Colapso de um império: ações da JBS caem 44% em 5 dias e futuro é cada vez mais nebuloso

Entre escândalo com delação e operações polêmicas com dólar e ações, JBS coloca em xeque futuro da companhia

Rodrigo Tolotti

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Bloomberg)
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SÃO PAULO – Os últimos meses já não estavam nada fáceis para a JBS (JBSS3), diante de uma série de operações da Polícia Federal, mas foi na última quarta-feira (17) que a maior produtora de proteína animal do mundo chocou o Brasil com o vazamento dos detalhes da delação premiada de seus donos, os irmãos Joesley e Wesley Batista. E não há nenhum sinal de que as “bombas” acabaram.

Não bastasse os executivos serem o centro de todo o escândalo, a própria JBS se envolveu em três grandes polêmicas nos últimos dias, que colocam em xeque o futuro da companhia. Enquanto isso, as ações da empresa afundam na bolsa. Antes mesmo da delação surgir, os papéis já vinham de queda após a divulgação do resultado da companhia, com o mercado vendo de forma bastante negativa os números apresentados.

No dia 15 de maio, as ações JBSS3 eram cotadas a R$ 10,79 e desde então a queda já chega a 44,5%, para os atuais R$ 5,98. Apenas no dia seguinte ao resultado, a perda foi de 8,62%, com duas novas quedas seguidas, sendo uma de 9,68% logo após a divulgação da delação. No preço atual, os papéis do frigorífico chegam ao seu menor valor desde junho de 2013.

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Mas se as incertezas já eram grandes, a divulgação da delação “coroou” a derrocada da companhia. Não bastasse os donos da companhia serem os protagonistas das informações que podem derrubar o presidente Michel Temer, uma série de fatores, incluindo manipulação das ações e operação de dólar com insider trading, estão jogando ainda mais lenha no incêndio da JBS.

Enquanto o Brasil ainda tentava entender tudo que acontecia com os áudios e vídeos da delação dos irmãos Batista, surgiam informações de que a companhia comprou uma grande quantidade de dólares um dia antes de tudo vir à tona. A JBS confirmou a operação, mas justificou que seu objetivo era minimizar os riscos cambiais e de commodities provenientes da dívida da empresa, dos recebíveis que possui em dólar e de suas operações.

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Em nota, a empresa afirmou que “gerencia de forma minuciosa e diária a sua exposição cambial e de commodities”. Mesmo assim, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) já abriu cinco processos para investigar a atuação da empresa no mercado de capitais.

Para piorar, dados disponíveis publicamente em um documento chamado “posição consolidada” mostram que os controladores da JBS venderam R$ 242,3 milhões em ações da companhia três semanas antes de todo esse escândalo, o que tem sido tratado com suspeita de que eles poderiam já ter informações de que a delação estava prestes a ser divulgada (veja mais clicando aqui). 

Acordo de leniência
Em meio a tudo isso, o acordo de leniência da J&F – holding que controla a JBS – não saiu. Com prazo até 23h59 da última sexta-feira (19), a empresa não aceitou pagar R$ 11,2 bilhões para fechar o acordo com o Ministério Público Federal. A proposta original dos procuradores era de uma multa de R$ 33,6 bilhões. Mas a Lei Anticorrupção (12.846/13) prevê descontos de até dois terços, o que fez o valor baixar.

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A contraproposta da J&F foi de R$ 1 bilhão, que representa 0,5% do faturamento do grupo do ano passado. Neste semana ocorre uma nova rodada de negociação, mas decisões da CVM contra a companhia podem pesar em favor do MPF, evitando que o valor seja reduzido.

O grupo, comandado por Joesley Batista, responde a cinco processos por supostas irregulares cometidas nas últimas semanas, quando o acordo de delação premiada de executivos com a PGR (Procuradoria-Geral da República) já estava em andamento.

Para os procuradores, uma eventual condenação pela CVM poderá até inviabilizar as negociações pela leniência, processo em que a empresa se compromete a não cometer novos ilícitos, além de confessar os já cometidos.

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Rebaixamento pela Moody’s
Enquanto a CVM não se pronuncia, o primeiro grande impacto de tudo que está acontecendo veio da agência de classificação de risco Moody’s, que cortou o rating da JBS e de sua subsidiária JBS USA, bem como colocou as classificações de risco de ambas as empresas em revisão para novos rebaixamentos.

O rating da JBS foi reduzido para ‘Ba3’ ante ‘Ba2’, enquanto a dívida garantida da JBS USA teve a nota cortada para ‘Ba2’ ante ‘Ba1’ e a da dívida não garantida da JBS USA passou para ‘Ba3 ante Ba2’.

