Programa de Bolsonaro tem boas propostas, mas é de Bolsonaro

Plano de governo divulgado por Bolsonaro está repleto de boas ideias e prega respeito à democracia, mas também é raso e grosseiro, incorporando defeitos do candidato

Pedro Menezes

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As boas ideias não se limitam à economia no plano de governo divulgado por Jair Bolsonaro. O documento (clique aqui para baixar o PDF) começa enunciando um tripé de valores iluministas – constitucionalidade, eficiência e fraternidade.

Na quarta página, há uma defesa da liberdade afetiva e sacralidade de toda família, “seja ela como for”. Se o programa não atribuísse quase todos os problemas do Brasil à esquerda, seria difícil acreditar que é de Bolsonaro.

Os diagnósticos são péssimos, até porque quase todos são o mesmo. Não importa se o assunto é criminalidade ou educação, a culpa é sempre do PT, da esquerda ou equivalentes.

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A burocracia derivaria da “lógica que a esquerda nos impôs” (página 20). A despeito da mentalidade cartorial brasileira ser um tema desde os tempos de colônia, tudo se resumiria a socialistas que desconfiam do trabalho honesto.

Ao lado de um gráfico com o crescente déficit do governo, o documento conclui que “o problema é o legado do PT de ineficiência e corrupção” (página 14). Paulo Guedes sabe muito bem que o caos nas contas públicas não tem relação direta com a corrupção e foi causado por dispositivos constitucionais anteriores a 2003. O PT pode ter piorado a situação fiscal do país, mas seu estado atual envolve muito mais do que o legado petista.

Nada surpreendente, o diagnóstico sobre criminalidade foca na associação entre “o avanc¸o das drogas e da esquerda” por conivência com as FARC (página 26). Tamanho simplismo ignora que as taxas de homicídios crescem desde a ditadura militar e até caíram durante o governo do PT, conforme dados do DATASUS.

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Em suma, o programa é raso e grosseiro, como o candidato. Visualmente tosco, trata-se de um PowerPoint que não passou pelas mãos de um designer qualificado, lembrando páginas criadas no Geocities durante os primórdios da internet. Apesar de tudo, também está repleto de excelentes propostas.

Muito do que há de elogiável vem em termos genéricos com os quais Guilherme Boulos deve concordar. Priorizar “segurança, saúde e educação” ou “tolerância zero com privilégios” (página 10) são frases de efeitos universais. A defesa da liberdade para “escolhas afetivas (…) ou espirituais” (página 5) só é surpreendente por se tratar de Bolsonaro, mas é outro chavão que todos defendem.

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Outra parte importante das boas propostas são corajosas, mas tão vazias de detalhes que significam nada. Bolsonaro perdeu a oportunidade de explicar como será o trajeto para o regime de capitalização na previdência. Até Ciro Gomes concorda que este modelo é melhor no longo prazo, mas a proposta de um fundão de transição (página 57) nem arranha a complexidade do desafio.

A proposta de diminuir a dívida em um trilhão de reais com “desmobilização de ativos públicos” (página 56) é exagerada. Não há qualquer detalhamento sobre como se chegaria nesse valor, uma tarefa nada trivial. A quantidade de estatais citadas no plano é proporcional a sua credibilidade – e há zero exemplos.

Embora o programa defenda que “o déficit público primário precisa ser eliminado já no primeiro ano e convertido em superávit no segundo ano” (página 55), é melhor já ir se acostumando com a ausência de medidas práticas.

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Outros pontos igualmente vagos merecem elogio pela ambição. No caso da proposta de renda mínima em valor superior ao atual Bolsa Família (páginas 58 e 63), o programa sugere um sonho bom para a política social. É curioso que Bolsonaro abrace o paloccismo do gasto eficiente contra a desigualdade, enquanto a esquerda se apega ao desenvolvimentismo dilmista.

A proposta de transformar o Nordeste em polo de energia renovável (páginas 49 e 72) é mais um ponto curioso quando lembramos de Carlos Bolsonaro desmentindo o aquecimento global por causa do frio no Rio de Janeiro. Propor desenvolvimento regional por indução de setores específicos não é lá a melhor das ideias, mas a preocupação ambiental no candidato é uma boa surpresa.

O melhor eixo do programa é o que trata de macroeconomia. Apesar de uma ou outra bolsonarice, como atribuições de culpa ao PT, o diagnóstico é tecnicamente correto e várias ideias merecem atenção.

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A fusão de várias pastas em um Ministério da Economia (página 53) pode ser o empurrão necessário à abertura comercial, politicamente apoiada pela Fazenda sob resistência do MDIC. As duas páginas (65 e 66) em defesa da abertura comercial também mostram uma diferença programática importante entre Bolsonaro e Trump.

Ao contrário do que a maioria dos seus eleitores imagina, Bolsonaro tem propostas para saúde e educação muito melhores do que no eixo de segurança pública e combate à corrupção.

Um trecho da parte de educação (página 41) pode ser tomado como símbolo do programa: Bolsonaro pede “mais matemática, ciências e português, SEM DOUTRINAÇÃO E SEXUALIZAÇÃO PRECOCE”. Uma boa ideia defendida por especialistas e bem sucedida pelo mundo (foco em disciplinas básicas) acompanha um caps lock raivoso e descabido. O uso de prontuários eletrônicos (página 39) e a noção de que “prevenir é melhor e mais barato” (página 40) seriam avanços indiscutíveis.

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O trecho sobre segurança tem uma excelente proposta: “investir fortemente em equipamentos, tecnologia, inteligência e capacidade investigativa das forças policiais” (página 32). Infelizmente, todas as outras são muito piores e de eficiência duvidosa, como o armamento da população e o excludente de ilicitude em ações policiais.

O “redirecionamento da política de direitos humanos, priorizando a defesa das vítimas da violência” criaria a primeira política de direitos humanos que prioriza determinados humanos – por natureza, esses direitos são universais ou não merecem o nome.

No geral, é o manifesto de um novo conservadorismo brasileiro, jamais um programa sério de quem vai gerir o país a partir de 2019. Só será levado a sério porque poucos planos de governo fogem de chavões ou planejam qualquer coisa.

Ao fim da leitura, fiquei com a impressão de serem destaques de reuniões esparsas com Paulo Guedes e outros “postos Ipiranga”, filtrado por alguém cujo estilo varia entre Alex Jones e um aluno de Olavo de Carvalho. Ao menos cumprem o objetivo de retratar Bolsonaro, um sujeito que pode até defender algumas boas propostas, mas continua com o defeito fundamental de ser Bolsonaro.


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Pedro Menezes

Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.