Cúpula dos BRICS na África do Sul tenta retomar força geopolítica do grupo

Proposta de expandir número de países deve ser tratada, mas há dúvidas sobre algum anúncio formal na reunião de Johanesburgo

Roberto de Lira

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A 15ª Cúpula dos BRICS, marcada para os dias 23 e 24 de agosto em Johanesburgo acontece num momento no qual os países do grupo (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) decidiram reforçar o papel de rebalanceamento do poder hegemônico global, que tem ficado num segundo plano desde 2014. Segundo especialistas, vem daí o fortalecimento de propostas como a de expansão do número de países integrantes e até da criação de uma moeda de reserva comum.

O grupo, na verdade, evoluiu muito desde o início dos anos 2000, quando o economista britânico Jim O’Neill, então no Goldman Sachs, destacou a emergência das economias dos quatro primeiro fundadores sob o acrônimo BRIC. O sul-africanos só passaram a integrar o bloco em 2009.

Ana Saggioro Garcia, professora de Relações Internacionais e coordenadora-geral do BRICS Policy Center da PUC-Rio, destaca que o BRICS começou como um grupo com uma agenda econômica comum e evoluiu para um bloco com um peso mais geopolítico.

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“Qual era a agenda econômica naquele início? Era precisamente a reforma das instituições financeiras multilaterais, de dizer que eram economias com peso muito relevante, mas sem a representação correspondente nas instituições financeiras de Bretton-Woods”, define, lembrando de organismos como o FMI e o Banco Mundial.

Marcada para começar em 23 de agosto, na África do Sul, a próxima reunião de cúpula pode tanto reforçar como  ameaçar o protagonismo do Brasil no bloco, formado com Rússia, Índia, China e o país anfitrião. Mais de 20 nações já manifestaram interesse em entrar no clube de cooperação econômica dos países emergentes com as melhores taxas de crescimento econômico em escala mundial.

Tal força não pode ser subestimada. Os dados mais recentes apontam que os cinco países representam 42% da população mundial, ocupando 30% do território do planeta e totalizando  23% do produto interno bruto (PIB) e 18% do comércio global.

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É natural, portanto, que as economias agregadas desejem se contrapor ao que se considera o grupo hegemônico do “Ocidente”, sob a liderança dos Estados Unidos e a Europa, agregando aí Japão. A alternativa passa a ter ainda mais importância num momento que os americanos têm adotado uma política de contenção tecnológica da China e quando a Rússia sofre fortes sanções econômicas desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Niu Haibin, chefe da área de política externa dos Instituto de Estudos Internacionais de Xangai, disse nesta semana à agência de notícias Tass que os países BRICS estão, de certa forma, atuando como uma força motriz, ou melhor, uma nova força emergente, para a reforma da ordem internacional existente e a governança global.

Essa nova força tem aspirações de reformar a ordem representada por FMI, Banco Mundial e Otan. No entanto,  o especialista reconheceu que uma mudança nesse nível levará muito tempo, o que pode levar o BRICS a cumprir mais um papel de mecanismo complementar à ordem internacional existente.

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“A atual influência dos países do BRICS ainda reside no fato de que eles servem como uma nova força para promover reformas, mas não são algo que possa minar ou substituir a ordem internacional”, destaca.

Ampliar o número de países integrantes seria uma maneira de acelerar essa transformação. E há muitos interessados. Na quinta-feira, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil conformou que 22 países já manifestaram formalmente interesse em integrar o BRICS.

Isso só comprova como o grupo se tornou uma espécie de imã para países em desenvolvimento com problemas de acesso ou mesmo lugar de voz nos organismo internacionais, segundo Ana Saggioro.

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“O BRICS se tornou esse polo de atração, seja ideológico, seja econômico. Obviamente (a expansão) é uma política muito interessante para a China e hoje, gradativamente, também para a Rússia, que vê na expansão de suas zonas de influência cada vez mais amplas e representativas um ‘asset’ de poder”, comenta a coordenadora da PUC-Rio.

Ela comenta que a linha do novo governo brasileiro, que visa a maior relevância do grupo em termos políticos no médio e longo prazos, passou a defender o fortalecimento dos BRICS como algo muito importante para um melhor balanceamento de poder no sistema internacional nesse mundo mais multipolar.

Isso pode ser comprovado em declarações e entrevistas tanto do presidente Luiz Inacio Lula da Silva como do assessor de assuntos internacionais  do verno, Celso Amorim.

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Mas há problemas do ponto de vista operacional nessa expansão, até porque os critérios ainda não foram estabelecidos. “Se não conseguem um consenso hoje com cinco países, quiçá ingressando outros, que virão com outras questões, novos problemas e outras linhas”, pondera a professora.

Pegando o exemplo de dois países que já fizeram pedidos formais, ficam mais claros esses desafios. A Argentina, por exemplo, passa por uma crise econômica, após ter praticado sucessivos “defaults” em sua dívida e está com acesso ao mercado internacional e ao crédito em dólar limitado. E o Irã, que que sofre sanções econômicas pesadas pelos Estados Unidos, tem ainda restrições à participação de mulheres na sociedade e notórios episódios de violência de gênero, por exemplo.

Nesta semana, em entrevista ao jornal Correio Braziliense, o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa colocou outro risco na conta, que a diluição do papel do Brasil dentro do grupo. “Se você coloca cinco, 10, 15 países a mais, esvazia totalmente a posição do Brasil e vai aceitar a inclusão de países que são muito próximos da Rússia ou da China”, afirmou.

Haibin, o especialista chinês, disse à agência Tass acreditar que a cúpula vai buscar um equilíbrio, uma vez que há interesse os BRICS em ampliar sua representatividade no Sul Global, mas também há um reconhecimento de que é preciso ponderar a potencial contribuição de cada novo país para a associação.

Ana Saggioro acredita que o mais provável é que o documento final da cúpula vai declarar a ideia de que é importante a entrada desses novos membros que postularam formalmente a adesão, mas que vai iniciar uma negociação para estabelecer os critérios, os tempos e o processo de adesão. “Acho que isso vai ser o mais provável do que a adesão imediata”, prevê.

Moeda R5

Sobre a proposta de criação de uma nova moeda de reserva baseada em uma cesta de moedas dos países do BRICS, o processo pode ser ainda mais lento, dada a complexidade da operação. A ideia vem desde 2018 e foi formulada pelo “think tank” russo Valdai Club.

A sugestão, também inserida no contexto de combate à hegemonia econômica ocidental (nesse caso representada pelo dólar) é criar uma cesta de moedas do tipo SDR composta pelas moedas nacionais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que o Valdai Club batizou de R5, usando as letras iniciais das moedas locais, todas começando com a letra “r” (real, rublo, rúpia, renminbi e rand).

Porta-vozes oficiais dos países do grupo, no entanto, já disseram que a propostas não está na agenda oficial da reunião, embora exista a intenção de reduzir a presença do dólar norte-americano nas transações dentro bloco.

A desdolarização deve continuar portanto como um tema mais acadêmico. A posição do dólar na economia global é mais do que dominante. Segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), o dólar está envolvido em quase 90% das transações cambiais no mundo, as chamadas Forex, ou FX.