A Argentina vem ganhando o noticiário, de um lado, pela grave crise econômica que enfrenta e faz derreter sua moeda e, de outro, pelo número crescente de estrangeiros, que surfam na crise para viver alguns “dias de rico” no país.
Tamanha é a crise que a população local perdeu a referência dos preços internos de uma variedade de produtos desde a desvalorização oficial de 22% no câmbio do país determinada pelo Ministério da Economia, na última segunda-feira (14), que fixou a taxa em 350 pesos por dólar.
Desde então, o dólar blue (conhecido como ‘dólar azul’ ou dólar livre), a principal cotação paralela de câmbio, subiu cerca de 30% e rondou na quarta (16) em 800 pesos, fechando a 780. Isso tem motivado remarcações de preços de vários produtos e setores.
Para deter ao menos a variação muito acelerada nos produtos da cesta básica, o governo tem feito reuniões com entidades do varejo e do mercado atacadista e já propôs um acordo de controle chamado de Preço Justo, que pretende limitar os reajustes em 5% ao mês durante 90 dias. A contrapartida oferecida para as empresas é uma série de isenções de impostos e benefícios para as empresas que aderirem ao acordo.
O último dado oficial de inflação oficial mostrou que os preços subiram 6,3% em julho, chegando a 60,2% no ano e a 113,4% em 12 meses. E as últimas projeções do mercado apontam para um inflação de dois dígitos tanto em agosto como em setembro.
Já o turista que adentra a Argentina precisa ficar atento com as operações de câmbio, por causa de fraudes relacionadas às notas do peso, que podem chegar falsificadas ao bolso.
Essas ocorrências são mais frequentes nas operações do câmbio paralelo, com o conhecido dólar blue. Sem fiscalização, essas casas de câmbio são operadas por doleiros e cambistas nas ruas do país.
“O dólar blue é um índice de cotação que comercializa um dólar paralelo. É uma moeda não fiscalizada pelo Banco Central local. Em outras palavras é ilegal”, explica João Victor Patrocinio, especialista internacional do escritório de investimentos Blue3. “É uma cotação criada para fazer o dinheiro de transações ilícitas circular na economia”, completa o especialista.
Para não cair em ciladas, o InfoMoney buscou 7 respostas de especialistas sobre o dólar blue na Argentina, a partir de informações repassadas por João Victor Patrocinio, especialista em investimentos da Blue3; Mariano Carricat, advogado argentino especialista em Mercado de Capitais e sócio do BCCB Advogados; e Caio de Souza, sócio-fundador da Elev Investimentos. Confira:
1. O que é o dólar blue?
O dólar blue é uma cotação do dólar no mercado paralelo na Argentina. A negociação acontece de forma extraoficial, sem fiscalização e autorização do Banco Central do país.
O dólar tem as cotações oficiais como o dólar comercial, utilizado nas transações comerciais, e o dólar turismo, utilizado em viagens ou na compra de produtos importados, por exemplo. O dólar blue também é uma cotação, porém do mercado paralelo.
É uma forma de fazer o câmbio entre o peso e o dólar, ou peso e real. Neste momento, com o peso desvalorizado, quem tem dólar ou real em mãos tem mais poder de compra e consegue trocar por mais pesos.
O nome dólar blue é como o mercado paralelo de dólar é chamado na Argentina. Esse mercado secundário e não oficial também existe em outras economias.
2. Como é feita a cotação?
Por não ter uma fiscalização, o dólar blue é super volátil. A cotação varia conforme o negociado entre cambistas, doleiros e casas de câmbio não legalizadas. Na prática, isso significa que não há regras sobre a cotação, o que dificulta uma padronização.
Por isso, a cotação muda todos os dias.
