“CMN mudar meta agora pode alterar expectativas e afetar a inflação corrente”, diz José Júlio Senna

Economista do FGV/Ibre vê como melhor caminho manter meta de 3% e só mexer no horizonte da meta a partir de 2026

Roberto de Lira

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Na próxima quinta-feira (29), acontece a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) que vai discutir mudanças no regime de metas de inflação, num momento considerado chave pelos analistas de mercado para uma reancoragem das expectativas de inflação. O economista José Júlio Senna, que chefia o Centro de Estudos Monetários do FGV/IBRE, diz em entrevista ao InfoMoney que o melhor caminho que o colegiado pode seguir nesse momento crítico de combate à inflação é manter a meta de 3% para 2024 e 2025 estipulada no ano passado.

Segundo Senna, que já foi diretor do Banco Central e é autor de livros sobre política monetária, é preciso aproveitar o momento econômico positivo para adotar medidas que permitam um ciclo sustentável de queda dos juros, sem alterações de rumo. Ele crê na possibilidade o CMN alongar o horizonte da meta para o modelo contínuo, saindo do atual ano-calendário, mas sugere que isso seja feito para o período de 2026 em diante, para permitir a adaptação do BC à mudança.

No entanto, ele é contrário à ampliação da margem de tolerância com o estouro da meta, hoje, em 1,5 ponto percentual, que traria um risco de a autoridade monetária mirar o teto da meta em momentos de estresse econômico. Para Senna, a meta de 3% não é exagerada ou ambiciosa, como se tem alegado. “Nunca chegamos lá porque nunca tentamos. No Brasil, a gente acredita que a tarefa de combater a inflação é exclusividade do BC. Mas é a tarefa do governo como um todo”, afirma.

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Veja a seguir, a entrevista completa com o economista:

O Conselho Monetário Nacional no dia 29 para discutir possíveis mudanças no regime de metas de inflação. Qual o risco de elevar a meta estipulada em 3% para 2024 e para os anos seguintes?

É um risco grande, especialmente nesse momento em que estamos no meio da guerra contra a inflação e quando se cogita começar a reduzir os juros. Pode alterar as expectativas de inflação e afetar a inflação corrente. A política monetária está funcionando, embora às vezes demore um pouco para aparecer o efeito, porque depende de outros fatores, como a política fiscal ou do ambiente macroeconômico e político. Estamos no 7º trimestre consecutivo de aperto monetário (o ciclo de alta começou em março de 2021). O juro real ex-ante, (ou swap 360, que é juro nominal de um ano descontando a inflação projetada para o mesmo horizonte de tempo), a conta que considero mais adequada, já estava em 6% no último trimestre de 2021 e agora está um pouco abaixo de 8%.

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Sob qual clima o Conselho vai se reunir?

Estamos vivendo um momento extraordinariamente positivo. No campo fiscal, a Câmara deu um empurrão, tornando o arcabouço mais firme. E o Banco Central não discute o arcabouço como os economistas fazem. Para ele, o que interessa e a reação pelos mercados, os efeitos que ele provoca nas expectativas, na curva de juros. E esse ambiente ficou mais calmo. O que a gente tem visto é uma redução importante dos juros mais longos e também do risco-Brasil: o CDS de 5 anos, que estava em mais de 240 caiu para menos de 190. Quando o risco se ajusta, tem impacto nos juros reais, que caíram quase 1 ponto percentual. A Bolsa subiu cerca de 20% e o câmbio melhorou. E veio a S&P ajudar (na semana passada, a agência de classificação de risco colocou a nota do Brasil em perspectiva positiva). A bola está quicando na pequena área, é só chutar.

Com esse quadro, qual sua expectativa para a reunião do CMN?

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Se chegar no dia 29 e confirmar a meta de 3%, no meu ver, é o melhor caminho para permitir um ciclo sustentável de queda dos juros. Acredito que tem uma probabilidade de manter os 3% e o horizonte deixar de ser o ano-calendário e passar para ser uma meta contínua, ou “all the time”, como dizem lá fora. Significa observar todo mês se a inflação de 12 meses está na meta. Mas precisa ser para 2026 em diante, para dar tempo ao BC para se ajustar. Sem mudanças para 2024 e 2025.

