Por que o preço do bitcoin caiu?

O preço do bitcoin é aquele assunto que preocupa a todos constantemente, mas do qual ninguém quer falar – especialmente quando a tendência tem sido de baixa

Fernando Ulrich

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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“Bitcoin caindo é igual tempestade e turbulência em voo. Todo mundo calmo e fingindo que é normal, mas no fundo está todo mundo morrendo de medo e se olhando, buscando confirmação visual nos outros.” Assim resumiu Daniel Niero – especialista em segurança de informação e entusiasta de moedas digitais – a recente queda da cotação do bitcoin. Creio que essa tirada captura bem o sentimento dos usuários e investidores da moeda.

O preço do bitcoin é aquele assunto que preocupa a todos constantemente, mas do qual ninguém quer falar – especialmente quando a tendência tem sido de baixa. Uns fingem não se importar; outros menosprezam sua relevância. No outro extremo, há aqueles que associam a queda do preço ao fim da própria moeda, o que creio ser um tanto precipitado. Acho que a verdade está no meio do caminho.

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Tendo escrito um post com o título de “Por que investir no bitcoin”, é um dever da minha parte comentar detalhadamente o momento atual do mercado dessa nova classe de ativos. Hoje, neste post, não vou me esquivar da tarefa: vamos analisar a recente tendência da cotação da criptomoeda.

A tendência e alguns dados de mercado

Há um ano, o preço de um bitcoin era negociado por volta de US$ 125 na exchange Bitstamp. Menos de dois meses depois, o preço tocava os US$ 1.000, uma alta de quase dez vezes, puxada principalmente pelos fortes volumes nas bolsas da China.

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A entrada das exchanges chinesas impactou definitivamente o mercado de bitcoins. A BTC China, que em setembro de 2013 negociava cerca de 10 mil BTC diariamente, passou a um volume diário de mais de 100 mil BTC um mês e meio depois – isso dá uma ideia do crescimento súbito e acentuado do mercado chinês.

E desde então, o mercado asiático tem sido determinante na tendência da cotação do bitcoin. As três grandes exchanges chinesas – BTC China, Huobi e OKCoin – são responsáveis pela maior parte do volume mundial de negociações com bitcoins, detêm ao redor de 70% do mercado. E não há perspectiva de reversão dessa realidade no curto prazo.

Fonte: Bitcoinity.org e autor

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O problema são as incertezas e a desinformação advinda do outro lado do mundo. No fim do ano passado, os rumores sobre a proibição ou não do bitcoin na China trouxeram enorme volatilidade. Atualmente, esses boatos subsistiram, mas não há uma perfeita clareza sobre o status da criptomoeda no país asiático.

Voltando ao preço do bitcoin, depois de ser negociado ao redor de US$ 900, ressurgiram no mercado as frequente complicações com a então maior exchange do mundo, a MtGox. Não tardou muito para a dura realidade vir à tona: em fevereiro todas as retiradas foram suspensas, e poucos dias depois quebrava a mais antiga exchange de bitcoins do mercado. E com o colapso da MtGox, veio o início da tendência de baixa do bitcoin.

Setembro fechou com uma cotação ao redor de US$ 380, mas, nos últimos dias, o bitcoin testou novas resistências, chegando próximo de US$ 270, sendo negociado atualmente em um patamar próximo aos US$ 330. Comparado ao preço de exatamente um ano atrás, isso representa uma alta de 180%. Mas em relação às altas históricas de dezembro de 2013, a cotação despencou mais de 60%, ou 31% menor do que o preço de um mês atrás.

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O que está acontecendo? O que explicaria essa tendência de queda?

A pressão da ponta vendedora

Nas últimas semanas e meses, surgiram diversas explicações para justificar a queda do bitcoin. O óbvio, todos sabemos: há mais vendedores do que compradores, e isso puxa o preço para baixo. Mas qual a razão fundamental?

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Uma das causas aventadas seria a pressão exercida pelos próprios mineradores vendendo seus bitcoins recém-minerados para fazer frente aos custos operacionais em moeda corrente. Embora isso possa contribuir de fato, questiono o grau de impacto na cotação final. Primeiro, porque a quantidade de emissão de novos bitcoins é de aproximadamente 3.600 BTC por dia, e, em um mercado que gira ao redor de 100 mil BTC diariamente, essa nova oferta é pouco relevante no todo.

Segundo, porque vai contra o próprio interesse dos mineradores descarregar no mercado e desvalorizar a mercadoria que eles mesmo produzem.

Outra possível causa se refere à pressão vendedora pelos novos comerciantes aceitando pagamentos em bitcoin – como eles recebem por meio dos processadores de pagamento como o BitPay, no momento em que há uma compra feita com esses comerciantes, os bitcoins são automaticamente colocados à venda.

Não questiono a lógica do argumento, mas me parece que os volumes de transações oriundos dos processadores de pagamentos (BitPay, Coinbase, etc.) não são suficientes a ponto de serem determinantes para a trajetória do preço da moeda.

