Maia vê Guedes “generoso” com populismo de Bolsonaro e critica qualidade da agenda aprovada pela Câmara

Quatro meses longe da presidência da Câmara, Maia diz que Guedes aceita opções populistas de Bolsonaro para se manter no Ministério da Economia

XP Política

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(Marcelo Camargo/Ag. Brasil)
(Marcelo Camargo/Ag. Brasil)

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Longe da presidência da Câmara dos Deputados há quatro meses depois de ter passado quatro anos e meio em uma das cadeiras mais poderosas da República, Rodrigo Maia avalia que, para se manter no cargo, o ministro Paulo Guedes (Economia) – com quem travou diversas disputas nesse período – tem sido “generoso” com opções populistas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Acho que o Paulo quer continuar ministro e está aceitando essa agenda populista que visa só o período eleitoral por parte do governo”, afirmou em entrevista ao podcast Frequência Política, do time de análise da XP. Ouça a íntegra do episódio pelo player acima.

Como exemplo dessa agenda, Maia aponta que a qualidade da MP da Eletrobras, aprovada na semana passada pela Câmara, foi pior do que gostaria e que o acordo envolvendo o Orçamento de 2021 foi uma “vergonha” e trouxe retrocessos.

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Ainda sem uma definição sobre sua filiação ao PSD, Maia vê espaço – mas dificuldades – para as legendas construírem uma unificação em torno de uma terceira via para 2022. Cita o nome de Ciro Gomes como alguém que gostaria de apoiar, mas admite que o pedetista perdeu musculatura com a volta de Lula ao cenário eleitoral.

Sobre a possível polarização no próximo ano, avalia: “Lula é melhor que Bolsonaro, mas os dois irão olhar para o retrovisor”.

Veja os destaques da entrevista:

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O que mudou no cenário político desde que o sr. deixou a presidência da Câmara?

Você teve uma organização maior da base do governo, minha posição acabava dividindo um pouco aqueles partidos que tinham uma agenda convergente na economia, mas, do ponto de vista político, uma separação entre quem estava com e quem estava contra Bolsonaro.

Hoje, é um bloco só de base do governo, incluindo PSDB, DEM, e outros partidos, embora fora do parlamento os presidentes desses partidos tratem de outra forma. Mas há uma coesão muito forte do “centrão” dentro da Câmara dos Deputados.

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Essa coesão da base do governo vai ser suficiente para aprovar pautas complexas, como as reformas tributária e administrativa?

Coesão não significa melhoria da qualidade dos projetos. O Orçamento e a MP da Eletrobras foram de pior qualidade do que a gente gostaria. Foi um Orçamento fake e agora está uma confusão para tentar reorganizar. A MP já foi ruim para o parlamento com a inclusão de uma usina que beneficiou diretamente os acionistas minoritários, e esse não é o papel do governo brasileiro. E a inclusão das termoelétricas prejudicando frontalmente o contribuinte do sistema de energia, que vai ter que financiar isso, aumentando ainda mais a conta de luz no Brasil. Dar coesão é bom, mas às vezes reduz o debate.

Então seria melhor não ter aprovado a MP da Eletrobras do modo que ela passou?

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Da forma que passou, não. Porque uma coisa boa não justifica um problema. Uma privatização que não melhora o preço da tarifa não pode ser aprovada. A gente vai tapar os olhos para a inclusão de um tema que esteve na lei do gás ano passado [térmicas a gás], que a Câmara rejeitou. Não é justo que o contribuinte pague os investimentos dessa matéria. Não estou dizendo que a matéria não deveria ser aprovada, acho que a modelagem é ruim, atende aos interesses do mercado financeiro, não aos do contribuinte nem aos do setor de energia.

Mesmo assim, nós tentamos votar o texto do governo, que era razoável e fomos derrotados. Agora, eu não consigo votar uma matéria que tem uma coisa boa e uma maçã podre dentro, uma coisa vai contaminar a outra, e mais uma vez quem paga a conta é o cidadão.

Claro que a administração [privada] da Eletrobras tem vantagens enormes para o contribuinte – o custo menor da empresa, maior eficiência da empresa –, então valeria à pena por isso, mesmo achando que a modelagem olhou o interesse do investidor da empresa e não olhou o interesse do contribuinte.

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Outro projeto que mudou de cara foi a reforma tributária. A discussão “faseada” cria facilidades para a aprovação ou atrai resistências?

Ela não é faseada. Seria faseada se você tivesse um cronograma de votações para chegar ao IVA nacional, não é isso que o governo quer. O governo não quer votar a PEC 45 e para isso resolve votar uma parte da reforma. Ele construiu o pior dos mundos, com a separação do IVA, colocando PIS Cofins em uma votação e querendo criar um IVA dual, com o Senado votando ICMS e ISS. Você desagradou a todos, à Federação e aos empresários. Em nenhum país sério do mundo esse é um tema relevante em uma decisão de investimento, mas no Brasil o sistema tributário acaba gerando distorções e acaba fazendo com que empresas desistam de investir no país.

É uma pena que o Paulo Guedes, por vaidade pessoal, não aceite uma PEC que foi escrita pela mesma pessoa que escreveu a CBS, que estava muito bem estruturada.

