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Quando o então presidente do Banco Mundial, Robert McNamara, em abril de 1972, criticou a desigualdade brasileira, o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici achou que deveria responder.
Era o auge da ditadura militar, que desmantelara a oposição, interviera em sindicatos e proibira greves. O escolhido para a missão foi o economista Carlos Langoni, que trabalharia no governo na virada das décadas de 1970 e 1980, quando foi presidente do Banco Central (BC), e voltaria a colaborar com a equipe econômica do ministro Paulo Guedes, quase 40 anos depois. Aos 76 anos, Langoni morreu neste domingo, 13, vítima da covid-19, no hospital Copa Star, no Rio, onde estava internado.
Para fazer a crítica à desigualdade no Brasil, McNamara se baseara em artigo do brasilianista norte-americano Albert Fishlow, “Brazilian size distribution of income”. O trabalho apontou na política econômica dos governos desde Castello Branco o motivo do crescente abismo social. De 1964 a 1967, descontada a inflação, o salário mínimo recuara 20%. O então ministro da Fazenda, Delfim Netto, encarregou a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP), da réplica. Langoni trabalhava na instituição e assumiu a tarefa aos 28 anos.
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Sob a ótica do regime, a escolha de Langoni, considerado um profissional brilhante, foi perfeita. Dois anos antes, ele obtivera seu doutorado na Universidade de Chicago, centro de economistas ultraliberais, com a tese “The Sources of Brazilian Economic Growth”. No trabalho, investigou a relação entre educação e economia. Calculou o retorno do investimento em escolas fundamentais, médias e superiores.
Estava aí a “base” da resposta que Langoni elaboraria para contestar o Banco Mundial. A desigualdade brasileira, argumentou, era estrutural, ligada à educação. Com o crescimento econômico, a demanda por trabalhadores qualificados tinha crescido muito mais do que pelos mal instruídos. O aumento na participação de trabalhadores com mais anos de estudo na força de trabalho gerara a desigualdade. Essas conclusões seriam contestadas por economistas de oposição. Não aceitaram que toda a desigualdade brasileira se devesse apenas à falta de boa escola.
Langoni, porém, abria seu caminho. Economista jovem e estrelado, com título em universidade americana, alinhado às teses ortodoxas, tinha o perfil de “tecnocrata”. Na época, a associação de técnicos com bom preparo a grandes empresas multinacionais, empresários locais e militares ajudava o País a crescer a taxas de até dois dígitos e inflação sob controle e relativamente baixa (para padrões brasileiros da época), de 1967 a 1973. Empréstimos estrangeiros a juros baixos garantiam o fluxo de capital para sustentar o “Milagre Brasileiro”, como orgulhosamente os apoiadores do governo militar chamaram o período.
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A festança desandaria em 1973, no primeiro choque do petróleo, e acabaria de vez no segundo, em 1979. Depois, veio a crise da dívida externa e a década perdida – a primeira.
O economista, contudo, passou aqueles anos longe do poder – na academia. Depois de três anos na Fipe, foi dar aulas na Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio. Foi subdiretor técnico da EPGE em 1972 e 1973. A partir de então – tinha apenas 29 anos quando assumiu o cargo – foi diretor da instituição. Ficou no posto até 1979.
Origens
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Carlos Geraldo Langoni era fluminense de Nova Friburgo, na Região Serrana, onde nasceu em 24 de julho de 1944. Estudou com bolsa no Colégio Nova Friburgo, projeto da FGV. Nos anos 60 do século passado, ingressou na Faculdade Nacional de Economia, no câmpus da Praia Vermelha, do que hoje é a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ali se formou em 1966.
No ano seguinte, Langoni cursou programação e planejamento econômico no Centro de Treinamento para o Desenvolvimento Econômico Social (Cendec) do Ministério do Planejamento. A orientação do curso era liberal. Um acordo com Fundação Ford para que alguns alunos do Cedec pudessem estudar na Universidade de Chicago ajudou. Foi assim que Langoni conseguiu uma bolsa para se doutorar em economia nos EUA. Teria sido o primeiro brasileiro a obter o título instituição americana, à qual foi ligado Milton Friedman (1912-2006).
De volta ao Brasil, Langoni foi convidado para trabalhar no Fipe/USP, onde estava quando respondeu às críticas de McNamarra. Lá estruturou o programa de pós-graduação e a Revista de Estudos Econômicos.
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Em 1979, Langoni foi chamado pelo então presidente do BC, Ernane Galvêas, para assumir a Diretoria da Área Bancária da instituição. Criou o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), que assegurava a liquidação virtual de transações com títulos públicos. Eram papéis virtuais, pela primeira vez no Brasil. Assim surgiu a taxa Selic.
Quando Galvêas foi nomeado ministro da Fazenda, em janeiro de 1980, Langoni o substituiu na presidência do BC. Aos 35 anos, foi o mais jovem ocupante do cargo da história. Como presidente do Banco Central, tornou-se membro do Conselho Monetário Nacional e do Conselho Nacional de Comércio Exterior (Concex). Também foi representante do Brasil, como governador suplente, no Fundo Monetário Internacional (FMI). Deixou o cargo, por divergências, em 5 de setembro de 1983.
Fora do BC, voltou à FGV do Rio, onde criou o Centro de Economia Mundial (CEM/FGV), para debater a abertura da economia brasileira e a globalização. Também foi CEO do NM Rothschild no Brasil entre 1989 e 1997. Manteve o cargo como diretor do CEM até voltar a flertar com o governo, ainda na transição entre os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro.
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Langoni foi professor de Paulo Guedes e fazia parte do grupo apelidado pelo próprio ministro de “Chicago oldies”. É num jogo de palavras com os “Chicago boys”, como ficou conhecido o time de jovens economistas liberais egressos da Universidade de Chicago que trabalhou nas reformas da política econômica do Chile durante a ditadura de Augusto Pinochet, berço das políticas neoliberais. Mais de uma vez, em eventos públicos no Rio, Langoni disse que preferia a alcunha de “Chicago grandfather”.
Menos envolvido na elaboração do programa coordenado por Guedes desde a virada de 2017 para 2018, Langoni resistiu a aceitar um cargo no governo. Em 2019, ganhou status de assessor informal. Marcava presença constante em reuniões na sede do MInistério da Economia no Rio, onde, antes da pandemia, o ministro despachava toda sexta-feira. Deu as primeiras ideias para reformar o setor de gás. No fim de 2019, foi indicado por Guedes como assessor para o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as economias mais desenvolvidas. Até adoecer, acumulava a função com o cargo de diretor do CEM da FGV.