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No dia 24 de fevereiro completa-se um ano desde que o presidente russo Vladimir Putin autorizou bombardeios sobre a Ucrânia e deu início a uma invasão militar do país vizinho. Além do custo humanitário e de vidas perdidas que o conflito trouxe desde então, a economia global foi profundamente modificada devido aos impactos sobre custos e preços por quebras de várias cadeias de suprimentos. Só em termos de perda de riqueza global com o conflito (calculada pela piora nas projeções do PIB), a OCDE estima que a guerra consumirá US$ 2,8 trilhões até o fim de 2023.
Pelas projeções da organização, em apenas um ano, as perspectivas de crescimento para 2022 caíram de 3,9% para 1,5%, enquanto as de 2023 recuaram de 2,5% para 0,8%. Ao mesmo tempo, a estimativa para a inflação global foi revista em alta, passando de 4,4% para 9,3% em 2022, e de 3,1% para 6,8% em 2023.
Quando apresentou essas estimativas, o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, disse que a agressão russa era a responsável direta pela perda de impulso do PIB global, após o ensaio de recuperação com o recuo da pandemia.
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“As pressões inflacionárias que já estavam presentes quando a economia global emergiu da pandemia foram severamente agravadas pela guerra. Isso impulsionou ainda mais o aumento dos preços da energia e dos alimentos, que agora ameaçam os padrões de vida das pessoas em todo o mundo”.
Não é exagerado afirmar que todas as piores previsões econômicas sobre os efeitos da guerra se concretizaram. Os preços das commodities, que estavam em tendência de estabilização, voltaram a subir.
Com isso, os preços de energia e alimentos avançaram em todo o mundo, pressionado índices de inflação e levando bancos centrais a elevar a carga de juros, com impactos na atividade que estão sendo sentidos apenas agora. O comércio global foi atingido e os mercados financeiros ganharam outra dose de volatilidade.
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Inflação
Os efeitos do conflito na inflação são os mais fáceis de serem percebidos. Altamente dependente do gás vindo da Rússia, a Europa sofreu com os cortes de abastecimento usados como retaliação às sanções impostas ao regime de Putin.
A taxa de inflação ao consumidor (CPI) acumulou altas constantes e chegou a bater em 10,6% anualizados em outubro na zona do euro e em 11,5% na União Europeia. Os preços de energia na época estavam 41,5% mais altos que um ano antes.
As cotações do petróleo internacional chegaram a alcançar os US$ 120 por barril em junho. O galão de gasolina nos Estados Unidos atingiu os US$ 5 pela primeira vez e a administração de Joe Biden se viu obrigada a fazer uma série de reduções na Reserva Estratégica de Petróleo do país, medida pouco comum até em períodos de crise.
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Mas foi na Europa que a inflação da energia mostrou seu custo mais forte. A Rússia era o principal fornecedor para a União Europeia de petróleo (27% das importações, dados de 2019), carvão (47%) e gás (41%). Petróleo e carvão não precisam de infraestrutura especial para serem entregues ao mercado, pois podem ser colocados em um barco e enviados para onde houver comprador. O gás, no entanto, é crítico porque o comércio depende da infraestrutura, o que significa que nem o fornecedor nem o comprador podem diversificar sem problemas.
Segundo dados do FMI, o consumo de gás natural da UE era de cerca de 400 bilhões de metros cúbicos por ano até antes da guerra e a produção local mal passava de 10% disso. As importações de GNL de vários países supriam cerca de 70 bilhões de metros cúbicos dessa demanda. Dos 285 bilhões de metros cúbicos de gás restantes, importados por gasodutos, 41% vinham da Rússia.
Após a adoção de sanções econômicas contra a Rússia, esse fornecimento experimentou cortes que chegaram a 80% do total durante a primavera e o verão de 2022, fazendo os preços explodirem dentro do bloco. Os preços do gás por megawatt/hora (MWh) no mercado referência holandês (TTF) chegaram a alcançar 342 euros em agosto, de um patamar em torno de € 70 antes da guerra.
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Medidas emergenciais
O custo de vida foi às alturas em toda a Europa, o que obrigou a Comissão Europeia a anunciar em maio um ambicioso plano de longo prazo batizado de REPowerEU, para reduzir significativamente a dependência de combustíveis fósseis russos e acelerar a transição energética. As regras básicas são economia de energia, diversificação da oferta, substituição mais rápida de combustíveis fósseis acelerando a transição para energias limpas no continente e combinação de investimentos e reformas.
Enquanto esses investimentos não trazem seus resultados, os países se viram obrigados a lançar mão de programas de auxílio às famílias e empresas para uma travessia menos turbulenta até a estabilização dos preços. Segundo o “think tank” Bruegel, os governos locais já aportaram o equivalente a € 792 bilhões (cerca de US$ 844 bilhões) em programas de proteção aos consumidores de energia no continente.
Só na União Europeia, foram gastos € 681 bilhões, dos quais € 268 bilhões foram dispendidos apenas na Alemanha, um dos países mais expostos à Rússia. O Reino Unido, por sua vez, gastou € 103 bilhões em diferentes políticas para mitigar a alta de preços.