No final, o que vai andar é o Refis, que é polêmico, gera sempre uma flexibilidade na decisão de não pagar impostos. O que vai sobrar é o que há de mais polêmico e atrasado para as soluções tributarias no brasil.

A única matéria que tem condição de andar é o Refis? Mesmo a CBS não anda este ano?

A CBS tem mais obstáculos que a PEC 45. Com a CBS do jeito que o governo já está aceitando, no final vai ser cada setor fazendo lobby e trabalhando para estar na alíquota menor. E, quando você beneficia um setor, quem paga a conta é o contribuinte. É o que acontece hoje. Com tantos subsídios tributários, no final a carga é mais alta para o cidadão comum porque alguns têm privilégios.

E sobre a reforma administrativa, vai prevalecer a mesma lógica da reforma tributária ou há um caminho maior?

O presidente da República precisa colocar a cara e começar a defender, parar de falar que é contra a reforma. E os bolsonaristas fizeram lobby na CCJ, dizendo que tinha problema na questão da polícia. Acho muito difícil a reforma administrativa andar em um período eleitoral.

A matéria é importante, a melhoria da qualidade do gasto público é fundamental, mas sabemos que a maioria dos parlamentares votam pela proximidade com o governo e, do ponto de vista político, muitos têm dúvida sobre a reforma. Apesar de ser tímida, vai gerar muita polêmica pela frente, ainda mais com o presidente dizendo que é contra.

Para onde caminha a discussão do auxílio emergencial e do Bolsa Família?

Tem que tomar muito cuidado. A PEC emergencial era para cortar despesas de foco equivocado e construir um programa de qualidade, mas não tratou disso.

Tenho medo de que a projeção do mercado, mostrando esse descasamento da inflação entre o meio e o final do ano, abrindo um espaço no teto de gastos para o ano que vem, acabe gerando, pela pressão eleitoral, a formatação de um programa com gastos permanentes. E que depois não consigam mais cortar pelos próximos ano, que mais uma vez engessem o orçamento público.

O governo, para esse ano, vai justificar a prorrogação com essa terceira onda da pandemia. E ano que vem vai correr o risco de ampliar despesas sem o foco correto, olhando para interesses eleitorais do governo e do Parlamento.

O ministro Paulo Guedes não vê esses riscos ou não é ouvido pelo presidente?

Acho que ele é parte disso tudo. Até agora, há silêncio completo na MP da Eletrobras. A questão da inclusão das térmicas a gás, que ele foi radicalmente contra, agora ele está calado. A questão do Orçamento, o que foi acordado é uma vergonha. Como um ministro da Economia aceita adiar o pagamento do abono salarial, no momento de pandemia e crise econômica? Aprovar um Orçamento que precisa ser corrigido. A confusão está dada.

Acho que o Paulo quer continuar ministro e está sendo generoso com as posições do presidente. Ele está com uma tese, que eu acho equivocada, de que ‘imagina se eu não tivesse aqui o que já teria acontecido’. Ele quer continuar ministro e está aceitando essa agenda populista que visa só o processo eleitoral por parte do governo.

Qual o impacto da pandemia na popularidade do presidente daqui até as eleições?

A minha impressão é que o atraso na vacinação tem impacto no crescimento econômico. O que vai acontecer é um aumento ainda maior da desigualdade no Brasil. As grandes empresas vão crescendo, mas as pequenas empresas, serviços, comércio e informalidade estão sofrendo muito, a pobreza está aumentando muito. Então acho que vai haver um descasamento muito grande, e a política vai pagar esse preço. O Bolsonaro já começa a pagar esse preço, com essa queda nas pesquisas.

O presidente Arthur Lira disse que não via uma alternativa de centro para 2022. O que o sr. acha?

As pesquisas vão mostrando uma consolidação do presidente Lula, exatamente porque as economias das pequenas empresas e da informalidade estão perdendo muito. E tem um movimento daqueles que aderiram ao Bolsonaro depois da facada que vão tentar achar outra candidatura, porque votaram nele por rejeição ao outro lado. Então tem um espaço para construir um nome.

O que não vejo é capacidade dos pré-candidatos e dos partidos para construir nesse momento uma unidade. O que geraria uma possibilidade de uma terceira via na centro-direita é se todos aceitarem uma regra de conivência. Todos dizem que querem união, mas todo mundo quer ser candidato.

E você vê muitos partidos dizendo que não vão apoiar o Bolsonaro, mas estão na base dele, então é muito difícil. Você fala uma coisa para fora, mas dentro do Parlamento não tem uma base de oposição ao governo na centro-direita. Esse é um drama do PSDB, DEM, Cidadania, acho que não há uma estratégia de ocupar um espaço de oposição ao governo.

Então caminhamos para Lula contra Bolsonaro em 2022?

Se a centro-direita e o Ciro não acordarem para um entendimento que gere um fato novo na política, sem dúvida nenhuma. Esse fato novo seria uma união da centro-direita em um partido só, com pré-candidatos e deputados jovens que estão aí, criar um movimento para juntar a renovação com a experiência.