Também tem se falado muito em ampliar o intervalo de tolerância para o descumprimento da meta, hoje de 1,50 ponto percentual.

Em momentos em que é preciso reforçar a confiança do público com a meta de inflação, o que se faz é reduzir o intervalo e não aumentar. E isso foi feito antes. Em 2003, ainda nos primeiros anos do regime, o BC reduziu a meta de 5,5% para 4,5% e, no ano seguinte, quando achava que deveria reforçar a confiança, reduziu o intervalo de 2,50 p.p para 2,0 p.p.. E isso para os dois anos à frente.

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Qual o risco de alargar essa banda?

O problema de alargar muito o intervalo é que gera uma grande tentação para o formulador de política monetária de, num momento de inflação, mirar o teto do intervalo. Se aumenta para 2,0 p.p., por exemplo, ele pode mirar os 5%. Quem quer que os juros caiam, precisa entender que, para isso, a inflação precisa cair. E para a inflação cair, as expectativas de inflação têm que cair. É todo um conjunto de decisões que vai viabilizar a redução sustentável dos juros.

Também existe um questionamento de a meta de inflação de 3% é exagerada para uma economia como a nossa e que esse patamar nunca foi alcançado antes.

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Isso é mesmo muito repetido. Mas nunca chegamos lá porque nunca tentamos. No Brasil, a gente acredita que a tarefa de combater a inflação é exclusividade do BC. Mas é a tarefa do governo como um todo. Nunca vi uma autoridade de qualquer governo defender uma meta de inflação bem baixa, só os bancos centrais. Se a administração federal está preocupada com a população de baixa renda, a política do governo tem de ser buscar a inflação mais baixa possível. Pegando o conceito de mudança de preço relativo, quando se tem uma inflação muito elevada, um reajuste de preço de um produto não é sentido porque as pessoas perdem a referência. Ele é mais facilmente perceptível quando não tem essa realimentação no processo inflacionário. As empresas entendem melhor os mecanismos, assim como as famílias. Quanto mais baixa a inflação, melhor será o sistema econômico. Por isso que lá fora a expressão estabilidade de preços é mais usada do que inflação. O Powell (Jerome Powell, presidente do Fed) fala assim. A inflação é uma doença, um desequilíbrio. Por que se contentar em ter pouca doença? O melhor é não ter.

O atual processo inflacionário global é diferente daqueles do passado?

Essa inflação é de múltiplas origens. A pandemia atrapalhou o sistema produtivo do mundo inteiro. Afetou a atividade econômica e os produção e dificultou a distribuição dos bens, como no caso do transporte marítimo internacional, se lembrarmos das imagens dos gargalos nos portos. Sem poder se movimentar, as famílias deixaram de lado a compra de serviços e foram para os bens físicos, o que gerou escassez de oferta com pressão da demanda, afetando os preços. Essa demanda cresceu tanto por necessidade quanto por transferência. A pessoa não podia ir a um restaurante ou viajar e passou a consumir outras coisas. Para trabalhar em casa por exemplo, comprava um aparelho de ar-condicionado ou uma cadeira mais confortável. A demanda de bens explodiu. Teve um choque de oferta, ainda mais com impulso ainda das políticas macroeconômicas, de estímulos dos governos. Agora, estamos vendo a reversão desse choque, inclusive nos países mais desenvolvidos. Lá fora agora, a inflação de bens está 1%, muito baixa. No Brasil, pelos índices de preços industriais, puxados por commodities, está em cerca de 3%.

Como combater essa inflação, que começou nos bens e agora está concentrada nos serviços? Há muita discussão se ele é de oferta ou de demanda.

Em primeiro lugar, precisa combater as expectativas de inflação e essa variável você não consegue definir com precisão, não é um “animal” concreto. Quando se espera mais inflação à frente, a reação é mexer nos preços, na inflação de hoje, então tem que começar pelas expectativas, para arrancar essas raízes. E isso se faz com política monetária, tem que usar de qualquer maneira. A dúvida é qual a dose, a velocidade, quanto vai durar e quão fundo se vai. Os banqueiros têm que decidir isso. O Powell, por exemplo, mostrou que não quer forçar muito. Mas se no dia 29 o CMN mudar a meta de 2024 e 2025, prejudica as expectativas.