Analisemos os dados. Em maio deste ano, a BitPay informava processar cerca de US$ 1 milhão diariamente. Se assumirmos que esse montante hoje é o dobro e que, somado aos outros processadores de pagamentos, o volume total diário seja de US$ 5 milhões, isso significa entre 10 a 15 mil bitcoins a serem liquidados por dia (usando um range de preço de 300 a 500 USD). Considerando o giro médio diário de 150 mil BTC na totalidade das exchanges, creio que essa pressão vendedora dos processadores de pagamento consiga ser absorvida sem maiores problemas. Mas não podemos negar que há, de fato, uma pressão na ponta vendedora por causa desses intermediários.

Alguns comentaristas levantaram a possibilidade de as “chamadas de margem” (margin calls) serem responsáveis pela queda abrupta (flash crash) de agosto e, consequentemente, pela tendência baixista. Mas a verdade é que a tendência já vinha se materializando antes mesmo desse suposto problema.

O mercado de derivativos de bitcoin está se desenvolvendo e amadurecendo aos poucos e será fundamental para a sofisticação do mercado como um todo. Quando estiver maduro, contribuirá inclusive para a redução da volatilidade, oferecendo formas avançadas de se hedgear exposições à criptomoeda.

Porém, há uma fonte de pressão, do lado da oferta, que poucos comentaristas têm destacado. A emissão de bitcoins ainda é relativamente alta e permanecerá assim até a próxima redução da recompensa por bloco, atualmente em 25 bitcoins. A quantidade de BTC em circulação tem crescido acima de 10% ao ano e assim continuará por pelo menos mais um ano e meio. Não é um aumento desprezível. Sob uma perspectiva macro, essa nova oferta precisa ser contrabalançada por uma maior demanda, a qual tem se mostrado insuficiente para sustentar uma cotação mais elevada.

Talvez a explicação mais simples seja a mais plausível de todas: a queda do preço do bitcoin nada mais é do que o reflexo de uma bolha que está lentamente desinflando. A ascensão meteórica da cotação da criptomoeda no ano passado, em retrospecto, pode ser vista como uma bolha, sim – possibilidade aventada no capítulo IV do meu livro.

Detentores de saldos relevantes de bitcoins, muitos dos usuários iniciais e dos mineradores pioneiros podem estar finalmente aproveitando o momento para realizar parte do ganho acumulado nos últimos anos. Usuários antigos que mineraram a um custo baixíssimo têm estoques relevantes a realizar. E, em um cenário de queda vertiginosa, a manada age em sintonia, acentuando ainda mais a depreciação da moeda.

Mas isso tudo altera de alguma forma os fundamentos da criptomoeda? Definitivamente, não.

Fundamentos X timing

A expectativa de que o bitcoin se valorize no futuro se baseia em uma análise simples de oferta e demanda – conforme tratei neste post. Do lado da oferta, não há dúvidas. Já é de domínio geral a emissão de bitcoins ao longo do tempo; está predeterminada.

O grande desafio está em adivinhar o comportamento da demanda futura. Por todas as razões mencionadas no post já linkado, prevejo que a demanda só tende a subir. Mas é preciso separar essa afirmação em duas análises: a dos fundamentos e a do timing.

Com relação aos fundamentos intrínsecos à moeda (a tecnologia em si), não há nada que nos faça repensar o potencial do bitcoin. Ele segue apresentando todas as vantagens repetidas inúmeras vezes neste blog.

E do ponto de vista dos fundamentos externos à moeda, as notícias têm sido relativamente boas. Há mais comerciantes de peso aceitando o bitcoin; o número de usuários tem crescido; com a exceção da Bolívia, do Quirguistão e potencialmente da Rússia, o ambiente regulatório não apresenta um quadro de preocupação séria nas principais economias no planeta; bancos centrais antigos e importantes têm dedicado esforços genuínos para entender a tecnologia e as implicações da criptomoeda; bancos e entidades interbancárias internacionais, como a SWIFT, estão estudando a utilidade dessa nova forma de dinheiro; a própria mídia já reconhece alguns méritos dessa invenção; e cada vez mais personalidades e formadores de opinião estão endossando a inovação fascinante e revolucionária que o bitcoin representa.

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Hoje a percepção do mercado financeiro sobre o bitcoin é completamente diferente da de um ano atrás. Hoje o bitcoin já tem pelo menos o respeito do mercado. Hoje só os desinformados o rejeitam como mero dinheirinho virtual e insignificante.

Os investimentos na indústria tampouco têm arrefecido. Pelo contrário, estão batendo recordes neste ano, e com perspectivas extremamente positivas para os próximos meses. Nesta semana, a empresa Blockchain.info levantou US$ 30,5 milhões com investidores, a segunda maior marca para uma rodada de investimento – a liderança permanece com a Xapo, cujo último levantamento de capital trouxe US$ 40 milhões ao caixa da empresa.

