Combustíveis devem pressionar IPCA neste início do ano, dizem analistas

Reajuste que a Petrobras anunciou hoje e expectativa de recomposição de impostos levou a altas em projeções da inflação para o ano

Roberto de Lira

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O IPCA-15 de janeiro, de 0,55%, veio um pouco acima do esperado pelo mercado , o que coloca uma pressão de alta para a inflação oficial do mês, dizem os analistas em seus comentários sobre o indicador. Eles acrescentam ainda que, embora núcleos tenham continuado a apresentar tendência de queda em termos anualizados (de 9,11% em dezembro para 8,71% em janeiro), os preços dos combustíveis devem influenciar o IPCA em 2023, especialmente no primeiro semestre. Algumas casas já elevaram suas projeções devido ao reajuste da gasolina anunciado hoje.

Gustavo Sung, economista chefe da Suno Research, analisou que, apesar de alguns sinais de alerta em certos grupos e itens, a inflação anunciada hoje veio dentro do esperado. A variação positiva no mês é explicada, segundo ele, principalmente, pelos grupos de Saúde e cuidados pessoais (+1,1%) e Alimentação e bebidas (+0,55%).

O índice de difusão, que mostra o porcentual de itens que aumentaram de preços no mês, voltou a crescer em janeiro, de 65,7% parai 67,0 e todos os nove grupos de produtos e serviços pesquisados tiveram alta no primeiro mês do ano, destacou Jung.

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Para ele, 2023 mostrará pressão de alta vinda da volta dos impostos federais sobre combustíveis, da possível piora do cenário fiscal, do aumento do prêmio de risco e elevação das expectativas. Pelo lado baixista, há perspectivas de reorganização das cadeias globais e boas safras.

“Caso o cenário comece a se deteriorar, ou seja, novos ruídos na esfera política, dificuldade na discussão sobre o novo arcabouço fiscal, elevação de gastos públicos e seus efeitos indiretos sobre a atividade econômica e desvalorização cambial, as expectativas de inflação podem começar a subir de forma relevante. Neste caso, o Banco Central pode demorar mais para realizar cortes na taxa de juros, comentou o economista da Suno.

O Itaú BBA também analisou, em relatório assinado por Julia Gottlieb, Julia Passabom e Luciana Rabelo, que as surpresas de alta veio nas variações de preços de passagem aérea , combo de telefonia, internet e tv por assinatura e de emplacamentos de veículos pressionam para cima o IPCA de janeiro e do ano.

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Mas a inflação subjacente, por outro lado, veio ligeiramente abaixo do esperado, tanto na parte de bens (roupas e mobiliário), quanto na parte de serviços (aluguel residencial). “O núcleo subjacente para serviços e industriais seguiu desacelerando dos picos recentes, com dinâmica de industriais perdendo força e serviços confirmando que já fizeram pico, embora o grupo seja mais inercial e sua desinflação seja mais lenta”, afirmaram.

Segundo o Itaú BBA, o viés altista para a projeção do ano, atualmente em 5,8%, é de aproximadamente 0,15 p.p. Outro viés de alta para projeção do ano é o reajuste do preço da gasolina na refinaria anunciado hoje pela Petrobrás, o que adiciona impacto de cerca de 0,20 p.p. na projeção para fevereiro.

Para o Banco Original, apesar da desinflação mais lenta da alimentação no domicílio e da herança da recomposição dos preços de higiene pessoal e planos de saúde que o indicador mostrou hoje, existe uma expectativa de que altas de passagem aérea, TV por assinatura  e telefonia possam se dissipar nos próximos meses.

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Para o banco, a inflação de serviços gerais segue cedendo e os núcleos também mantém um ritmo bem-comportado no tempo. “No geral, entendemos que o desempenho dos núcleos conversa com nossa visão de que o IPCA terá dois atos este ano: no 1º semestre o índice arrefecendo (chegando a 3,4% em junho), mas a partir do 2º semestre apresenta uma recomposição de altas atreladas aos atos federais (como reajuste de ICMS)”, mostrou a análise do Original. “Nossas projeções iniciais apontam uma alta de 0,60% para o IPCA cheio de janeiro, equivalente a 5,80% em 12 meses”, previu.