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Choque nos alimentos
Além da alta da energia, impacto que começa a agora a se dissipar, o conflito ainda foi responsável por uma aceleração nos preços dos alimentos. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), o seu índice de preços dos alimentos, que acompanha a variação dos valores internacionais de uma cesta de produtos básicos, atingiu o patamar de 143,7 pontos em média em 2022, 14,3% maior que o valor médio de 2021.
Em janeiro de 2023, esse índice já mostrou uma queda, para uma média de 131,2 pontos, mas o subíndice de cereais ainda está quase 5% mais alto do que há um ano.
Um relatório recente da OCDE, apontou que os preços das commodities agrícolas são a maior preocupação quando se analisa os efeitos globais da guerra, particularmente as cotações do trigo, uma vez que Rússia e Ucrânia são dois dos maiores exportadores desse tipo de grão. Lembrando que, devido às secas no Canadá em 2021, antes da guerra os preços do trigo já estavam aproximadamente 30% acima do final de 2019.
Os preços do óleo vegetal também aumentaram desde março de 2022, devido a interrupções no transporte da região do Mar Negro. Rússia e Ucrânia também são os principais players no mercado de óleo de girassol – juntos, respondem por aproximadamente 60% da produção global e cerca de 80% das exportações.
As commodities metálicas não escaparam desses impactos e isso valeu tanto para os metais básicos, como cobre, minério de ferro e estanho, como para os preços de outros metais como alumínio, níquel e zinco, que subiram acima dos níveis pré-pandêmicos. A Rússia é um produtor substancial dessas matérias-primas. Mesmo com a redução dos valores nos patamares mais altos, ainda há incerteza sobre o fornecimento futuro dessas mercadorias.
América Latina e Caribe
Os países da América Latina e do Caribe também têm experimentado uma deterioração das expectativas econômicas com esse quadro internacional tão desafiador. Em 2022, custos de empréstimos mais elevados, juntamente com fluxos de capitais mais baixos, restringiram o crescimento do crédito, aumentaram a volatilidade financeira e limitaram o investimento na região.
Com a alta da inflação, a política monetária dos bancos centrais ficou mais restritiva, com impacto mais forte previsto para 2023, quando o incremento das taxas de juros deve cobrar seu preço na atividade.
Segundo um relatório de janeiro da Organização das Nações Unidas (ONU), o crescimento do PIB regional deve desacelerar 1,4%neste ano, após uma expansão estimada de 3,8% em 2022.
A ONU ainda alertou que os riscos negativos podem piorar caso a recuperação da China atrase um pouco mais e Europa e Estados Unidos atinjam algum grau de recessão por um tempo maior que o esperado. Com isso, as exportações e os fluxos financeiros para a América Latina e o Caribe vão reduzir ainda mais.
Brasil
No Brasil, em particular, a previsão é que o PIB desacelere para 0,9% em 2023 – estimativa que está em linha com a da maior parte das casas de análises. O País sofreu muito com a volatilidade dos preços internacionais no ano passado, com a inflação batendo nos 12% em abril e recuando gradativamente até fechar em 5,79% no final de 2022, acima da meta do Banco Central.
Importante citar que parte da queda da inflação é atribuída à redução de impostos sobre os preços administrados, política que começou a ser revista pelo novo governo.
No auge da oscilação dos preços de petróleo, o ex-presidente Bolsonaro demitiu dois presidentes da Petrobras, Joaquim Luna e Silva, em março, e José Mauro Ferreira Coelho, em junho, após reajustes de preços nas refinarias. O Brasil adota desde a gestão Temer a política de Preço de Paridade de Importação (PPI), seguindo as cotações internacionais.
A política restritiva do BC, que elevou sua taxa básica de juros para 13,75% tem outros efeitos além da perda de potência da atividade. No Brasil, o crescimento do crédito caiu de 16,3% em 2021 para 14,2% em 2022. E deve recuar ainda mais para 8,2% em 2023, segundo projeções oficiais.
Outro impacto particularmente grande é a despesa do setor público com os juros da dívida, que chegou a quase R$ 590 bilhões em 2022 e pode passar de R$ 770 bilhões em 2023, de acordo com projeções de mercado.
Crise humanitária
Além das contas financeiras da crise, é preciso também contabilizar o impacto humanitário da invasão russa à Ucrânia. Os números não são precisos, mas as forças russas podem ter perdido cerca de 100 mil combatentes entre mortos e feridos, números similares aos do lado ucraniano. Os civis mortos no conflito podem ter passado de 40 mil.
Segundo cálculos da ONU, 17,7 milhões de pessoas foram diretamente afetadas no país, sendo que mais de 3 milhões estão em áreas já controladas pelo exército russo, o que dificulta os programas de ajuda. São cerca de 7,9 milhões de refugiados (perto de 1 milhão atravessaram a fronteira pela Polônia) e 5,9 milhões tiveram que se deslocar internamente, fugindo das áreas de combate mais intensas.