Tributação de dividendos: uma ideia que só parece boa

Quase sempre que se pensa em uma solução para a questão fiscal no Brasil a ideia de aumentar impostos surge como suposta resolução de todos os problemas. Ao contrário do que se imagina, os tais impostos sobre dividendos não mudariam tanto do complicado quadro fiscal brasileiro. Confira no Terraço Econômico.

Terraço Econômico

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Nas discussões sobre a PEC 241 (agora PEC 55 no Senado), a tributação dos dividendos e lucros distribuídos é um dos temas mais repetidos pela parcela da população contrária à proposta. Cálculos – realizados com números de várias fontes – encorpam o argumento de que a “elite” está livre de suas obrigações com a sociedade ao não pagar impostos sobre dividendos e lucros. O raciocínio segue com a ideia de que basta tributar esses ganhos para eliminar a necessidade de controlar as contas do Estado, por meio de instrumentos como a PEC 241. A fórmula perfeita para tirar dos ricos e dar aos pobres.

Não é segredo que o tratamento tributário dos dividendos tem problemas. Mas é perigoso pensar que esse é o “pulo do gato” para melhorar, ou até mesmo solucionar, a questão fiscal. Taxar os ganhos também não é instrumento de castigo para a alardeada “elite branca que não paga impostos e prejudica o país”. Medidas embasadas neste tipo de lógica apenas criarão novos problemas, insatisfações e debates intermináveis.

Primeiro, vamos lembrar o que são os dividendos. Do ponto de vista econômico, são a parcela do lucro líquido distribuído aos proprietários da empresa. Melhor dizendo: os ganhos monetários após a remuneração de todas as partes envolvidas com a operação da empresa – funcionários, credores e o governo. Todo o processo tributário – até chegar ao lucro líquido – engloba uma lista de impostos, como os cobrados sobre as vendas e, principalmente, o Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica. Ou seja, os lucros distribuídos já são apurados depois do pagamento do imposto de renda.

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Nesse momento, costuma-se ouvir: “ah, mas o imposto de renda pago é o da pessoa jurídica. O que se pretende é a tributação da renda da pessoa física”. Essa distinção, no entanto, é contrária ao texto da lei, e mesmo que a gente não leve a letra da lei em consideração, chegamos a algumas conclusões confusas.

Sobre a lei, o Código Tributário Nacional tem o seguinte artigo:


“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

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I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

[……………………………]

 1 A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)”

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O ponto está no item “I” – renda do trabalho ou do capital. Os dividendos são pagos em decorrência dos sócios terem aportado capital.

Apenas para seguir a lógica, vamos ignorar, por instantes, o que está escrito acima e inventar um imposto cuja incidência somente se dá na transferência de recursos na forma de dividendos da Pessoa Jurídica para a Pessoa Física. Isso resolve o problema?  Vai se gerar muito dinheiro?

Provavelmente não. E para entender isso, vamos fazer uma analogia. Imagine um casal em que a esposa tem um emprego em tempo integral e o marido é responsável pelas despesas do dia-a-dia da casa (supermercado, limpeza, entre outras). E, além disso, algumas das contas da casa estão no nome do marido. Para o pagamento destas contas, a esposa costuma transferir o valor correspondente para a conta do marido. Imagine agora que se passe a tributar a transferência de quaisquer recursos da esposa para o marido. [1]

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Muito provavelmente esse imposto – assim como a tributação de dividendos – não levantaria muitos recursos para o governo. A razão para isso é que rapidamente as pessoas se ajustariam a isso. No caso do casal, todas as contas seriam pagas diretamente pela esposa. E no caso da Empresa?

A segunda alternativa seria a Pessoa Jurídica ser responsável pelas despesas dos sócios. Se a empresa é tributada pelo Regime do Lucro Real, essa alternativa ainda leva a uma redução do IRPJ a ser pago.

Em terceiro lugar, o dono da empresa pode aportar parte dos seus recursos na forma de dívida. Novamente, se a empresa estiver operando no Regime de Lucro Real, esse pagamento de juros reduz a base de cálculo do IRPJ também.

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Não sou um tributarista, um especialista na área deve conseguir mencionar mais algumas. Sei que nem todas são factíveis para todas as empresas hoje constituídas, e para conseguir se aproveitar dessas, muitas das empresas precisariam fazer ajustes sobre os seus Contratos Sociais ou seus Regimes de Tributação. Quais seriam as empresas que não conseguiriam fazer esse tipo de ajustes? Aquelas que o custo do ajustamento fosse alto demais para valer a pena.

Tais empresas costumam ser de um ou dois profissionais liberais, tais como médicos, advogados, economistas e jornalistas. Esses profissionais liberais, inclusive alguns jornalistas que podem estar fortemente advogando medidas como essas, são os que pagariam o grosso da (pouca) arrecadação deste imposto.

Cláudio Lucinda
É professor Associado da FEA-RP/USP

Notas

[1] Parece absurdo? Mas não é. Existe este imposto, chama-se ITCMD. O que acontece é que existe uma isenção elevada que faz que esse imposto não apareça no dia-a-dia.

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Terraço Econômico

O Terraço Econômico é um espaço para discussão de assuntos que afetam nosso cotidiano, sempre com uma análise aprofundada (e irreverente) visando entender quais são as implicações dos mais importantes eventos econômicos, políticos e sociais no Brasil e no mundo. A equipe heterogênea possui desde economistas com mestrados até estudantes de economia. O Terraço é composto por: Alípio Ferreira Cantisani, Arthur Solowiejczyk, Lara Siqueira de Oliveira, Leonardo de Siqueira Lima, Leonardo Palhuca, Victor Candido e Victor Wong.