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Por Lier Pires Ferreira*
Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro anunciou sua saída do PSL. O “divórcio” foi fruto de um longo e desgastante processo de disputas que se arrastou desde fevereiro, quando Gustavo Bebiano foi exonerado da Secretaria-Geral da Presidência após discutir publicamente com o vereador carioca Carlos Bolsonaro, filho do presidente. Dentre os muitos conflitos vividos pelo clã Bolsonaro e a cúpula do PSL, destacam-se as investigações da Polícia Federal sobre Luciano Bivar, presidente nacional da legenda por suspeitas de caixa dois durante a campanha de 2018, e o fato de correligionários votarem contra o governo na Câmara Federal. Acossado por denúncias de corrupção e sem controlar a “máquina” partidária e os recursos advindos do Fundo Eleitoral, Bolsonaro decidiu romper com o PSL e criar uma nova legenda, a Aliança pelo Brasil.
O racha do PSL, cujos impactos sobre a governabilidade ainda serão conhecidos, é o mais recente episódio de uma “novela” que parece longe do fim: a Reforma Política. A Constituição Federal de 1988, visando a evitar a asfixia das forças políticas ocorrida em 1965, quando o presidente Castelo Branco impôs um bipartidarismo de direito por meio do AI-2, criou um sistema político plural, competitivo, que se aproximaria da poliarquia proposta por Robert Dahl (Estados Unidos, 1915-2014). Esse sistema pretendia compatibilizar os ideais de soberania popular e igualdade social com a liberdade econômica necessária às economias de mercado. Hoje, contudo, o sistema político brasileiro conta com mais de 30 partidos, muitos dos quais marcados antes pelo fisiologismo populista que pela consistência política e ideológica. O que fazer?
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O cientista político Bolívar Lamounier (Brasil, 1943) é um dos pilares de uma tese ora bastante popular: uma ampla Reforma Política é imprescindível ao País. Três décadas após a promulgação da Constituição Federal, o sistema político brasileiro estaria exaurido pela debilidade dos arranjos político-eleitorais e pelo caráter plebiscitário do sistema presidencialista, favorecendo mais a inconstância das ações de governo do que a estabilidade das políticas de Estado. Para superar essa fragilidade, Lamounier propõe medidas profundas como parlamentarismo [defeso por cláusula pétrea constitucional], voto distrital misto e cláusula de barreira. A essas medidas, adviriam outras, como voto facultativo, financiamento público das campanhas políticas, limitação das coligações partidárias e voto em lista fechada. Algumas dessas medidas, cumpre destacar, já estão vigorando, como o financiamento público das campanhas e a cláusula de barreira. Mas será esse o caminho?
Uma das vozes dissonantes quanto à necessidade de uma reforma política ampla e profunda é a de Wanderley Guilherme dos Santos (Brasil, 1935-2019). Adepto de um “ceticismo moderado”, Santos pondera que o caráter oligárquico da organização social e política brasileira frequentemente enfraquece as instituições e busca limitar o acesso de novos atores às esferas de poder. Assim, a fragmentação das forças políticas não seria necessariamente um mal, mas um elemento inerente a uma ordem democrática ainda jovem, na qual o próprio eleitorado é bastante fragmentado. Santos advoga a tese de que a boa e velha competição política, típica das poliarquias, é sempre preferível aos arroubos do voluntarismo reformista, especialmente quando esse limita a liberdade dos atores políticos. Neste sentido, a criação de novas legendas, que seriam postas à prova pelo fluxo incessante de eleições livres e democráticas, representaria uma etapa necessária ao amadurecimento da democracia e das instituições políticas brasileiras, hoje frequentemente postas em cheque, como revelam as “sugestões” de intervenção do Executivo no STF e no próprio Congresso Nacional.
De fato, a polarização da política brasileira, expressa pela cisão entre bolsonaristas e partidários do ex-presidente Lula, parece convidar à moderação e à prudência. Se o sistema político deve mudar, que tais mudanças passem pelo crivo das instituições democráticas, particularmente o parlamento e as forças organizadas da sociedade civil, dentre as quais estão sindicatos, associações e instituições de ensino. Além disso, é imperativo que estejam submetidas ao sistema de freios e contrapesos previsto na Constituição. Só assim será possível galvanizar uma cultura cívica transformadora capaz de superar as desigualdades sociais e projetar o Brasil para um novo ciclo de desenvolvimento, com crescimento econômico, justiça social, tutela ambiental e estabilidade democrática. Um novo Brasil, no qual divergências não signifiquem inimizades e as diferenças, mais do que toleradas, sejam valorizadas e democraticamente respeitadas.
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*Lier Pires Ferreira é professor de Direito do Ibmec RJ