Inflação de serviços ainda pressiona CPI e fortalece discurso de cautela do Fed, dizem analistas

Especialistas esperam nova alta de 25 pontos na reunião do Fed em março, mas não há consenso sobre a decisão a ser tomada maio

Roberto de Lira

Publicidade

Embora a variação de 0,5% no índice de preços ao consumidos (CPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos em janeiro tenha vindo dentro das estimativas do mercado, a percepção dos analistas é que o processo de desinflação está mais lento que o desejado, dando ao Federal Reserve justificativas para adiar o final do ciclo de alta de juros, ou mesmo o início dos cortes. O principal motivo é a inflação de serviços ainda alta, pressionada por um mercado de trabalho aquecido.

Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, afirma que a inflação americana está demorando a ceder. A taxa mensal ficou em 0,5%, após altas mais modestas, de 0,2% em novembro e de 0,1% em dezembro. E o núcleo do índice, que exclui alimentos e energia, também permanece em patamar elevado (5,6% em 12 meses), bem distante da meta de 2% ao ano do Banco Central americano.

“O principal motor de pressão para a inflação americana vem do setor de serviços que continua sendo puxado por um mercado de trabalho aquecido que tende a elevar salários acima da produtividade”, comentou.

Continua depois da publicidade

Claudia também citou que os aluguéis também continuam a pesar no CPI, embora exista uma expectativa de que devam começar a ceder à frente, já que acompanham com alguma defasagem preços de imóveis, que estão em queda. Já a inflação de bens está baixa, refletindo a reorganização das cadeias globais de produção e a queda dos preços das commodities no mercado global.

Por conta dessa pressão nos preços dos serviços, a projeção do C6 Bank é que o Fed deva promover mais dois aumentos consecutivos de 25 pontos-base nas taxas de juros nas próximas reuniões do comitê de política monetária (Fomc, na sigla em inglês).

“Em nossa visão, a taxa de juros deve alcançar um pico de 5,1% neste ano, ficando em patamar elevado por um longo período. O ciclo de corte de juros não deve começar antes de meados de 2024”, disse a economista.

Continua depois da publicidade

Victor Candido, economista-chefe da RPS, destacou que os dados de hoje não trouxeram grandes surpresas, com alguma aceleração nos preços da energia, por conta de aumento na gasolina, mas com estabilidade no núcleo de serviços que exclui habitação.

“Ainda é uma inflação alta, rodando nos 6% em 12 meses e bem distante dos 2% (meta perseguida pelo FEd), mas é uma inflação que não surpreende e que pode ajudar na continuação das discussões se vai diminuir o pace (ritmo de aperto) ou não”, comentou.

André Kitahara, gestor de área macro da AZ Quest, viu com preocupação o núcleo da inflação em janeiro ter ficado em 0,40%. “É um nível de inflação alto para o core e não tem caído de uma forma muito lenta”, disse.

Continua depois da publicidade

Dinâmica da inflação

Francisco Nobre, economista da XP, também deu destaque à contribuição para o índice do mês da alta dos preços da gasolina (+2,44% na comparação mensal). A inflação geral de energia aumentou 1,97% no mês, lembrou, levando a variação em 12 meses de 7,31% para 8,70% – embora ainda tenha ficado significativamente abaixo do pico de 41,6% anuais observado em julho de 2022.

Outro ponto destacado no CPI foi a inflação de alimentos, que ainda aumentou 0,51 % no mês, levando a variação anual para 10,13%. “A inflação de alimentos não desacelerou como esperávamos, embora acreditemos que isso se refletirá na impressão de fevereiro”, comentou Nobre.

O economista da XP ao núcleo de inflação dos principais serviços, que atualmente é a principal preocupação do Fed. Ele registrou 0,55% no mês, com a inflação de 12 meses passando de 7,05% para 7,16%.

Continua depois da publicidade

Nobre deu especial atenção ao índice de aluguel equivalente dos proprietários (OER), que pesou sobre o índice CPI em janeiro, com a alta de 0,67% no mês (acima das expectativas). A inflação anual dessa classe subiu de 7,53% para 7,76%, acrescentando cerca de 5 pontos-base à inflação plena.

Mas ele fez algumas ponderações sobre o comportamento futuro desses preços. “Há uma defasagem considerável no índice OER, e os indicadores de alta frequência sugerem que os preços dos aluguéis já caíram consideravelmente em meio ao enfraquecimento do mercado imobiliário”, afirmou.

Para Nobre, o processo desinflacionário avançará bastante, principalmente no primeiro semestre de 2023. O motivo é que, no primeiro semestre do ano passado, as variações mensais da inflação cheia foram em média de 0,81% (10,10% anualizado) ante uma média de 0,24 % mensais no segundo semestre (2,91% anualizado).

