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O governo finalmente anunciou a proposta da reforma da previdência na semana passada. De maneira geral, trata-se de uma proposta muito boa, bem recebida pelo mercado, que permite uma economia de R$ 1,1 trilhão em 10 anos ou R$ 4,5 trilhões em 20 anos, sem contar o valor economizado com a esperada reforma no regime dos militares.
A proposta apresentou dispositivos interessantes: as alíquotas progressivas contribuíram para que o ajuste seja mais pesado sobre os mais abastados, tanto do RGPS (regime geral) quanto do RPPS (funcionários públicos). As regras de transição mais rápidas ajudam a evitar as aposentadorias precoces, maior fonte de desigualdade do atual sistema. E os estados têm a sua ajuda, com a imposição da alíquota de 14% para aqueles que estejam em situação deficitária, podendo ser ampliada a depender do caso.
Apesar disso, vários pontos deverão ser bastante discutidos nos próximos dias: baseando-se na primeira semana de debates, os pontos mais controversos parecem ser o BPC, o tempo de contribuição e a idade mínima da aposentadoria rural. A capitalização para os novos entrantes, praticamente sem detalhamento, deverá ser uma restrição ainda maior. Vale notar que o debate não ficará restrito à arena política, uma vez que o STF também terá um papel de protagonista, avaliando possíveis inconstitucionalidades presentes na proposta.
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O primeiro desafio, no entanto, já começou e diz respeito à formação de uma maioria no Congresso que garanta os votos mínimos para aprovação de uma PEC. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já deu alguns recados: o governo precisa entrar na campanha de “enfrentamento nas redes” a favor da reforma. Também lembrou, em entrevista ao Valor, que ninguém governa sozinho, lembrando ao presidente que a construção da maioria não será possível somente com o patriotismo dos deputados.
É possível perceber, portanto, que o processo de aprovação da reforma não será fácil, muito pelo contrário. Absorverá uma imensa quantidade de energia do governo, do Congresso e do Judiciário, como não poderia ser diferente.
Nessas condições, o jogo se torna ainda mais importante. Isso acontece porque o foco total ao assunto dificultará bastante o andamento de outras agendas do ajuste fiscal, como veremos a seguir. Por isso, a economia próxima a R$ 1 trilhão é imprescindível.
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Desde que participava da campanha eleitoral, o agora ministro Paulo Guedes apresentava uma agenda bastante extensa, que incluía, por exemplo, a venda de imóveis da União, que poderiam render algo próximo a R$ 1 trilhão segundo suas estimativas. Ao perceber as dificuldades práticas com a medida, o ministro mudou um pouco o discurso, mas a agenda continuou contemplando várias medidas. No mês passado, por exemplo, falava em dois objetivos para o ano, além da previdência: (i) US$ 20 bilhões em privatizações e (ii) US$ 10 bilhões em corte de subsídios. Esses seriam os pilares para o objetivo de zerar o déficit primário do governo federal ainda em 2019.
No primeiro caso, a agenda pouco caminhou. Não se sabe quais as companhias seriam privatizadas. Mesmo a venda da Eletrobras, que renderia algo em torno de R$ 12 bilhões e já está prevista no orçamento, se torna mais difícil a cada dia. O leilão dos barris excedentes da cessão onerosa, que não é exatamente uma privatização, mas poderia ser tratada como tal, também fica a cada dia menos provável de acontecer em 2019. Há uma série de questões a se resolver, com diferentes órgãos interessados (Petrobras, TCU, estados e municípios, Congresso Nacional), que demandam energia que talvez não esteja disponível no momento.
Em relação ao corte de US$ 10 bilhões em subsídios, vale notar que o ministro se referia na prática aos benefícios tributários (também conhecido por gastos tributários). Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, a conta chegou a R$ 270 bilhões (4,1% do PIB) em 2017. As principais modalidades consistem no (i) Simples, (ii) rendimentos isentos do IRPF, (iii) desoneração da cesta básica e (iv) Zona Franca de Manaus.
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Os 10 bilhões de dólares anunciados teriam como base uma conta aproximada de 10% do total (ou seja, algo próximo a R$ 30 bilhões). Uma das possibilidades para o alcance dessa economia era descrita no documento Panorama Fiscal, lançado pelo Ministério da Fazenda em dezembro, e previa uma redução em um subconjunto dos benefícios, com grande peso para duas modalidades: desoneração da folha e Simples.
Assim, essa economia dependeria da revogação da lei de desoneração (rápido o possível para fazer efeito em 2019) e do aumento das alíquotas do Simples. Uma agenda, portanto, com chances desprezíveis de caminhar ao longo do ano.
O foco na reforma da previdência concentrará, portanto, a energia da equipe econômica (e também da articulação política), tirando o vigor dessas outras agendas do ajuste fiscal (como seria de fato esperado). Dada a importância de ajustar as contas públicas, revertendo os déficits primários e impedindo a trajetória explosiva da dívida pública, é crucial, dessa maneira, que o governo entre para ganhar o jogo na reforma da Previdência. E de goleada, o que significa, nesse caso, garantir ao menos 90% dos valores apresentados.
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