O que aprendi sobre ideologias ao deixar de ser petista

Romper com um grupo, ou mesmo criticá-lo "por dentro", é uma experiência enriquecedora. O maior aprendizado pode ser resumido da seguinte forma: ideologias dizem muito pouco sobre o que a gente defende na prática

Pedro Menezes

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Este espaço não terá petistas e tucanos como assuntos principais, mas é difícil abrir um blog pessoal sem uma apresentação de quem está escrevendo. Por isso, conto uma parte da minha história pelo que tem de universal e porque diz muito sobre o tipo de conteúdo que se lerá aqui.

Aviso desde já que esse texto não contém um conhecimento mágico que funciona como remédio contra ideologias. Ficaria feliz se convencesse o leitor que nada disso precisa de remédio, pois não são doença. Ideologias são como antibiótico: indispensáveis em alguns casos, prejudiciais se vão além do uso restrito.

Acho que minha trajetória ensinou algo sobre ideologias porque já abandonei petismo e liberalismo – ao menos certa versão brasileira que inclui Rodrigo Constantino e Jair Bolsonaro. Aprende-se muito se desgarrando de uma tribo.

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Tive minhas primeiras experiências políticas em diretórios e eventos do PT. Meu pai tem um perfil petista estereotípico: professor de universidade pública, nordestino, católico levemente simpatizante de Teologia da Libertação, militou contra a ditadura (sem armas)…

Desde muito cedo, me acostumei a frequentar eventos do PT com ele e acompanha-lo quando era voluntário em atividades diversas para o Partido.

Depois, ajudei a fundar os Estudantes pela Liberdade, grupo onde Kim Kataguiri começou sua carreira de ativista. Saí, dentre outros motivos, por conta de estudantes reclamando que eu era esquerdista demais para estar lá.

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Pouco tempo antes, havia criado um site chamado Mercado Popular (hoje instituto), com o colega Carlos Góes, e logo atraímos atenção por publicar, dentre outras coisas, críticas liberais aos liberais. Eu ocupava um assento no Conselho Internacional da rede (chamada Students for Liberty), e os outros conselheiros recebiam cartas de brasileiros reclamando da minha falta de liberalismo. Era desconfortável criticar e liderar ao mesmo tempo.

Romper com um grupo, ou mesmo criticá-lo “por dentro”, é uma experiência enriquecedora. O maior aprendizado pode ser resumido da seguinte forma: ideologias dizem muito pouco sobre o que a gente defende na prática. Todos temos valores e preferências sobre como a sociedade deve se organizar, mas ser esquerdista é muito diferente de se opor à desigualdade social. Ser liberal, da mesma forma, não é defender a liberdade.

Nos dois casos, estamos falando de tribos dedicadas à proteção de uma identidade. Ideias são no máximo coadjuvantes, geralmente figurantes.

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Uma preferência política de um indivíduo deveria se formar com base em dois critérios: ideológico, que depende daquilo que é desejado para a mudança política, e técnico, compreendendo o campo do que é factível e seus custos de oportunidade. Esta simplicidade, claro, depende de ignorar tudo aquilo que é irracional, mas isto pode ser útil brevemente.

A ideologia deve responder qual o melhor modelo para a previdência social. A técnica aponta se esse modelo é suficiente para tirar a dívida pública de trajetória explosiva e estima seu custo em termos de crescimento ou desigualdade. O custo de ignorar ideologia ou técnica é muito alto. Nas palavras de Marcos Lisboa, em coluna na Folha de São Paulo:

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“O engenheiro não deve ignorar as prioridades dos seus clientes nem a sua máquina de calcular. Um risco é o autoritarismo tecnocrático, real ou percebido; o outro, a catástrofe do populismo.”

A multiplicação social da ideologia, com frequência, depende da confusão da técnica. Não por acaso, a picaretagem frequentemente se passa por divergência política para entrar no debate público. Desigualdade social e falta de escolaridade da população ajudam a limpar o caminho. Num nível individual, o autoengano nos leva a evitar fatos que entram em conflito com desejos.

