Publicidade
Dia 18 de fevereiro de 2021. O rover (veículo para exploração espacial) mais tecnológico já enviado ao espaço pousou no solo do planeta Marte, quase sete meses depois de seu lançamento.
Do ponto de vista científico, é mais um fato grandioso da humanidade e que demonstra sua capacidade de quebrar barreiras.
Mas quero destacar uma história paralela que me surpreendeu.
Continua depois da publicidade
Foi a primeira vez que uma transmissão do tipo feita pela Nasa foi narrada em espanhol. Isso porque a engenheira aeroespacial Diana Trujillo, diretora de voo da missão, é colombiana.
Outro ponto que me chamou atenção foi o nome do rover, Perseverance – essa é fácil, “perseverança” em português –, bastante apropriado para ressaltar a luta que a agora engenheira da agência espacial precisou enfrentar para chegar onde está e fazer história.
Diana cresceu em meio a uma onda de violência em seu país natal. Aos 17 anos e sem saber uma palavra de inglês, se mudou sozinha para os Estados Unidos para estudar o idioma e tentar uma vida nova. Para pagar seu curso, que durou três anos, trabalhou como faxineira, arrumando e limpando casas.
Continua depois da publicidade
Com pouco mais de 20 anos, idade um pouco acima do “padrão” norte-americano para iniciar os estudos acadêmicos, começou a cursar Engenharia Aeroespacial na Universidade da Flórida. Pouco tempo depois, após um processo seletivo, tornou-se a primeira mulher hispânica a ser admitida em um treinamento para estudantes universitários da Nasa. O resto é história.
É impressionante a transformação que dedicação, esforço e oportunidade podem fazer na vida de uma pessoa. E eu entendo que, da mesma forma, esses elementos são fundamentais para garantir o crescimento econômico sustentável de um país.
O problema é que a perseverança parece ter perdido força no Brasil.
Continua depois da publicidade
Depois da série de reformas iniciada em 2016, que tinha como objetivo readequar os gastos públicos, estamos enfrentando, não somente em termos sanitários, mas também fiscais, a pior crise das últimas décadas.
Resultado? Os gastos públicos explodiram no ano passado e continuam pressionados neste início de 2021.
Para fazer frente ao alto índice de desemprego e à queda de renda da população, o governo aumenta os gastos públicos, enquanto a arrecadação de impostos diminuiu muito por conta do baixo nível da atividade econômica.
Continua depois da publicidade
Essa equação só tem um resultado possível: o aumento da dívida pública.
Agora, a situação se tornou tão sensível que o orçamento do governo para o ano de 2021 ainda não foi aprovado.
Isso mesmo: já passamos pelo primeiro trimestre do ano, e o texto ainda não foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Continua depois da publicidade
Isso porque o orçamento aprovado pelo Congresso é o que chamamos de não factível.
Ele menospreza o volume dos chamados gastos obrigatórios, como aqueles destinados à saúde e à educação, e direciona uma parte desses recursos para emendas parlamentares.
Como o próprio nome sugere, os gastos obrigatórios não podem ser reduzidos. Da maneira como está redigido, se aprovado, o orçamento prejudicaria a famosa regra do teto de gastos, aquela que impede que nossas despesas públicas cresçam sem o mínimo de controle.
A solução, então, parece simples: mensurar corretamente os gastos obrigatórios e reduzir os repasses destinados a emendas parlamentares, certo?
Na teoria, sim. Porém, há um custo político em não liberar verba para parlamentares aliados ao governo. E isso acontece em um momento político e econômico tão conturbado que pode ter um preço alto para o governo, como a perda da base de apoio em Brasília.
Desse modo, parece que o governo está entre a cruz e a espada: ou aprova um orçamento inexequível, sem custo político, mas que elevará a desconfiança dos investidores com relação à estabilidade fiscal do país, ou, a um custo político bem elevado (com possíveis acusações de falta de apoio por parte de seus apoiadores), mantém a pouca confiança que resta dos investidores quanto à nossa sustentabilidade fiscal.
A decisão não é fácil, mas é necessária para que o Brasil resolva de vez o tema e consiga focar nas reformas estruturais, como a tributária e a administrativa, tão imprescindíveis para voltarmos a crescer de forma sustentável.
Se o Brasil optar pelo caminho de menor desgaste político, ou seja, de mais gastos, acredito que vamos passar os próximos anos lutando para fazer ajustes de rotas – afinal, ninguém se beneficia com uma dívida pública explosiva.
Mas, se assim como a Diana, perseverarmos e seguirmos pelo caminho de maior credibilidade fiscal, acredito que possamos começar a pensar em voos cada vez mais altos.
Diante disso, qual cenário é mais provável de acontecer?
Acredito que não chegaremos a nenhum dos extremos. O Executivo, junto com deputados e senadores, deve encontrar uma solução no meio do caminho, ou seja, algo que não acabe com a credibilidade fiscal que nos resta e que consiga manter a base de apoio no Congresso.
Mas a pergunta mais importante em meio a isso tudo é: como esse imbróglio se reflete nos ativos brasileiros?
Hoje, o mercado de juros no país aponta para uma piora fiscal maior do que acredito que vamos atravessar.
Nesse sentido, alguns títulos públicos, principalmente os prefixados de curto prazo, começam a se mostrar como uma excelente oportunidade de alocação enquanto não encaminhamos de fato as proposições que devem definir o orçamento deste ano.
O fato é que tudo isso me faz pensar que a retomada do controle fiscal precisa ser também um ato de esforço e vontade por parte dos nossos representantes em Brasília. Ou seja, por mais que estejamos diante de números, cifras e interesses políticos, uma boa dose de perseverança também se faz necessária no momento.
Abraços,
Gui Cadonhotto