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Aqueles que acompanham o Terraço desde sua fundação em 2014 sabem que este sempre buscou ser, acima de tudo, um espaço aberto: de diálogo, discussões, e trocas de ideias. O próprio nome faz alusão a esta proposta: sempre tivemos como objetivo construir e fomentar um ambiente que pudesse, da melhor maneira possível, reproduzir no mundo online as discussões sobre economia, política e sociedade que já ocorrem de maneira aberta e inclusiva em terraços e lajes Brasil afora.
Dentro deste contexto, os princípios que sempre nortearam a atuação do Terraço foram aqueles do liberalismo clássico – não apenas sua conotação de teoria de organização econômica, mas também na acepção mais ampla do termo: de zelo pela liberdade de expressão, respeito a opiniões divergentes, diálogo como mecanismo de resolução de disputas e igualdade de todos e todas perante a lei. Em suma, aqueles ideais iluministas que surgiram na Europa do século XVIII, em meio às cinzas da guerra, e sintetizados pelo mote da República Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade.
Em concordância com estes valores, o Terraço evitou tomar posições editoriais em matérias de cunho político. Sempre preferimos, através de nossos textos, expor nossas opiniões a respeito de temas relevantes e, desta forma, capacitar os leitores e leitoras a formar suas próprias ideias. Por este motivo, por exemplo, nos posicionamos a favor da atual agenda de reformas econômicas (por entender que elas são necessárias à recuperação econômica do país, independentemente de quem esteja no poder), sem jamais apoiar este ou outro governo.
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Hoje – e em respeito a estes valores – o Terraço rompe excepcionalmente com esta tradição, dizendo com todas as letras: a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela tem que acabar.
Nem o mais árduo militante chavista ousa negar que já há pelo menos três anos que a Venezuela passa por uma crise econômica de proporções inéditas no continente latino-americano. A queda do preço do barril de petróleo de mais de US$110 para menos de US$30 (estabilizando-se posteriormente em patamar inferior a US$50) sem dúvida alguma foi devastadora para um país no qual o combustível fóssil corresponde a 95% das exportações. Desde 2014, a queda do PIB já beira os 30% de acordo com estimativas do FMI, a inflação anual já ultrapassa os 1000%, e o bolívar já tem a triste distinção de valer menos que a moeda do jogo World of Warcraft.
Obviamente, nada disso é razão para exigir-se o fim de um regime (sob a pena de muitos governos economicamente ineptos ao redor do mundo se verem forçados a renunciar). Infelizmente, este colapso econômico pelo qual o país passa desde 2014 vem sendo utilizado pelo governo de Nicolás Maduro para escancarar algumas das tendências autoritárias que o chavismo sempre exibiu, mas que permaneciam até certo ponto latentes enquanto a economia prosperava. Durante seu tempo no poder, Hugo Chávez convocou uma Constituinte, promulgou uma nova constituição, convocou sucessivos referendos quando o primeiro não lhe rendia o resultado esperado, estatizou e expropriou a propriedade de empresas estrangeiras, fechou veículos de mídia considerados opositores e aparelhou os órgãos de estado – inclusive o judiciário. Não obstante, durante este período, o crescimento econômico à base do petróleo, a inegável redistribuição de renda promovida à base destes recursos e o inegável carisma de Chávez eram suficientes para render-lhe vitórias eleitorais e, desta forma, preservar uma fachada democrática em um regime que há muito tempo já não preenchia os requisitos de uma democracia liberal.
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A morte de Hugo Chávez em 2013 e a consequente ascensão ao poder de um líder muito menos carismático, coincidente com a brusca queda do preço do petróleo, alterou esta dinâmica de forma dramática. A apertada margem de vitória sobre o candidato de oposição Henrique Capriles acendeu o sinal de alerta dentro do chavismo, que a partir de então começou a intensificar a repressão contra tudo e todos que, segundo o governo, fazem parte de uma grande conspiração contra a “Revolução Bolivariana”. As fronteiras com Brasil e Colômbia – destinos de número cada dia maior de refugiados venezuelanos à procura de medicamentos, bens de primeira necessidade, ou simplesmente da oportunidade de recomeçarem suas vidas – foram fechadas sucessivas vezes sob a alegação de que através dela estariam operando máfias que fazem parte de uma estratégia de “guerra econômica” contra o regime. Se incompetência econômica não torna um regime uma ditadura, negar a seus cidadãos o direito de procurar uma vida nova em outro lugar é marca registrada de déspotas mundo afora.
