Argentina sofre com baixa credibilidade do governo para lidar com crise de saúde e situação econômica, diz consultora

Em entrevista, a economista Mariel Fornoni observa uma quebra de expectativas com o governo Alberto Fernández e um aumento na desconfiança da população em relação aos principais temas da agenda pública argentina

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Bandeira da Argentina (Shutterstock)
Bandeira da Argentina (Shutterstock)

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Há uma ampla desconfiança entre os argentinos sobre a capacidade de o governo Alberto Fernández em lidar com os efeitos provocados pela pandemia do novo coronavírus, conduzir um plano de vacinação justo e equitativo da população e oferecer uma resposta positiva à complexa situação econômica, agravada pela crise sanitária.

A leitura é da economista Mariel Fornoni, sócia e diretora da consultoria Management & Fit. Na avaliação da especialista, cresceu o pessimismo na opinião pública sobre a evolução da economia e as consequências da crise sanitária.

“O aumento da pobreza, da desigualdade social e, paralelamente, o agravamento da pandemia apesar das restrições, fazem as pessoas questionarem a capacidade do governo de resolver os principais problemas argentinos, principalmente os econômicos”, diz.

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Para Fornoni, a recente queda nos índices de aprovação de Fernández reflete uma “quebra de expectativas” provocada pela atual administração e por uma “desconexão entre as necessidades da sociedade e a agenda política”. A forte polarização política observada no país, diz, só tende a agravar os enormes desafios de governança.

“A Argentina continua marcada por uma cisão política. Frente a cada problema e preocupação das pessoas, as visões de ambos os lados são antagônicas: corrupção, gestão da crise de saúde, frequência escolar e quase qualquer tópico que esteja aberto ao debate”, observa.

“A divisão e a perda de consenso sobre questões-chave são, em nossa opinião, os principais desafios da política argentina no momento. É preciso renovar laços e fazer acordos entre as diferentes forças políticas para garantir não só o crescimento econômico, mas também o crescimento social e cultural”, aponta.

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Leia os destaques da entrevista a seguir:

XP: Qual sua opinião sobre o atual cenário político, econômico e social na Argentina?

MF: A Argentina sofre da baixa credibilidade do governo para lidar com a crise de saúde e com a situação econômica delicada. Um em cada quatro argentinos não acredita que as restrições possam conter a pandemia. E a maioria das pessoas pensa que a principal consequência será o aumento da pobreza e da desigualdade social. Fica cada vez mais difícil garantir que as pessoas cumpram as medidas restritivas, porque não acreditam no governo.

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Em relação às medidas implementadas em maio, apenas 24,3% consideram que os efeitos foram positivos no controle de contágio. Quanto à capacidade do governo nacional para implementar um plano de vacinação justo e equitativo, 58,4% não acreditam que será possível alcançá-lo, tendo em mente fatos como a vacinação VIP [escândalo de vacinação envolvendo funcionários do governo] ou a dificuldade de atender às expectativas em torno da compra dos imunizantes. Neste contexto, a desaprovação das ações do governo nacional aumentou mais 10 pontos em relação ao mês passado, chegando a quase 60%.

XP: Segundo estudo recente, 73% acreditam que a situação econômica atual é pior do que a do ano passado, enquanto 62,9% acreditam que a situação será pior nos próximos meses. Levando esses dados em consideração, qual sua expectativa para os próximos meses no país?

MF: O aumento da pobreza, da desigualdade social e, paralelamente, o agravamento da pandemia apesar das restrições, fazem as pessoas questionarem a capacidade do governo de resolver os principais problemas argentinos, principalmente os econômicos (44,8%). Desta forma, a opinião pública reafirma cada vez mais uma visão pessimista sobre a evolução da economia e uma preocupação com as consequências econômicas da crise de saúde do coronavírus (56,7% vs. 32,3%), tendência que vem aumentando desde janeiro de 2020. Inflação e aumento constante de preços continuam sendo os principais problemas do país, depois da corrupção, e 7 em cada 10 pessoas estimam que continuarão aumentando pelos próximos meses, além de medidas como controle de preços ou restrições às exportações.

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XP: Como você imagina que o cenário de um eventual adiamento das eleições será resolvido? Como esse adiamento poderia impactar a aprovação do governo?

MF: Na oposição, há líderes que estão em cargos e outros não, às vezes é difícil diferenciar a avaliação entre um e outro. Dentre os líderes que estão na gestão, Rodríguez Larreta é o que mais capitaliza, sendo o político com melhor imagem, 46,9%. Agora, eleitoralmente, percebe-se que o descontentamento também capitaliza, generalizado pela situação econômica e de saúde. Também é verdade que é uma escolha de médio prazo que ratifica ou não o rumo que o governo está tomando. Ou seja, o que a oposição faz não é tão importante quanto o que o partido no poder faz: as pessoas validam ou não a direção que o governo tem tomado até agora. E é aqui que fica complicado para o governo Fernández, porque tem um índice de aprovação muito baixo.

Um cenário de curto prazo com as primárias pode ser arriscado se os protocolos não forem implementados para o momento da eleição (imagens de episódios como o velório de Maradona não seriam muito encorajadoras para parte dos argentinos). Mas um adiamento poderia dar uma vantagem de tempo considerável se uma taxa eficiente de vacinação fosse atingida, permitindo garantir mais segurança sanitária, o que poderia gerar mais apoio ao governo nas urnas. Atualmente, cerca de 8 em cada 10 pessoas estão dispostas a serem vacinadas (em comparação com 50% em janeiro), isso dá o tom que a vacinação deve ser a prioridade do governo nacional.

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XP: Você acredita que o governo terá tempo de reconstruir a imagem do presidente e de seu gabinete durante o restante do mandato? Que papel você atribui à coesão interna da aliança do governo e ao relacionamento com o Congresso?

MF: A quebra de expectativas que o governo Alberto Fernández despertou em seu início se reflete no fato de que o nível de desconfiança, em relação ao governo nacional, sobre os principais temas da agenda pública (crise sanitária, crise econômica e plano de vacinação), atinge cerca de 60%. A queda na aprovação da gestão está correlacionada com o início e o agravamento da pandemia. Hoje, Alberto Fernández chegou ao mínimo histórico em aprovação, 33,6%, tem imagem negativa de quase 50% e é visto com pouco poder político dentro de seu governo (28,3%, o menor desde março de 2021, em relação a Cristina Fernández, 55,4%).

Percebe-se uma desconexão entre as necessidades da sociedade e a agenda política, que favorece a leitura da situação pelos governantes, mais em termos político-eleitorais do que em necessidades reais. Por exemplo, as reformas da justiça ou do Ministério Público (questões associadas a Cristina Fernández), são consideradas como prioridade do atual governo, mas não são compartilhadas por uma parte importante da opinião pública, que entende que a prioridade deve ser a vacinação, bem como como reduzir a pobreza e criar empregos.

XP: Para encerrar, quais variáveis você considera como fundamentais no desenvolvimento do cenário político para os próximos meses?

MF: Em termos gerais, a Argentina continua marcada por uma cisão política. Frente a cada problema e preocupação das pessoas, as visões de ambos os lados são antagônicas: corrupção, gestão da crise de saúde, frequência escolar e quase qualquer tópico que esteja aberto ao debate.

Isso implica grandes dificuldades para a governança do país, não apenas para este governo, mas para o anterior e para os próximos. A divisão e a perda de consenso sobre questões-chave são, em nossa opinião, os principais desafios da política argentina no momento. É preciso renovar laços e fazer acordos entre as diferentes forças políticas para garantir não só o crescimento econômico, mas também o crescimento social e cultural.