em via de regra são contratos de adesão, elaborados unilateralmente pelas empresas e visam preservar apenas os interesses das incorporadoras, colocando o comprador em grande desvantagem no negócio devido ao desequilíbrio jurídico.

Dentre os pontos que merecem destaque, está a cláusula que estipula a conclusão da obra e incidência de juros sobre o saldo devedor. E como isso é feito?

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Os contratos preveem em sua maioria a correção de todo o saldo devedor durante a construção pelo INCC (Índice Nacional da Construção Civil) até a expedição do Habite-se e, depois disso, correção pelo IGP-M mais juros de 1% ao mês, normalmente guiados pela tabela price.

Mas, o Habite-se é um documento meramente burocrático do ponto de vista prático e, embora seja o certificado de conclusão da obra, expedido pela prefeitura, na prática não atesta que o empreendimento esteja pronto e acabado nos termos do memorial descritivo, com todos os acabamentos realizados e pronto para morar.

Isso porque, para obtenção do Habite-se, especialmente nas grandes cidades, não há vistoria física do imóvel. Em São Paulo, por exemplo, todo o procedimento é eletrônico e os itens exigidos pela municipalidade são um atestado do engenheiro responsável que a obra está em pé, laudo do Corpo de Bombeiros e do Contru atestando a segurança do edifício no que se relaciona a elevadores e proteção contra incêndios e o mais importante, pelo menos para a prefeitura, o comprovante de quitação do ISS.

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Apresentados tais documentos, o certificado é expedido e, não raras as vezes, isso ocorre muito antes da conclusão fática do empreendimento. Colocação de revestimentos, pintura, instalações hidráulicas e elétricas nas unidades, equipamentos da área comum e diversos outros itens ainda estão por serem realizados, o que significa que a obra continua e o comprador ainda demora vários meses para receber seu imóvel.

Não obstante esses fatos, a empresa considera a obra concluída quando o Habite-se é expedido e então muda a forma de correção do saldo devedor, inclusive com a inclusão de juros mensais de forma cumulativa, o que eleva demasiadamente o saldo devedor.

Mais grave ainda é que o comprador, que pretende financiar o imóvel, não pode quitar esse saldo antes que as obras sejam concluídas, que o condomínio seja instalado e a matrícula individualizada, isso porque somente é possível fazer um financiamento imobiliário quando existir um imóvel, física e juridicamente em ordem.

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Enquanto não forem superadas essas etapas e o imóvel não possuir uma matricula individualizada e desembaraçada, o financiamento não sai e o comprador, de mãos atadas, fica vendo o saldo crescer de forma exponencial, acumulando juros e encargos por conta do atraso provocado pela empresa. Uma verdadeira premiação à inadimplência da empresa.

Apesar da previsão contratual, o Judiciário tem considerado de forma quase absoluta que este ponto do contrato é ilegal e somente após a efetiva entrega da unidade ao cliente comprador é que a empresa pode exigir o pagamento do valor devido, bem como somente a partir deste momento pode incidir juros sobre a obrigação.

Embora crescente, o número de compradores que recorrem ao Judiciário ainda é pequeno proporcionalmente ao número de imóveis vendidos. Por isso, a artimanha continua sendo um bom meio de ganho fácil para as empresas que permanecem a explorar tal prática.

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Marcelo Tapai

Marcelo Tapai é advogado especialista em direito imobiliário, vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP, diretor do Brasilcon e sócio do escritório Tapai Advogados.