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Felipe Passero*
O capitalismo se caracterizou como um modo de produção onde o consumidor é soberano, onde é capaz de tornar o pobre rico e o rico pobre apenas baseado nas escolhas de consumo.
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Sai de cena o poderio econômico baseado no nascimento, na casta, e entra o poder de quem consegue produzir aquilo que mais pessoas queiram comprar. O povo deixa de ser um conjunto de servos passivos que nada interferiam na vida e na riqueza do país e passa a ser o verdadeiro árbitro. O grande empresário é, geralmente, aquele que vende para as massas.
O conceito moderno de liberdade é aquele onde cada um pode viver sua vida de acordo com seus planos, sendo limitado pela estrutura fisiológica do seu corpo e pela escassez de recursos, que irão fluir para as mãos daqueles que conseguem atender os desejos de um maior número de pessoas. Os planos que temos sobre a nossa própria vida não são mais ditados pela força, pela polícia ou pela repressão, se a sociedade for livre.
Porém o homem tem, em sua natureza, um desejo insaciável por progresso. Existe uma insatisfação sistemática que leva as pessoas a desejarem sempre mais.
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Se isso é, de um lado, a força propulsora do progresso, é também a razão pela qual muita gente não perceba o valor do conforto material já conquistado numa sociedade de mercado. Isso faz com que os menos produtivos passem a culpar o sistema por seu próprio fracasso social. Tais pessoas não reconhecem nem a limitação natural de recursos, e nem a desigualdade decorrente de diferentes capacidades para suprir os desejos das massas consumidoras.
Tais críticos do capitalismo querem criar meios para a distribuição das riquezas que seja diferente daquele delimitado pelo consumo.
É a famosa frase “o Neymar ganha mais que alguém com doutorado”. Querem substituir a escolha de mercado por um critério paralelo, baseado num valor de um selo acadêmico, em um aval de intelectuais ou, eventualmente, por um aval de “artistas nacionais” em defesa da “cultura nacional”.
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O fato de um filme ser aprovado por um pequeno grupo que advoga em causa própria, que se intitula “especialista” é razão suficiente para tais anticapitalistas tentarem capturar o estado para reverter a vontade popular do consumidor.
O acesso à comida, o acesso à moradia, o acesso à roupa se deu porque foi dado a todos o direito de exercer seu poder de comprar e produzir. Com isso, a sociedade conseguiu produzir cada vez mais produtos e a um preço menor. Isso levou a um acúmulo sem precedentes de capital por trabalhador, tornando-os cada vez mais produtivo. À medida que a relação capita/trabalho é maior, o valor do trabalho e a riqueza da sociedade também aumenta.
Se o capitalismo foi o modo de produção mais bem-sucedido de criação de riquezas, por que tantos criticam tal sistema e almejam uma volta aos saudosos tempos onde a maioria da população vivia de maneira miserável? Essa é a pergunta que o ensaio de Ludwig von Mises, “A mentalidade anticapitalista”, busca responder.
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O autor compara as sociedades europeias acostumadas às cortes reais com sociedades de países que se formaram já na economia de mercado. Na Europa, descendentes de nobres, intelectuais, artistas e pessoas eminentes em suas áreas profissionais frequentam os mesmos círculos que a elite empresarial.
Já nos EUA, os empresários convivem entre si, dando pouco ou quase nenhum destaque para os intelectuais que não se tornaram empresários. E isso causa ressentimento no cientista que vê o técnico da equipe esportiva da universidade ganhando mais que ele. Essa é uma das razões pelas quais intelectuais, artistas e jornalistas adotem uma posição anticapitalista. Para o autor, a escolha política é fruto de uma frustação pessoal por não ter o papel social desejado por tais agentes em sociedades emergentes.
O segundo grupo social onde se disseminam ideias anticapitalistas é aquele composto pelos chamados colarinho branco. Mises lembra que Lênin e outros revolucionários nunca trabalharam como empresários, como verdadeiros responsáveis pela produção, mas apenas eventualmente como funcionários de cargos intermediários, burocratas administrativos de outras empresas.
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Nunca lidaram com a incerteza sobre os resultados futuros de uma empresa em relação a seus consumidores, bem como a escolhas entre uma infinidade de modos de produção e de insumos. Tais pessoas ficam insatisfeitas com eventualmente algum operário ganhando mais que eles, dado um avançado conhecimento técnico especializado.
É a revolta dos bacharéis, no Brasil de hoje. Para Lênin, no seu livro “O Estado e a Revolução”, a atividade de gestão empresarial se limita à contabilidade e ao controle, e não envolve lidar com incertezas. Mas “contabilidade e controle”, prossegue ele, já foram “simplificados ao máximo pelo capitalismo, acabando por tornarem-se as operações extraordinariamente simples de vigiar, registrar e emitir recibos, ao alcance de todos os que sabem ler, escrever, e conhecem às quatro operações elementares da aritmética”. ´
É a filosofia do arquivista em sua glória total.
