Não é cedo demais?

Olhando para dados recém-divulgados da economia americana, a impressão é a de que o mercado estaria antecipando demais esses cortes de juros pelo Fed

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Jerome Powell, presidente do Fed (Foto: Samuel Corum/Getty Images)
Jerome Powell, presidente do Fed (Foto: Samuel Corum/Getty Images)

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Enquanto a principal discussão no Brasil tem sido a manutenção da taxa Selic por vários meses consecutivos e o início do ciclo de corte de juros apenas no segundo semestre do ano, a política monetária nos Estados Unidos está precificada pelo mercado com quedas a partir também de agosto, sendo que Fed nem acabou o processo de alta ainda.

Na última reunião realizada no início do mês, o Federal Reserve elevou a taxa de juros em 25 pontos base, fazendo a Fed Funds alcançar um patamar de 5,00-5,25 e, no entanto, o mercado já enxerga o final do ciclo nos próximos encontros e o início de cortes a partir de agosto, que se repete pelas outras duas reuniões restantes em 2023.

A princípio, as quedas teriam intensidade de 25 pontos base, e a taxa de juros encerraria o ano em 4,25-4,50.

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Olhando pela desaceleração da atividade econômica, o sentimento do mercado é razoável. A economia está passando por um estresse no setor bancário, que ora se intensifica, ora se acalma, mas não sai de cena, e já levou à falência de três bancos regionais relevantes; e as chances de recessão nos próximos 12 meses não tem aliviado, mantendo-se na casa dos 60% há um bom tempo.

Por outro lado, olhando para demais dados recém-divulgados da economia americana, a impressão é a de que o mercado estaria antecipando demais esses cortes de juros.

Considerando principalmente o aperto do mercado de trabalho e a resiliência da inflação, fatores muito importantes para o Fed.

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O calcanhar de Aquiles do Fed tem sido, sem dúvidas, o mercado de trabalho. Embora o indicador mais acompanhado, conhecido como payroll, tenha mostrado tendência de diminuição na criação de vagas de trabalho mensalmente, ficando mais próximo das leituras pré-pandemia, a taxa de desemprego está rodando em 3,4%, patamar mais baixo desde meados da década de 1960. Ou seja, o mercado de trabalho ainda está apertado: existe mais de um posto de trabalho a cada trabalhador disponível para trabalhar.

Além disso, outro ponto de atenção é a alta dos salários – nominalmente, ainda crescem por volta de 4,5% ano contra ano, bem acima do patamar médio pré-Covid de 3,0%.

Outro aspecto que traz um incômodo é o núcleo da inflação de serviços e, dentro desse núcleo, o chamado super núcleo (ou “supercore”).

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O núcleo de serviços está com dinâmica mais resiliente (6,8% em 12 meses), devido à inflação do componente de housing. O Fed tem olhado também para o chamado “supercore” – núcleo de serviços excluindo housing (5,1% em 12 meses), uma vez que o comportamento desse super núcleo é bastante relevante, sendo que qualquer inversão de tendência se torna um alerta amarelo.

Em suma, a dinâmica desses núcleos parece ser de arrefecimento, mas em ritmo bem mais lento e gradual.

Um afrouxamento antecipado não parece ser condizente com uma taxa de desemprego tão baixa e uma inflação mais resistente à queda.

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Subestimar esses fatores provavelmente se mostrará um equívoco e o mercado poderá se frustrar por se antecipar tanto em um momento nada óbvio do ciclo monetário.

Este artigo foi em co-autoria do economista Luan Takada.

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Luiz Fernando Figueiredo

Presidente do Conselho de Administração da Jive Investments. Com passagens pelo JP Morgan e BBA, foi diretor do Banco Central. Em 2005 fundou a Mauá Capital, após a cisão da Gávea Investimentos. É economista e fundador do Instituto FEFIG.