Laura Moraes, economista da Neo Investimentos, comentou que deve ser observadas à frente  uma normalização da inflação de bens industriais, devido à queda nos preços de commodities metálicas em relação ao pico do ano passado, aos estoques se normalizando e à política monetária atuando para desaquecer a demanda sobretudo de bens duráveis. Isso contando ainda com o processo de desinflação global.

“No entanto, o setor de serviços deve continuar rodando neste patamar por um período mais prolongado, uma vez que o mercado de trabalho continua forte. Para 2023, espera-se uma alta significativa em itens que chamamos de monitorados, devido à volta de impostos.”

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Revisões

Andressa Durão, economista da ASA Investments, afirmou que a alta dos itens de emplacamento de licença deve levar a uma revisão da estimativa do IPCA para o ano, dos atuais 5,8% para 6%.

Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital, também considerou que a divulgação de hoje trouxe algumas novidades que afetam as projeções do IPCA para o ano. “Considerando algumas mudanças marginais em nossas estimativas, nossa projeção hoje para 2023 é de 6,30%, vindo de 5,8%”, afirmou.

“De maneira geral, a abertura da inflação segue com perfil mais benigno, e a desaceleração da inflação anual de serviços tem sido mais intensa. Por outro lado, a expectativa de inflação para o ano foi revisada para cima, pelo grupo Transportes e o reajuste de gasolina. Em momento de desancoragem das expectativas, não são boas notícias”, afirmou.

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O BTG Pactual, por sua vez, comentou o cenário de inflação para o ano segue desafiador, a despeito da melhora na dinâmica inflacionária nas últimas leituras. “A recomposição dos impostos federais sobre combustíveis é o principal vetor altista dado seu significativo impacto em nossa projeção para o ano”, afirmou em sua análise.

Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital deu destaque para a evolução dos preços administrados. “Com a inexistência de reajustes sobre o transporte público em cidades importantes, como é o caso de São Paulo, de todas as cidades da região Sul e da região Nordeste, os poucos movimentos de alta foram significativamente suavizados porque impactaram uma fração relativamente pequena do IPCA”, comentou.

Para ela, os movimentos que pressionaram o indicador em janeiro foram motivados por movimentos sazonais, que tendem a ser revertidos rapidamente. “É o caso de itens presenteáveis, como perfumes e produtos para a pele. Em suma, a característica da inflação é melhor do que a magnitude do IPCA-15 sugere neste momento”, ponderou.

Pontos de atenção

O relatório do Goldman Sachs sobre o IPCA-15 afirmou que a inflação dos serviços foi superior à estimada no mês devido à impressão muito acima do esperado nas telecomunicações, mas que os serviços core surpreenderam positivamente. “A inflação entre os bens industriais se firmou em relação a dezembro, mas abaixo do esperado.”

O banco de investimentos acredita que o combustível veicular (item com peso de 5,7% no IPCA) passou a ter uma contribuição negativa significativa para a inflação plena anual após grandes reduções de impostos sobre combustíveis e cortes significativos no preço da gasolina no segundo semestre de 022.

“No geral, a dinâmica da inflação subjacente ainda é desafiadora, dadas as pressões ainda disseminadas sobre a inflação básica e de serviços em um cenário de aperto no mercado de trabalho, a expectativa de deterioração do mix de políticas macro e micro e uma expansão fiscal considerável em 2023 e uma tendência ascendente renovada das expectativas de inflação até 2025”, afirmou o Goldman Sachs.

Rafaela Vitória, economista chefe do Banco Inter, escreveu em sua conta no Twitter que a inflação corrente mostra sinais de desaceleração, ainda que lenta, e não deve ser preocupação para o Copom da semana que vem. “A desancoragem das expectativas com anúncios de mais gastos fiscais e parafiscais e o debate sobre a meta geram mais incerteza sobre o rumo da política monetária”, afirmou.