Um terceiro grupo é formado pelo que Mises classifica como “primos”. Um empresário bem-sucedido decide sair dos negócios ou vem a falecer, sendo sucedido pelos herdeiros. A maior parte dos empresários não sabe preparar os próprios filhos para o trabalho, pois não sabem diferenciar a sociedade de status da sociedade do capital.
Aqueles que são bem-sucedidos na formação de sucessores ainda terão que lidar com os herdeiros que não participam da condução da empresa. É frequente a briga familiar entre tais herdeiros. Mas o que interessa a Mises é o impacto negativo desses primos na sociedade.
Na incapacidade de estes fazerem parte da condução dos negócios, e descontentes com a remuneração recebida dos lucros da empresa, em contraposição aos rendimentos dos parentes envolvidos na gestão do negócio, tornam-se mecenas de artistas e de intelectuais anticapitalistas. Não é raro que promovam greves na própria empresa de onde recebem seus dividendos.
Esse fenômeno é particularmente forte no Brasil, através da esquerda caviar, do aluno “elenão” da PUC. É o socialista de Iphone. Projeta seu complexo de édipo para as más escolhas políticas. Este é o sujeito que adota todas as bandeiras globalistas e defende, de forma aguerrida, novas regulações, pois percebe que não terá competência para preservar seu “status” na sociedade com o surgimento de novos empresários. Mas faz tudo isso, supostamente, em nome do social, em nome do Meio-ambiente e da diversidade, sem nunca reconhecer o verdadeiro objetivo, que é a preservação da própria posição na sociedade.
A autora do documentário “Democracia em Vertigem”, Petra Costa é o exemplo mais recente. Neta de empresário, está no ramo da família que ficou fora do negócio. E passa boa parte do documentário criticando seus primos que votaram em políticos de direita.
Isto nos leva ao próximo grupo analisado por Mises: os anticapitalistas do showbiz. É certo que artistas vivem muito bem, muitas vezes em mansões. Mas é característico do espetáculo a volatilidade de retornos. Pessoas procuram o entretenimento quando estão entediadas. E nada é mais entediante que a repetição. Então, o artista precisa se reinventar para permanecer no palco.
Já o produtor de extrato de tomate tem um grau de previsibilidade muito maior. Esta razão leva a tantos artistas a apoiarem movimentos de esquerda radical, ideologias globalistas anticapitalistas e teses contra a economia de mercado.
As ideias anticapitalistas são difundidas por conta de uma má compreensão da realidade. O progresso dos últimos dois séculos só aconteceu por conta do acúmulo de capital empregado no trabalho. E tal acúmulo só se deu por conta de leis e garantidas de propriedade privada.
A erradicação da pobreza se baseia no tripé poupança interna, desenvolvimento de novas tecnologias e usos destas tecnologias no processo produtivo. Os anticapitalistas acham que o progresso é uma força inevitável. Acham que basta o governo investir em educação e em pesquisa que o país inevitavelmente enriquece.
Ao longo das últimas décadas vimos que este conceito é falso. Vários países sem segurança jurídica e sem liberdade econômica, dominados por autocracias, investiram em educação e universidades, sem obter nenhum benefício de tais investimentos.
Cuba tem a educação supostamente universalizada, e uma das rendas per capitas mais baixas do continente americano. Ou seja, de nada serve o conhecimento tecnológico sem poupança, sem propriedade e sem liberdade para empresários praticarem a tentativa e erro.
A livre imprensa só é possível no capitalismo. Se os detentores das fábricas de livros, jornais e concessões de TV forem agentes do estado, não haverá espaço para crítica.
Porém, em países onde a liberdade de imprensa foi levada a sério, criou-se um aparelho cultural de discurso hegemônico anticapitalista, onde ocorre uma autocensura prévia. Tal cenário só veio a mudar com o advento da internet, onde o veículo de divulgação de ideias (blogs, redes sociais) passou a ser realmente privado. Esta mudança foi um verdadeiro salto qualitativo no combate às ideias anticapitalistas que Mises não pôde presenciar.
O livro traz vários exemplos e paralelos com épocas passadas, mas continua extremamente atual em sua essência. Dos tempos de Mises até hoje, os agentes anticapitalistas continuam os mesmos, o senso comum contra a liberdade continua inalterado, mesmo após a queda do império soviético e da divulgação pública de suas mazelas.
Mas o monopólio das ideias foi quebrado, graças às novas tecnologias. Os ditos “especialistas” ficam cada dia mais furiosos ao perceber que perderam o monopólio do discurso e do “gateway” dos fatos. Chamam seus opositores de “nativistas”, “extremistas”, “obscurantistas”. Para a nossa sorte, estes especialistas estão cada vez mais em descrédito, ao serem confrontados com fatos e com opiniões em arenas onde não podem fazer a curadoria das ideias.
*Administrador de empresas pela FEA – USP, Felipe Passero é associado ao IFL-SP. Trabalha como assessor de investimentos vinculado à XP Investimentos. Interessado em temas relacionados à economia, direito, política e finanças.