Os truques de ilusão na arte de vender carros no Brasil

O mercado automotivo mostra desaceleração. Agosto foi o primeiro mês onde registramos queda nas vendas. E a tendência é que ele encontre dificuldades até o final do ano - indício  de que a bolha automotiva está saturando. Mas existem marcas (como a Hyundai) que sabem aproveitar o momento

Raphael Galante

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Caro leitor; digníssima leitora: o mês de agosto encerrou com 230,7 mil carros vendidos. Registramos – com isso – a primeira retração nas vendas deste ano, sobre o ano passado. O setor amargou queda de 3,6% sobre agosto de 2018, quando tivemos quase 240 mil carros vendidos.

Não vou entrar aqui naquele “chove-não-molha” das marcas que estão crescendo ou aquelas que estão indo ladeira abaixo cada vez mais rápido…

Vou dar continuidade sobre o conceito da “bolha automotiva” que estamos vivenciando, o qual tratamos semana passada (aqui).

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O foco central é que as montadoras – em geral – se debruçaram nas fábulas de Esopo e estão levando isso muito a sério! No caso em questão, o conto “A galinha dos ovos de ouro” virou um mantra.

Vou exemplificar com um demonstrativo do mês passado – mais que fresquíssimo – sobre como como a venda (ou faturamento) direta virou um cancro, e como a quase ausência dela só traz bons resultados.

Abordaremos a venda de SUVs – que são o desejo de dois em cada três consumidores no Brasil hoje em dia.

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Selecionamos seis marcas com seus modelos de grande representatividade: Renault Duster e Captur; Ford Ecosport; Honda HR-V; Hyundai Creta e Jeep Renegade.

Esses veículos somados venderam no mês de julho 21.941 unidades. E, no mês passado, tivemos a comercialização de 22.107 carros. Um aumento de 0,76% – se consideramos que o mercado retraiu 3,6%, o resultado até que foi muito bom.

Mas o ponto central é que esses modelos oscilaram muito, conforme a tabela abaixo:

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MODELO AGOSTO JULHO V%
CAPTUR 1.995 2.679 -25,53%
CRETA 6.656 5.307 25,42%
DUSTER 1.263 1.777 -28,93%
ECOSPORT 3.044 2.531 20,27%
HR-V 4.098 3.857 6,25%
RENEGADE 5.051 5.790 -12,76%
TOTAL 22.107 21.941 0,76%

Vamos começar explicando o “bom”, para depois falar do ruim.

O nosso “troféu joinha” do mês de agosto foi para o pessoal da Hyundai. Eles conseguiram cravar um crescimento de mais de 25% sobre o mês anterior!

Mas como os coreanos conseguiram essa façanha? Qual foi a mágica que eles aprontaram?

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Depois deles muito pensarem:

Chegaram à grande conclusão: vender o carro certo, ao preço (de mercado) certo!

Eu sei que pode parecer uma coisa um tanto quanto “lógica”, mas lembremos que o pessoal é fã das fábulas de Esopo.

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O Creta ganhou uma versão automática mais acessível no final de 2018, e fechou o mês de agosto como o SUV (da sua categoria) mais vendido.

Não é a primeira vez que isso acontece: desde o lançamento do HB20, há quase sete anos, a Hyundai vêm sempre mexendo no status quo do mercado, gerando uma bagunça terrível para as até então quatro “grandes” (Volkswagen, Chevrolet, Ford e Fiat).

Com carros atraentes para o público brasileiro, forte campanha de marketing e pós-venda bem avaliado, eles são aquelas crianças que descem para o play e não sabem brincar.

Já do ponto negativo, vamos tratar das marcas que tiveram um mau resultado em agosto.

O digníssimo leitor, que tem a vibe de ser o “xerox holmes”, deve estar pensando: “…eles tiveram queda nas vendas por causa da dinâmica do mercado…”, uma vez que o pessoal da Hyundai pegou pesado com eles.

Em partes, isso é meia-verdade.

E qual é a outra metade?

As vendas diretas.

Para você entender o conceito, o melhor é você ler o post da semana passada (aqui) para não se perder.

Levantamos qual foi o percentual de venda direta que esses modelos tiveram no mês de agosto, e o resultado foi esse aqui:

MODELO PART. VD AGOSTO
CAPTUR 47,59%
CRETA 25,92%
DUSTER 47,09%
ECOSPORT 37,26%
HR-V 8,03%
RENEGADE 71,39%
TOTAL 39,55%

Dos modelos que tiveram forte retração nas vendas (Captur; Duster e Renegade), as vendas diretas estão na casa de 55% em média.

A Jeep vendeu 72% dos seus Renegade através desta modalidade, seja ele para: locadoras; pequenas e médias empresas; Produtor Rural; Taxista ou PCD.

Foram 72% – ficamos boquiabertos!!!

Qual é a sacada? Quando alguma locadora (por exemplo) decide não querer comprar carro, ela derruba o mercado. Veja o resultado dos produtos da Renault neste mês que passou: queda de 27% nos emplacamentos de seus SUVs.

Quando falamos que o mercado automotivo está entrando numa “bolha de esperteza”, era por conta de exemplos como esse.

No caso Jeep, onde quase 3/4 dos Renegade vendidos foram através da venda (ou faturamento) direta, alguma coisa na sua sistemática está muito errada. Fazendo uma analogia, o pessoal da Jeep está igual usuário de drogas: passou do “uso recreativo” para a “dependência química total”.

E, para variar, os japoneses da Honda são outros que também não sabem brincar: apenas 8% dos seus carros foram vendidos através desta sistemática.

Isso é um dos motivos para os veículos da Honda e Toyota serem considerados sempre o filé-mignon do mercado – e para a saúde dessas marcas em solo brasileiro ser bem melhor que a da concorrência.

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=)

ERRATA: Atualização às 15h02 do dia 04/09/2019. O estagiário falhou miseravelmente na hora de colocar a participação da venda direta dos respectivos modelos (segunda tabela). Havíamos apontado que a participação da venda direta do Renegade era de hediondos 96%. Estávamos errados! É de “apenas” 71,39%, o que é apenas “menos hediondo”. Com isso, esperamos que o nome do estagiário não vá parar na boca do sapo…

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Raphael Galante

Economista, atua no setor automotivo há mais de 20 anos e é sócio da Oikonomia Consultoria Automotiva