Assim, sob a ótica fundamentalista, não há razão para reconsiderar o potencial e as utilidades da criptomoeda.

Mas em investimentos, fundamento é apenas parte do problema. É preciso estar certo na hora certa – o que nos traz à questão do timing. Por mais que nosso “case” para a adoção do bitcoin faça sentido, pode ser que ele não se materialize no timing esperado. Pode ser que leve mais tempo para que uma adoção mais ampla e estável se torne realidade.

Por ser um ativo inédito, envolvendo uma tecnologia inovadora e de ruptura, talvez o bitcoin precise de mais tempo de utilização, de experiência acumulada, de testes de estresse, para que um uso mais massificado ocorra.

A despeito de sua oferta estável e inelástica, enquanto a demanda for instável, a cotação da moeda tenderá a ser volátil. Neste momento, o preço do bitcoin tem – por razões opostas – um comportamento similar ao das commodities agrícolas; estas apresentam uma oferta bastante instável, porém uma demanda mais ou menos estável.

Onde o preço vai parar

Será que o bitcoin perderá ainda mais valor? Até que ponto irá essa queda? Qual o piso da moeda? Ao que tudo indica, creio que o mercado tenha encontrado um piso firme ao redor de US$ 300. Digo isso porque há muito não testemunhávamos volumes tão elevados de negociação nas exchanges, e por vários dias consecutivos. Em dado momento, o volume registrado nas 24 horas anteriores chegava perto de 800 mil BTC.

Fonte: Bitcoinity.org e autor

Para ser preciso, desde fevereiro deste ano os volumes diários não ultrapassavam 500 mil BTC. Desta vez, quando o preço chegou perto de US$ 270, os investidores entraram no mercado comprando pesado. Vejam no gráfico abaixo a soma das ordens de compra justaposta à soma das ordens de venda no Bitstamp. Ao final de julho, era nítido o pessimismo dos investidores: a pressão vendedora avolumava-se perante os compradores. Essa tendência só foi revertida no começo desta semana, quando o mercado parece ter achado um novo patamar de estabilidade no preço do bitcoin.

Fonte: Bitcoinity.org e autor

Infelizmente não há nenhuma garantia de que o câmbio não possa se desvalorizar mais nos próximos meses. Pelos motivos expostos acima, acho pouco provável. Mas não podemos rechaçar essa possibilidade por completo.

Contudo, é essencial, também, contextualizarmos a recente queda da moeda digital. O mercado mundial está em um momento bastante atípico. Grande parte das commodities perdeu muito valor nos últimos meses – a despeito de toda a injeção de liquidez do Fed e demais bancos centrais. O milenar ativo de proteção, o ouro, está flertando com os US$ 1.100, menor nível dos últimos cinco anos.

Os títulos soberanos seguem em patamares elevadíssimos, e os índices de ações também. Os alertas de bolha estão por toda parte. E nesse cenário todo, o que tem acontecido? The mighty dollar is reigning supreme. A moeda americana tem se apreciado não somente frente ao real brasileiro, mas também em relação às principais moedas do planeta. De julho para cá, o dólar index saiu de 80 para quase 88 – uma valorização de praticamente 10% nesse curto espaço de tempo não é nada desprezível. Não podemos ignorar essa realocação de capital global. Isso certamente tem reflexos no mercado das moedas digitais.

Devemos, porém, enxergar além da volatilidade de curto prazo e considerar que o bitcoin representa uma mudança profunda de paradigma. Ele representa o início de uma tendência secular: a ascensão das moedas digitais. Um ativo inédito, apolítico, que não é passivo de ninguém, com o qual o mundo está recém se familiarizando e descobrindo suas vantagens e utilidades.

Quando comecei a estudar esse novo fenômeno – em março do ano passado –, o valor da moeda já havia se multiplicado n vezes e colapsado outras tantas. Mas não foi o preço em si, ou a valorização do bitcoin, o que me intrigou. Na verdade, foi a realização de que estava diante de uma descoberta paradigmática, revolucionária, cujos desdobramentos não seriam sentidos nos meses seguintes, mas sim nas décadas seguintes.

Sigo confiante no potencial do bitcoin, mas ainda é um investimento arriscado. Invisto no longo prazo. Acredito que em cinco ou dez anos essa volatilidade e essa queda serão irrelevantes, um leve soluço.

Resumo da ópera: pode ser um excelente momento de compra. Mas aprecie com moderação.

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Fernando Ulrich

Fernando Ulrich é Analista-chefe da XDEX, mestre em Economia pela URJC de Madri, com passagem por multinacionais, como o grupo ThyssenKrupp, e instituições financeiras, como o Banco Indusval & Partners. É autor do livro “Bitcoin – a Moeda na Era Digital” e Conselheiro do Instituto Mises Brasil