Nicolás Maduro foi além. Além de intensificar a repressão a meios de comunicação independentes e a empresários que suspostamente travavam a tal “guerra econômica”, Maduro começou a almejar mais diretamente seus adversários políticos. Em 2015, foram presos o líder de oposição Leopoldo López, assim como o ex-prefeito de Caracas (e também opositor de Maduro) Antonio Ledezma, supostamente por incitação à violência durante os protestos que assolaram o país em 2014, em julgamentos amplamente condenados pela comunidade internacional.
O ano de 2015 também marcou o momento em que a escalada autoritária de Maduro atingiu aquele pilar que ainda lhe dava um mínimo semblante democrático: a representatividade eleitoral. Após vitória acachapante da oposição nas eleições legislativas daquele ano, Maduro utilizou seu controle quase absoluto sobre o aparelhado judiciário venezuelano (inclusive sobre o Conselho Nacional Eleitoral, ou CNE – espécie de TSE da Venezuela) para evitar a posse de três deputados da oposição e, desta forma, negar-lhe a supermaioria de dois terços que concede poderes de destituir altos funcionários nomeados pelo chavismo e até mesmo alterar a constituição, de maneira a abreviar o mandato de Maduro. Quando a oposição ignorou a decisão, o Supremo venezuelano considerou a Assembleia Nacional em desacato, invalidando quaisquer decisões suas e, efetivamente, concedendo a Maduro o direito de governar por decreto. Já em 2016, o CNE utilizou seus poderes para barrar a tentativa da oposição de convocar um referendo revogatório – medida prevista na constituição redigida pelo próprio Hugo Chávez para revogar mandato presidencial.
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Finalmente, o último prego do caixão da democracia venezuelana foi fixado semana passada. Confrontado por uma maioria opositora apoiada por protestos populares cada vez maiores, e contemplando o sério (se não provável) risco de perder a tentativa de reeleição em 2019, Maduro dissolveu a Assembleia Nacional e convocou uma Constituinte, de maneira a reescrever a constituição do país e perpetuar-se no poder. O voto, boicotado pela oposição, foi marcado por protestos ainda maiores e mais sangrentos do que os já vistos anteriormente, assim como pela declaração da empresa responsável pelo processo de votação de que os resultados da votação teriam sido manipulados pelo governo de forma a aumentar a taxa de comparecimento (vista como principal métrica de seu sucesso). Com raras (e já previsíveis) exceções, a comunidade internacional foi rápida e unânime em rejeitar o resultado. Mal havia sido empossada a nova Constituinte e Maduro já tratou de eliminar o último obstáculo que lhe restava no campo institucional: a Procuradora-Geral Luisa Ortega, ex-aliada do chavismo que passara a criticar a escalada autoritária de Maduro, rejeitando inclusive a formação da Constituinte.
O cenário na Venezuela é estarrecedor e revoltante. O povo, que já sofre com um colapso econômico sem precedentes, agora também vive sob um regime explicitamente ditatorial. No campo institucional, toda e qualquer oposição já tratou de ser eliminada. Nas ruas, mais de 100 pessoas já morreram desde o início do ano em protestos contra o governo, assassinadas por um regime sanguinário e criminoso. A situação é tão insustentável que, este fim de semana, o Mercosul tomou o inédito passo de suspender indeterminadamente o país do bloco – decisão que, por ser unânime, teve que contar com o apoio do Uruguai, governado por uma coalizão de esquerda tradicionalmente simpática ao chavismo.
O Mercosul já condenou. A União Europeia já condenou. A grande maioria da comunidade internacional (com exceção notável de alguns regimes aliados na América Latina e da China) já condenou. A Anistia Internacional e a Human Rights Watch já condenaram. Até o Vaticano já condenou.
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Hoje, em respeito a seus valores, e jamais abdicando de sua responsabilidade cívica, o Terraço soma-se a estas vozes, condenando da maneira mais vigorosa possível o fim da democracia em nosso país irmão.
Mais uma vez: a ditadura de Nicolás Maduro tem que acabar.
Assinado por:
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Arthur Lula Mota – Editor do Terraço Econômico
Arthur Solow – Editor do Terraço Econômico
Beni Broniscer Fisch – Colaborador do Terraço Econômico (é autor deste artigo)
Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico
Daniele Chiavenato – Editora do Terraço Econômico
Kim Loeb – Colaborador do Terraço Econômico
Pedro Lula Mota – Editor do Terraço Econômico
Rachel de Sá – Editora do Terraço Econômico
Rafael Barros de Oliveira – Colaborador do Terraço Econômico
Talitha Speranza – Editora do Terraço Econômico
Victor Candido – Editor do Terraço Econômico