Continua depois da publicidade

“Isso significa que, à medida que o ano avança e os altíssimos números da inflação não são mais considerados, a inflação anual continuará caindo significativamente. Em uma base anualizada de três meses com ajuste sazonal, a inflação plena é de 3,47%, enquanto a inflação básica é de 4,58%”, justificou.

Sobre a preocupação com a dinâmica da inflação de serviços, o economista da XP lembrou que esses preços foram os últimos a subir após o pico da pandemia e que também devem ser os últimos a cair.

“Dado que o setor de serviços é mais sensível aos ciclos econômicos, esperamos que as pressões sobre os preços comecem a diminuir assim que as condições do mercado de trabalho melhorarem, em meio a condições financeiras mais apertadas”, comentou. Segundo sua análise, após a impressão de hoje, os modelos da XP sugerem que a inflação cheia e o núcleo terminarão o ano em 2,8% e 2,7%, respectivamente.

Em relação à política monetária, Nobre disse que o CPI de hoje e os fortes dados do mercado de trabalho em janeiro são consistentes com o Fed aumentando as taxas em 25 bps pelo menos mais uma vez.

Rodrigo Cohen, analista de investimentos e co-fundador da Escola de Investimentos, também observou o contínuo processo de redução da inflação nos EUA, mas ele acredita que o mercado está mais otimista do que deveria.

“A tendência é que as coisas melhorem com o tempo, com a inflação diminuindo, porém não acredito que o Fed vai parar de subir os juros tão cedo. O próximo aumento será de 25 pontos-base e não duvido que pode mesmo chegar a 50 bps.”, estimou.

Revisões

Carlos Lopes, economista do BV, também acredita que os dados divulgados hoje reforçam a narrativa de que os juros vão permanecer altos por um período prolongado, especialmente devido ao comportamento dos preços de habitação, que ganharam mais peso no CPI após as últimas revisões.

“Esse grupo é uma preocupação do Fed e a desinflação ainda não está acontecendo na velocidade esperada. O Fed tende a manter o juro elevado enquanto essa inflação não mostrar convergênca mais rápida para a meta”, afirmou. Assim como no Brasil, a inflação de serviços está mais resistente

O BTG Pactual pontuou em sua análise que o CPI veio em linha com o esperado, mas mostrou a continuidade de uma composição desafiadora e contribuições de altas dos principais drivers de desaceleração nos últimos meses.

Outro ponto destacado pelo banco foram as revisões das estimativas passadas do CPI, com elevação nos números do segundo semestre de 2022, e com a média móvel de 3 meses, com ajuste sazonal e anualizada, voltado. “A inércia também deve permanecer alta nesse primeiro semestre, merecendo atenção especial para o núcleo”.

A visão do BTG Pactual é que o CPI de janeiro reforça a menor baixa probabilidade de cortes de juros em 2023 em relação ao precificado na curva de juros e sustenta a manutenção do discurso atual do Fomc. “A inflação não terá mais contribuição da deflação de Energia, especialmente dado o cenário de petróleo médio mais elevado em meio a oferta apertada e reabertura da economia chinesa”, destacou o banco. “Seguimos com expectativa de taxa terminal de 5,0% a 5,25% em maio e sem cortes em 2023”.

Angelo Polydoro, economista da ASA Investments, também colocou um ponto de atenção nos preços dos serviços excluindo a parte de alojamento, que estavam com trajetória benigna até a divulgação passada e voltaram a acelerar.

Para ele, dados como esse dentro do CPI podem até reforçam a tese de que o Fed vai ter que subir a taxa mais duas vezes em 25 pontos, mas que esse não é o cenário da ASA Investments. Para Polydoro, a autoridade monetária vai promover uma nova alta em março e manterá o discurso que precisam ver uma melhora na inflação de serviços. “Vai reforçar essa tônica deles”, afirmou.

Jaime Valdivia, economista da Galapagos Capital, também viu uma composição ruim do CPI, embora o dado final tenha vindo em linha com as projeções. Ele considerou que o core estacionando em 0,4% por três meses mostra uma rigidez à baixa, destacando que a contribuição do núcleo de bens já foi dada.

Ele também lembrou que a inflação de serviços está se mantendo entre 0,5% e 0,6% e não somente em aluguéis, mas também em serviços como transportes. “Em minha opinião, o Fed vai ter que aumentar a taxa de juros terminal (a do final do ciclo) para 5,25% a 5,5% nas próximas projeções”, previu.

Já o Morgan Stanley afirmou em análise que o caminho de aperto do Fed será definido em grande parte no Fomc de maio, com uma alta de 25 bps em cada uma das próximas reuniões. “Depois de maio, no entanto, uma desaceleração do mercado de trabalho e resultados de inflação mais moderados devem abrir caminho para uma parada no ciclo de aperto e um eventual primeiro corte de juros em dezembro”, previu.