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Por Maria Eugenia Cirillo, colaboradora do Terraço Econômico
Sem dúvida, as criptomoedas viraram tema de debates acalorados entre os participantes do mercado financeiro, resultando em posicionamentos divergentes de importantes figuras da área. Mas, para além das discussões sobre a existência ou não de uma bolha do bitcoin, ether e afins, ou a respeito de sua natureza, é inegável o impacto que as moedas digitais trazem para o mercado no momento em que introduzem e evidenciam uma tecnologia com potencial para ser utilizada nos seus mais diversos segmentos: o blockchain.
Trata-se de uma estrutura que opera através de blocos em sequência, criando uma rede descentralizada, também conhecida como peer-to-peer. Dessa forma, as informações nela contida permanecem na cadeia e vão sendo transferidas para quem a utiliza, gerando um bloco de dados. Além disso, no blockchain, a cada usuário é fornecida uma chave privada específica, junto a uma chave pública, o que possibilita que apenas ele possa autenticar ou validar – e portanto, concluir – as transações, através de chamados contratos inteligentes.
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Nessa rede, a segurança dos dados é garantida pelo fato de que se torna praticamente impossível alterar o bloco formado – o que exigiria grande potência computacional e muito trabalho. Cumpre destacar, ainda, outro benefício do blockchain: as informações das partes são preservadas, assegurando sua privacidade perante o público em geral, já que a criptografia permite que as transações estejam desvinculadas de usuários determinados.
Levando em conta suas vantagens, a aplicação dessa tecnologia parece próspera em variados ramos do mercado financeiro. Instituições do mercado de crédito, por exemplo, vislumbram-na como forma de garantir maior eficiência às suas atividades e de ampliar seu alcance. No mercado de capitais, sua utilidade também é extensa. E um claro emprego do blockchain está na pós negociação de valores mobiliários, isso é, na fase em que ocorre a compensação, a liquidação e a custódia dos títulos negociados – as operações de clearing –, fundamentais para o funcionamento do mercado.
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Isso porque as bolsas operam da seguinte forma: durante a negociação, as partes enviam ordens referentes aos valores mobiliários através de corretoras credenciadas. Logo depois, na pós negociação, ocorre a compensação desses títulos, momento em que são calculadas as posições compradas e vendidas, permitindo que ocorra sua liquidação, quando os papéis e os recursos serão transferidos aos investidores, para que sejam concluídas as transações, – tudo isso em casas centralizadas. Contudo, os ativos negociados não ficam com os adquirentes, mas sim, em uma única câmara de custódia, que detém sua propriedade fiduciária. No mercado secundário de ações brasileiro, o clearing era realizado pela Câmara Brasileira de Liquidação e Custódia – CBLC até a fusão da CETIP com a BM&FBovespa, em 2017, quando essa tarefa foi designada à própria B3.
Com a implementação do blockchain, a participação de um agente intermediário responsável por armazenar todos os registros seria diminuída, já que os dados passarão a estar distribuídos entre as próprias partes, em seus computadores pessoais, o que faria com que o tempo e os custos das transações pudessem ser substancialmente reduzidos, levando em conta as taxas que são anualmente cobradas dos investidores para o clearing dos ativos. Ao mesmo tempo, como as negociações seriam mais rápidas, considerando que hoje a liquidação física e financeira dos ativos no mercado à vista nacional é concluída apenas depois de três dias úteis contados da execução da ordem, o risco de inadimplemento do comprador poderia ser mitigado, assim como aquele decorrente de eventuais erros humanos, elevando a eficiência operacional do sistema.
Na realidade, a aplicação dessa tecnologia em tais operações vem sendo significativamente difundida. Já em um relatório de maio de 2016, o Morgan Stanley reconheceu o uso de blockchain na fase de pós negociação de valores mobiliários como “uma das potenciais aplicações mais discutidas”, dando enfoque para a experiência do mercado secundário de empréstimos bancários sindicalizados global, no qual sete bancos internacionais, liderados pelo Credit Suisse, uniram-se para modernizar a liquidação dos títulos negociados, através da implementação do blockchain.
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A própria Nasdaq, bolsa de valores eletrônica dos Estados Unidos, demonstrou particular interesse em utilizar a tecnologia nos procedimentos relacionados à negociação dos ativos e apontou alguns exemplos de mercados internacionais em que isso já ocorre – ou está prestes a se efetivar.
Nesse sentido, destaca-se a ASX, bolsa de valores australiana, que tem planos de introduzir o blockchain na entidade responsável pelo clearing do mercado de equity do país. Ao mesmo tempo, representantes da London Stock Exchange estariam fazendo parte de reuniões do Post-Trade Distributed Ledger Group – PTDL Group, que discute justamente esse tema e procura soluções para instalar o sistema. Entidades de países como Alemanha, a exemplo do Banco Central alemão e da Deutsche Börse, e Rússia, com a Moscow Exchange, também se movimentaram no sentido de utilizar o blockchain em operações de pós negociação.
Evidentemente, por ser relativamente recente, ainda existem diversos desafios a serem superados antes de que essa rede venha a ser efetivamente implementada no clearing dos valores mobiliários. Em primeiro lugar, deve-se enfrentar a questão da regulação. No mundo todo, órgãos supervisores do mercado vêm discutindo como enquadrar o blockchain – e os ativos que dele se utilizam -, no ordenamento jurídico. Em território nacional, tal sistema ainda não está juridicamente definidos ou sequer fora permitido em lei. Por outro lado, as casas atualmente responsáveis pela pós negociação dos papéis são disciplinadas pela Lei 10.214/2001 e apresentam regras bem delineadas, expedidas pela própria bolsa, que atua como entidade autorreguladora.
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Outros obstáculos, como riscos operacionais, ataques cibernéticos, perdas ou extravios das chaves privadas que são necessárias para efetivar as transações, os elevados custos ainda exigidos para o desenvolvimento de um sistema como esse e até mesmo a própria cultura de confiança nas casas de liquidação e custódia que está impregnada entre os participantes do mercado de capitais, não podem ser ignorados.
Contudo, os possíveis ganhos resultantes da aplicação do blockchain na fase de pós negociação dos ativos ainda chamam a atenção. Sendo assim, discussões, estudos e experimentos, contando com a participação de variados profissionais do mercado, mostram-se cruciais para solucionar tais impasses e, cada vez mais, melhorar a tecnologia, permitindo sua implementação gradual nessas operações. Afinal, como constatou Jeff Bezos, CEO da Amazon, “todas as inovações criam duas novas perguntas – e duas novas oportunidades”. Cabe aproveitá-las.