“Esta ação segue a confirmação da JBS S.A. de que sete executivos da empresa e sua entidade controladora, a J&F Investimentos, celebraram um acordo de leniência com o Ministério Público Federal sobre alegações de corrupção”, disse a Moody’s.

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Ação já caiu demais? Há quem diga que sim, mas…
A queda dos papéis da JBS desde o começo destes escândalos está afastando muitos investidores diante das incertezas sobre o futuro da empresa. Mas há quem acredite que isso pode gerar uma oportunidade de comprar ações a uma preço baixo. Entre a noite de sexta-feira e a manhã desta segunda-feira o Citi publicou um relatório recomendando compra dos papéis.

Segundo o analista Alexander Robarts, “os fundamentos ficaram para trás”, mas, pela primeira vez desde 2015, “a percepção do risco dos investidores parece estar prestes a diminuir significativamente no curto prazo, uma vez que o mercado será capaz de quantificá-lo”. Para o Citi, o risco operacional é muito baixo, já que não se espera que os clientes da companhia interrompam as compras.

O preço-alvo da instituição para as ações JBSS3 é de R$ 12,50, o que, no momento da divulgação do relatório, apontava para um potencial de alta de 40% para os papéis. Porém, com a derrocada de hoje, este potencial saltou para 109%. Resta saber se depois do pregão desta segunda, o analista do Citi irá continuar com esta recomendação.

Brazil Journal: empresa pode valer zero
Como se não bastasse essas três notícias envolvendo a empresa, soma-se ainda uma série de suspeitas levantadas pelo jornalista Geraldo Samor, do portal “Brazil Journal”, que pode levar abaixo o império da JBS. Citando “fontes que conhecem de perto a contabilidade dos Batista”, ele aponta que a JBS tem passivos escondidos maiores que seu valor de mercado (hoje em torno de R$ 16 bilhões) e do que a multa de R$ 11 bilhões que o Ministério Público Federal está cobrando para celebrar o acordo de leniência.

Segundo o artigo, um dos problemas é de natureza fiscal e envolve a possibilidade de fraude nos balanços da JBS desde 2009, ano em que ela se fundiu com a Bertin: “como toda a dívida bancária da JBS foi dada sob a premissa de que seus balanços eram reais, isso pode levar os credores a acelerar a dívida da empresa, que hoje chega a R$ 56 bilhões (dívida bruta no final de 2016)”, escreve Samor. Problemas com créditos contabilizados como ativos oriundos da Lei Kandir, contabilização de ativos biológicos e até eventuais problemas com a justiça americana que podem surgir também são explorados como possíveis vetores para o valor da empresa ser igual a zero, aponta a análise publicada no portal.

Relembre as outras operações
Antes mesmo da delação dos irmãos Batista, a JBS já tinha sérias complicações com as autoridades brasileiras, sendo que pelo menos quatro operações recentes da Polícia Federal tinham o frigorífico entre os alvos. No último dia 12 foi deflagrada a Operação Bullish, que investiga supostas irregularidades no repasse de R$ 8,1 bilhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

De acordo com o TCU, a instituição teve um prejuízo de R$ 711,3 milhões com operações de compra de ações e debêntures (títulos de dívida) do grupo J&F. Logo após a operação, o BNDES constituiu uma comissão de apuração interna para avaliar todos os fatos relacionados às operações realizadas com a companhia.

Em janeiro, foi deflagrada a Cui Buono, que apurou suspeitas de irregularidades de pagamento de propina na liberação de financiamento de R$ 4,3 bilhões da Caixa Econômica Federal para empresas, entre elas as da holding J&F.

Em setembro de 2016, houve a Greenfield, que investigou desvios de R$ 8 bilhões nos fundos de pensão Funcef, Petros, Previ e Postalis. À época, os irmãos Joesley e Wesley Batista foram alvos de conduções coercitivas à sede da PF. Assim como ocorreu na Bullish, Joesley estava fora do País. Na época os irmãos foram afastados no comando da companhia, mas logo em seguida retomaram o controle após firmarem um acordo com o MPF prevendo o pagamento em juízo de R$ 1,5 bilhão. 

A JBS foi ainda citada na Operação Carne Fraca, deflagrada em março deste ano e que investigou corrupção e fraudes envolvendo fiscais do Ministério da Agricultura e empresários e funcionários de frigoríficos e empresas de carnes processadas.

A conclusão para tudo isso ainda está longe e tanto analistas quanto investidores não sabem o que será do dia de amanhã ou o que irá acontecer com a empresa diante de tantas polêmicas e processos. Mas uma coisa é certa: o Brasil inteiro está acompanhando esta novela e estará de olho nos próximos capítulos.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.