A contabilização de share based compensation e seus impactos no valuation de empresas

Exclusão dos gastos com Stock-Based Compensation (SBC) das despesas correntes, por exemplo, pode superestimar a lucratividade e afetar a avaliação do valor justo

Maria Antonia Viuge Roberto Vinhaes

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Getty Images)
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A liquidez excessiva que inundou os mercados na última década levou o custo do dinheiro a zero. Durante esse período, gerar caixa para financiar as atividades das empresas deixou de ser uma necessidade. A busca pelo crescimento a qualquer custo tornou-se a norma. No entanto, com a combinação de uma queda no mercado de ações e um aumento do custo de capital devido a uma política mais restritiva do Federal Reserve (Fed) no ano passado, as regras do jogo parecem ter mudado, e a geração de caixa voltou a ser valorizada.

No entanto, a forma como as empresas reportam o caixa e o lucro em seus resultados muitas vezes é nebulosa, apesar da existência de padrões contábeis para regular essas informações. Esses modelos têm o objetivo de padronizar a forma como as operações são contabilizadas, permitindo a comparação de dados entre diferentes empresas. Eles estabelecem regras comuns para empresas de setores, tamanhos e modelos de negócio distintos.

Em alguns casos, no entanto, é aceitável que os resultados sejam divulgados em uma base ajustada, fugindo das regras contábeis vigentes. Isso ocorre porque a contabilização extraordinária de itens “não-caixa” e/ou não recorrentes, como o impairment de um ativo ou ganhos/perdas não realizadas de capital, pode distorcer o lucro de uma empresa no curto prazo e dar uma indicação incorreta de que esse perfil de lucratividade será sustentável no longo prazo.

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Por exemplo, em 2020, a Berkshire Hathaway, em conformidade com o padrão contábil “Generally Accepted Accounting Principles” (GAAP, conjunto de regras que orientam os resultados das empresas americanas), registrou um lucro líquido de US$ 42,5 bilhões, dos quais US$ 32 bilhões eram provenientes de ganhos não realizados de capital (devido à valorização de suas participações acionárias) e – US$9,8 bilhões que decorriam de um impairment relacionado à aquisição da PCC em 2016. Esses itens não envolvem entrada ou saída de caixa nas contas da empresa, nem estão relacionados às atividades operacionais em andamento. Portanto, seria mais apropriado ignorá-los, de modo que o lucro ajustado da empresa refletisse melhor seu desempenho operacional.

Por outro lado, o interesse do mercado por medidas não-GAAP, às vezes justificado, como mencionado acima, pode levar os executivos a realizar ajustes excessivos, inflando assim a lucratividade. O exemplo mais perverso disso é a prática de não contabilizar a Stock-Based Compensation (“SBC”, que se refere a prêmios em ações) como uma despesa corrente nos dados ajustados das empresas. Essa prática é amplamente utilizada pelo mercado, especialmente pelo setor de tecnologia, que remunera seus funcionários principalmente com ações.

Com o argumento de que esse item não afeta o caixa da empresa e de que seus efeitos já são considerados no cálculo de Earnings Per Share (EPS), devido à expansão da base de ações em circulação, os executivos defendem que os gastos com SBC devem ser excluídos. No entanto, discordamos dessa abordagem: a distribuição de prêmios em ações é, sim, uma despesa corrente e deve ser tratada como tal. Ignorar esse aspecto no cálculo do lucro líquido e do fluxo de caixa é um erro. Ao fazê-lo, as empresas subestimam os gastos com remuneração de funcionários e superestimam as métricas de lucratividade, fazendo com que pareçam mais lucrativas do que realmente são, às vezes até por manipulação dos executivos na tentativa de alcançar suas metas de remuneração.

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Segundo Mark Moerdler, da AllianceBernstein, nos últimos dez anos, os prêmios em ações como parte da remuneração dos funcionários aumentaram de 4% para quase 12% das receitas globais das empresas de software, em média. Em uma indústria com margem operacional na faixa de 30-40%, a exclusão do SBC implica em um aumento da margem de pelo menos um terço. Em empresas menos maduras, esse valor pode ser ainda maior, como no caso da Snowflake, cujos gastos com SBC representaram mais de 42% das receitas no último ano.

Podemos visualizar esse problema de outra forma para destacar o paradoxo de excluir o SBC das despesas da empresa. Imagine que, em vez de remunerar diretamente os funcionários com ações, a empresa emite a mesma quantidade de ações no mercado e, com os recursos arrecadados, remunera os funcionários em dinheiro. Nesse caso, há claramente uma saída de caixa, que seria contabilizada como despesa e deduzida do lucro líquido. Em termos de valor da remuneração e diluição do acionista minoritário, não há diferença entre os dois casos, exceto pela forma como a remuneração é feita. Portanto, em nossa opinião, é um equívoco tratá-los como operações de natureza diferente.

Além disso, se usada de forma abusiva, a distribuição de prêmios em ações para os funcionários, cujo efeito já é indevidamente excluído do cálculo do lucro líquido ajustado, pode levar a uma diluição excessiva do acionista minoritário. Além disso, é necessário avaliar se recompras de ações (e seus respectivos preços), feitas sob o pretexto de retornar recursos aos acionistas, não estão sendo utilizadas apenas para amenizar o efeito dilutivo causado pelo SBC.

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Para investidores que, como nós, acreditam que o valor de uma empresa advém de sua geração futura de caixa, há mais uma complicação: se não ajustarmos o fluxo de caixa gerado pela empresa para levar em conta o SBC, a percepção de valor da empresa pode ser superestimada. Em outras palavras, quanto mais inflado pelo SBC for o fluxo de caixa de uma empresa, mais desconectado de seu valor justo ela pode estar.

Por exemplo, em 2022, a Alphabet relatou a geração de mais de US$ 91 bilhões em caixa por suas operações. No entanto, cerca de 21% desse valor foi gasto com SBC, que não foi tratado como despesa e, portanto, teve seu efeito desconsiderado. Ao usar um modelo de valuation por fluxo de caixa descontado para calcular o valor justo de uma empresa, a decisão de incluir ou não os gastos com SBC como despesas pode ser relevante: em uma análise interna, chegamos à conclusão de que a exclusão dos gastos com SBC do cálculo do preço justo da empresa Alphabet poderia resultar em um valor 30% superior. Para uma análise mais aprofundada sobre o uso do SBC como mecanismo de incentivo, consulte o relatório de gestão da NEXTEP.

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Maria Antonia Viuge

Sócia e analista sênior da Nextep Investimentos. É economista formada pela UFRJ e pela Kingston University London

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Roberto Vinhaes

Roberto Vinhaes é sócio da Nextep Investimentos. Engenheiro formado pela PUC-Rio, foi um dos fundadores da Investidor Profissional, a 1ª gestora independente de fundos do país