O que há de errado com a Argentina

A inflação da Argentina em julho registrou alta de 7,5%, superando a projeção brasileira para todo ano de 2022 (em 7,02%), mas este é apenas um dos problemas

Felippe Hermes

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Protesto na Argentina (Foto: Gustavo Garello/Jam Media/Getty Images)
Protesto na Argentina (Foto: Gustavo Garello/Jam Media/Getty Images)

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Além de grandes obras, o escritor argentino Martín Caparrós foi responsável por resgatar e popularizar uma expressão apócrifa que se tornou um epíteto nacional: “Se você deixar a Argentina e retornar em 20 dias, tudo terá mudado; se retornar em 20 anos, nada terá mudado”.

A frase, que se assemelha ao nosso “Brasil, o país do futuro”, carrega em si uma trágica sensação de que a Argentina está fadada a repetir os erros, levando-a a uma situação incomum no mundo.

Como o economista americano Simon Kuznets definiu, há quatro tipos de países: os desenvolvidos, os subdesenvolvidos, o Japão e a Argentina.

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Como você pode conferir mais detalhadamente neste artigo narrando a história do país, a Argentina ficou célebre por ter saído do posto de país com maior renda per capita do planeta em 1896 para se transformar em uma nação empobrecida.

De fato, o país com campos férteis e infindáveis, mantém até hoje uma produção agrícola relevante, com capacidade para alimentar 400 milhões de pessoas no planeta (cerca de 9 vezes sua população). O problema, claro, está na inversão dos chamados “termos de troca”.

Como pesquisadores de Harvard descobriram, a riqueza da Argentina, que lhe rendeu fama no início do século passado, estava associada à uma mera disponibilidade de terras, sem qualquer preocupação com o capital empregado e, portanto, com a produtividade.

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Por décadas, o país insistiu neste modelo e seguiu decaindo, junto do preço de seus produtos. Ao tentar se industrializar, novamente deixou a produtividade (a riqueza produzida por cada trabalhador) de lado, baseando sua indústria em subsídios e protecionismo.

Fato é que, em 2022 o país completa 20 anos de uma nova guinada focada no populismo.

Foi ao final da crise de 2001, com a eleição de Néstor Kirchner, que o país voltou a subsidiar fortemente setores industriais, controlar o câmbio e distribuir auxílios, deixando de lado as reformas feitas nos anos 1990.

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Como você pode ver, em 20 anos nada mudou, à despeito de uma breve tentativa, mal-sucedida, por parte da gestão de Maurício Macri na presidência.

A Argentina de hoje é um país com um déficit no orçamento que atinge 2,9% do PIB, uma inflação que deve chegar a 91% em 2022, além de ter 40% da população na pobreza, contra 19,6% há cinco anos.

O Peso, que um dia já foi equiparado ao dólar em cotação, vale hoje 350 para 1.

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Neste momento, Sérgio Massa, o terceiro ministro da economia de Alberto Fernandez, busca “racionalizar” as contas.

Mais uma vez, a exemplo do que tentou e fracassou o governo Macri, Massa aponta os subsídios como parte relevante do problema.

Em 2021, o governo argentino pagou 68% das contas de luz no país por meio de subsídios. O custo foi de 1,7% do PIB. Em 2022, a conta já subiu 174%.

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O objetivo de Massa é reduzir os subsídios e repassar a conta aos consumidores, tornando os preços mais realistas e o déficit público no país um problema menor. O problema, claro, é convencer a população a pagar 150% mais em água, luz e gás.

Em seu novo acordo com o FMI, formalizado em março, a Argentina se comprometeu a reduzir o déficit público para 0,9% do PIB até 2024. Uma tarefa improvável de ser concretizada sem grandes mudanças.

Dentre os caminhos racionais, porém, não parece haver muito mais opções.

Como aponta um relatório do Itaú, o governo argentino aumentou em 12% acima da inflação os seus gastos no primeiro trimestre deste ano.

Nesse valor, há um aumento de 84% nos gastos com subsídios em energia, contra 11% de aumento nos investimentos, 9,2% de alta em salários e 5% em pensões e aposentadorias. A arrecadação, por sua vez, cresceu 3,7% no período.

Em resumo, o país promove um congelamento de preços administrados sem, com isso, conseguir reduzir a inflação. O pior dos dois mundos.

A consequência não poderia ser diferente. Com a gasolina custando R$ 3,28, por exemplo, brasileiros atravessam a fronteira para se aproveitar da farra dos subsídios no país vizinho, aumentando o cenário de escassez de diesel e combustível.

Considerando que o país é importador de energia, seja do gás boliviano ou de petróleo e gasolina, os preços irreais contribuem para aumentar a desvalorização do peso, que, por sua vez, pressionam altas em alimentos e outros setores.

Como se fosse pouco, o déficit do governo pressiona o banco central a imprimir dinheiro e financiar as contas públicas, aumentando a quantidade de pesos em circulação, o que os torna menos valorizados.

Como boa parte de sua dívida está em dólares, a Argentina segue elevando sua taxa de juros para tentar superar a inflação, tornando atrativo comprar títulos do país, conhecido pelo calote de 2001. Neste ponto, o resultado não tem sido dos mais satisfatórios. A Argentina ainda conta com juros negativos, tornando financiamento externo uma opção fora de cogitação.

De dados positivos, é possível dizer que o crescimento do PIB está reagindo bem à alta de commodities. O PIB do país deve crescer 3% neste ano, após uma alta de 10,6% em 2021 e uma queda de 9,9% em 2020.

Na prática, a montanha russa do crescimento argentino apenas aumenta a instabilidade e a insegurança. O resultado é incapaz de garantir previsibilidade, uma figura chave na economia.

Para o Brasil, significa também uma enorme perda. Deixamos de ser o maior parceiro comercial do país vizinho. Se, em 2011, comercializamos, entre importações e exportações, cerca de US$ 10 bilhões para a Argentina, em 2019, esse número caiu para US$ 5,5 bilhões.

Os problemas argentinos, em especial a inflação, que, em julho, superou a da Venezuela na taxa mensal e se igualou à brasileira na taxa anual, podem fazer a festa dos turistas que se aproveitam dos preços atrativos. Mas eles resultam em menos empregos por aqui.

É possível que nos próximos 20 dias tudo possa mudar, que o governo implemente preços racionais, reduza seu déficit e faça a inflação parar de corroer o poder de compra. Mas resta saber se, em 20 anos, o país terá, enfim, conseguido se livrar deste eterno ciclo de vícios.

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Felippe Hermes

Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com