“A diferença entre os tipos de cotação é que a taxa do dólar paralelo tem um spread cambial mais baixo que a do dólar oficial. Por isso, o consumidor pode ver uma vantagem em fazer o câmbio com o dólar blue. E varia conforme a demanda, que agora está alta. Então, mesmo o lucro do cambista sendo menor, ele ganha em volume”, explica Patrocinio.
3. Dólar blue é ilegal?
Sim. O dólar blue é ilegal porque não é regulado e nem fiscalizado pelo governo ou Banco Central local.
Na tentativa de reduzir essa comercialização do mercado paralelo, o governo argentino anunciou uma medida inusitada: o turista poderá trocar dólares por um câmbio mais próximo ao encontrado no mercado paralelo em casas de câmbio autorizadas e bancos, segundo matéria do jornal argentino Clarín. O valor máximo do câmbio será de US$ 5 mil.
O Instituto Nacional de Promoção Turística, órgão do governo argentino, mostra que nos últimos seis meses de 2022, comparado com o mesmo período pré-pandemia, em 2019, a recuperação de brasileiros por lá chegou em 65%. A expectativa é chegar em 100% dos turistas no território dos hermanos nos próximos meses na comparação com 2019.
4. O dinheiro negociado via dólar blue é falso?
Pode acontecer de o dinheiro nesta operação ser falso, e o turista ter dificuldade em utilizá-lo. Esse é o principal risco.
5. Da onde vem o dinheiro do dólar blue?
É difícil rastrear a origem do dinheiro comercializado via dólar blue, mas os especialistas explicam que, geralmente, está relacionado a algum tipo de crime.
“É um dinheiro proveniente de algo ilícito, como lavagem de dinheiro, sonegação, comércio de drogas e armas. A pessoa que compra não sabe a origem. É um mercado paralelo não oficial”, acrescenta Souza, da Elev Investimentos.
Muitas vezes as notas entram em circulação, e o próprio governo não consegue distinguir a origem do dinheiro. “É o dólar que entra na economia sem deixar rastros”, completa Souza.
6. Por que as pessoas compram?
Diante da crise econômica da Argentina, muita gente compra dólares para proteger o patrimônio, visto que o peso está em queda livre.
“As pessoas compram dólares porque é um refúgio, uma forma de preservar seu patrimônio em momento de muita inflação. Como o governo impõe limites para a compra de dólares no câmbio oficial, esse mercado paralelo ganha força”, diz Carricat.
Na Argentina, os cidadãos podem comprar até US$ 200 por mês em dinheiro. Se precisarem de uma quantia maior, devem buscar crédito. A medida, implementada em 2019, tem como objetivo frear a fuga de dólares e estancar a perda nas reservas do país.
Uma outra regra obriga os exportadores a converter dólares americanos em pesos argentinos no prazo de cinco dias após a transação. Diante das restrições e situação complicada na economia argentina, algumas empresas estão tentando driblar o Banco Central local usando até criptomoedas.
É o caso do clube argentino Banfield, que para receber o valor de venda de seu atleta Giuliano Galoppo, atual jogador do São Paulo, tentou contornar o governo, com o uso da stablecoin USD Coin (USDC) para fugir dessa conversão.
Já o turista tem aproveitado o câmbio mais barato para aumentar o poder de compra, como os brasileiros que estão vivendo ‘dias de rico’ em destinos argentinos.
7. Quais os riscos de comprar o dólar blue?
O turista que faz o câmbio, via dólar blue, corre o risco de lidar com notas falsas e ter problemas na hora de usar o dinheiro em compras e no pagamento de serviços.
Também corre o risco de se envolver, indiretamente, com o crime de lavagem de dinheiro, sonegação e outras ilegalidades, considerando que é uma operação ilegal. Quem é flagrado nessa situação pode sofrer as sanções previstas em lei e, até mesmo, ser preso, segundo Souza.
“Os bancos têm seus números de série, mas as pessoas comuns e pequenos estabelecimentos não sabem diferenciar as notas não registradas pelo Banco Central”, alerta o sócio da Elev.