Outro movimento seria juntar com o Ciro e tentar construir uma candidatura que gerasse um mínimo comum em relação à agenda econômica. Mas nenhum dos movimentos parece tão simples no momento. E, como movimento individual, nenhum desses nomes citados têm musculatura para enfrentar essa polarização que já existe entre Lula e Bolsonaro.

O sr. vai apoiar o Ciro?

Já tentei apoiar o Ciro em 2018, acho que hoje ele é uma das alternativas. Mas estou saindo do DEM, indo para outro partido, tenho que respeitar a posição do partido que eu ingressar.

O sr. vai se filiar ao PSD?

Como o PSD é uma construção a partir de um conflito com o Democratas, certamente há problemas. E eu preciso organizar isso para que seja bom para o presidente do partido, para os filiados e para o meu projeto. Eu vou nas próximas semanas escolher um partido, mesmo que não possa me filiar formalmente, um partido que eu possa participar do processo defendendo tudo isso que falei. O PSD tem mais probabilidade.

Pensando no mercado, como vai ser o debate econômico nas eleições de 2022?

Vai ser um debate sobre emprego, com o Lula puxando para onde ele tem mais força, com esse aumento da desigualdade e a informalidade. E o Bolsonaro vai cada vez mais largar a agenda liberal e caminhar para o lado populista, e o Lula vai caminhar um pouco para o centro, mostrando um respeito pelas contas públicas, mas com a legitimidade de quem tem um apoio popular nas classes mais pobres da sociedade.

A tendência então é que o Bolsonaro deixe a agenda liberal de 2018 de lado?

O Paulo Guedes já falou que o Lula só ganhou pelo Bolsa Família, então eles têm uma fixação nessa questão. Lula não ganhou só pelo Bolsa Família, são outras variáveis.

Acho que o Bolsonaro vai voltar para os segmentos que ele representa, produtor rural, a questão das armas, polícias militares, segurança privada, e principalmente o eleitor evangélico, que é onde ele tem mais apoio, mas tende a perder muito espaço.

Sem esse fato político novo, o sr. estaria no palanque ao lado de Lula?

Ainda tenho muita expectativa porque há um espaço na centro-direita. Ainda sou muito otimista. Convivi com Lula e Bolsonaro, e o desastre institucional do governo Bolsonaro é muito grande. Ele gera dúvidas em temas que são condição para investimentos no setor privado, gera muita insegurança à questão democrática.

Então eu acho que o pior para o Brasil seria, depois de tudo de errado que foi feito por Bolsonaro, uma reafirmação com a reeleição. Lula teve momentos muito melhores do que o Bolsonaro, apesar da Dilma, que também foi um desastre, exatamente pela perda de credibilidade que passou a gerar na sociedade brasileira, principalmente com os investidores.

Então na comparação você pode até dizer que o Lula é uma opção melhor do que o Bolsonaro, o que eu concordo, mas acho que os dois vão estar olhando o retrovisor, e a política deve olhar para o futuro, gerar esperança, com a questão do emprego como ponto chave desse processo. Para isso a gente teria que ter maturidade para construir um nome que pudesse organizar esse processo nas eleições de 2022 e aglutinar esses nomes que não votam no Bolsonaro.

Os movimentos do Lula em direção ao centro não mostram que ele estaria disposto a olhar para o futuro?

É claro que hoje ele está olhando para frente. Mas sobre a situação que ele passou, ele vai olhar aquilo como um processo em que foi prejudicado, perseguido. Mas também tem outro olhar. Depois de tudo o que ele passou, ele volta para o jogo da noite para o dia e é o grande favorito. Talvez ele consiga olhar para frente.

O que o Judiciário precisa fazer até 2022? Onde precisa atuar para fazer com que o processo eleitoral seja menos traumático e possa chegar no melhor resultado?

Muita gente reclama do Supremo, mas a maioria de suas demandas saem da política. O governo testa os limites das instituições democráticas, do Congresso e do Supremo, testa os limites do mercado financeiro, e tem vencido. Então eu acho que o Supremo tem cumprido um papel importante, que é limitar os poderes dele dentro daquilo que a Constituição manda.

E tem um ponto que é grave, que é a questão das urnas. O governo quer deslegitimar o processo de urnas eletrônicas. Em parte, eu também não sou contra que se tenha um voto que possa ser recontado, mas a gente não pode gerar insegurança em mais um ambiente, agora do Tribunal Superior Eleitoral. Acho que esse vai ser o principal gancho do presidente para tentar deslegitimar o processo eleitoral se ele não for o favorito para o próximo ano.

Olhando em retrospectiva, o sr. acertou em não ter aberto os processos de impeachment contra o presidente Bolsonaro?

Esse é um processo político. O presidente tinha uma base ano passado que inviabilizava o impeachment, independentemente do mérito. Deferir um processo de impeachment para ele ser derrotado no plenário é tudo o que o presidente queria. E quer agora também, que a oposição vá para a rua fazer manifestações para que os problemas do Brasil sejam colocados em segundo plano. E, do ponto de vista político, era e continua sendo inviável qualquer processo de impeachment contra ele.

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