Apesar desses dois fatores serem essenciais, o mais importante na formação das crenças são os componentes menos racionais. Deles, nenhum é mais decisivo que o grupo, a tribo que deve ser defendida dos inimigos. Petistas e liberais são tribos que dizem defender determinados valores. Nada garante que esses valores realmente são defendidos pelo grupo.

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A tribo nos leva a criar divergências por vaidade e prejudicam ambos os lados de uma contenda política. O comportamento de manada nos atrapalha na hora de enxergar as restrições envolvidas em cada escolha e até mesmo qual a melhor escolha para atender a determinado fim.

A irracionalidade pode vir de outras fontes, como interesses rentistas. Um exemplo bastante importante pro Brasil é da esquerda contrária à reforma da previdência, com argumentos extremamente influenciados por sindicalistas do setor público que integram o 1% mais rico do país graças a aposentadorias generosas.

Grupos como ANFIP e Auditoria Cidadã da Dívida têm convencido substantivos setores da esquerda nacional de que é possível resolver o problema das contas públicas de maneira socialmente justa sem pegar pesado com servidores públicos. A influência desses grupos em partidos como PT, PSOL e PDT tem levado pessoas que priorizam altamente o combate à desigualdade a defender propostas que prejudicam a causa.

Há também a diferença de eficácia na hora de transmitir mensagens ao eleitor, que nem sempre beneficia os candidatos com planos mais factíveis para cumprir suas promessas.

A maioria dos brasileiros parece acreditar que os estudantes não estão aprendendo nas escolas. Hoje, vejo apenas dois candidatos trazendo esse ponto para o centro de sua mensagem. Marina Silva tem se cercado de ativistas do campo da educação que defendem maior prioridade a conteúdos básicos, chegando a cogitar Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna (uma ONG que milita pela causa), para vice na sua chapa.

Bolsonaro aborda a mesma questão focando em sexo e doutrinação nas escolas, prometendo um general como ministro da educação e colégios militares por todo o país. Não há garantia de que o eleitor brasileiro preocupado com o conteúdo ensinado nas escolas vai escolher o candidato com a proposta mais adequada ao problema.

Seria possível divagar durante horas sobre os caminhos da irracionalidade para influenciar as preferências políticas. O mais importante, porém, é tentar aplicar esses conceitos a nós mesmos. Entender o papel da ideologia e da técnica, protegendo esta daquela quando necessário, é tão crucial quanto lembrar que estamos sujeitos ao engano.

Este blog será principalmente sobre a técnica. Escreverei sobre políticas públicas, as restrições envolvidas em cada uma e do que abrimos mão em cada escolha feita. Obviamente, a ideologia faz parte desse debate, mas não acho que minha contribuição vá ser relevante ensinando as pessoas a gostarem de mais liberdade e menos desigualdade, até porque acho que a maioria já gosta disso.

Eis outro aprendizado sobre ideologias que carrego desde quando deixei de ser petista: acho que elas ocupam um espaço muito menor do que ideólogos fazem crer.

É bom que minhas preferências quanto ao rumo da sociedade sejam claras: tenho inclinações entre o social liberalismo e a social democracia; defendo a economia de mercado regulada por um Estado que incentive a produtividade ao invés do produtor, combata as desigualdades e intervenha quando a alocação de mercado for muito prejudicial à coletividade – além de, é claro, democracia, liberdade de expressão e tolerância a escolhas pacíficas de adultos.

Quanto às irracionalidade, espero que as minhas sejam diminuídas por leitores atentos e chatos. Abro desde já a possibilidade de eu mesmo discordar do que escrevi aqui antes, e peço que me ajudem.

O que Thomas Jefferson disse sobre liberdade também vale sobre nós mesmos quando escrevemos sobre política – o preço da sanidade no debate público é a eterna vigilância.

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Pedro Menezes

Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.