O que esperar do câmbio, inflação e Selic em 2024

Economistas estimam menor volatilidade na moeda, inflação benigna e Selic de um dígito, mas alertam para a trajetória fiscal

Roberto de Lira

(Getty Images)
(Getty Images)

Publicidade

O ano de 2024 traz consigo esperanças de uma taxa de câmbio mantendo uma tendência de baixa volatilidade, de uma inflação ainda bem-comportada por conta dos efeitos defasados na política monetária na atividade econômica e de uma taxa de juros que pode cair para um valor inferior a dois dígitos. Mas os economistas alertam que há riscos para a concretização dessas estimativas, sendo o principal a trajetória fiscal do país.

Veja baixo, algumas das projeções e cenários traçados pelos especialistas a pedido do InfoMoney.

Câmbio

Para Carlos Kawall, fundador da gestora Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, o desempenho do câmbio atual e para ano que vem tem ligação muito clara com a situação das contas externas brasileiras. O que tem sido observado desde o ano passado, segundo o economista, é que há intensificação desse ganho, especialmente no comportamento das commodities.

Continua depois da publicidade

O bom momento do ano que vem, quando houve um superávit comercial recorde, teve como ato principal a elevação de preços de commodities, devido aos efeitos na guerra na Ucrânia, que jogou a inflação global para cima e exigir uma política de juros maiores por parte dos bancos centrais.

“Nesse ano, de 2023, a situação se inverte: o protagonista não é mais o preço, que é mais baixo que o do ano passado, mas tivemos a safra recorde de grãos e também um salto impressionante da produção de petróleo”, destaca Kawall, citando que a extração e produção petrolífera pode fechar o ano com alta entre 12% e 15%.

“A gente está se beneficiando, crescentemente, desse contexto de ser exportador líquido de petróleo e também de preços favoráveis de minério e das commodities do Agro.”

Continua depois da publicidade

A expectativa é que, mesmo os preços internacionais caindo, o superávit comercial do Brasil será bem maior do que o recorde do ano passado, batendo na faixa de US$ 95 bilhões. Para o ano que vem, por questões climáticas (El Niño), esse volume deve ser um pouco menor, em torno de US$ 80 bilhões a US$ 85 bilhões, isso sem considerar algum eventual choque de preços. “A safra parece que será um pouco menor, mas maior do que as precedentes”, diz o fundador da Oriz.

Para Kawall, essa melhora do ponto de vista do fluxo cambial talvez tenha um componente mais estrutural. “O que quer dizer quando se usa a palavra estrutural? É que não depende mais de fatores cíclicos”, explica.

O economista lembra que o primeiro governo do presidente Lula se favoreceu do ciclo de alta nos preços das commodities, enquanto a gestão de Dilma Rousseff enfrentou uma queda, com natural déficit comercial. “Um pega o auge, o outro pega o vale, um se dá bem e o outro se dá mal. De repente fica surfando essas ondas de preços”, comparou.

Continua depois da publicidade

Já em 2023, o preço caiu e o superávit subiu. “Com isso, ancora a inflação, consegue mesmo num contexto de juro lá fora muito elevado, ter uma trajetória de queda na Selic aqui e, portanto, garantir que o crescimento do ano que vem”, estima Kawall.

Marco Antonio Caruso, economista chefe do PicPay, observa que o mundo entrou num período no qual as moedas vão ser determinadas bastante pelo diferencial de juros. O Brasil, por exemplo, já começou a reduzir a Selic e já há projeções que a zona do euro comece a aliviar sua política em março. Para os Estados Unidos, a estimativa mais otimista é de queda de juros só a partir de maio.

Para além da diferença juros, Caruso também considera em suas previsões que vai haver um pouco de diferencial de crescimento. “Em 2023, a grande história foi que várias regiões conseguiram evitar suas as recessões. Então o diferencial de crescimento também vai ser importante: que região vai entrar em recessão eventualmente antes. Por probabilidade acho que a Europa entra antes”, prevê.

Continua depois da publicidade

Caruso lembra que a desaceleração esperada na economia brasileira não será tão abrupta – a estimativa do PicPay é de um crescimento de 1,3%, após algo perto de 3% neste ano – mas que esse driver pode ser importante para o mundo como um todo, com recessão em grandes economias, especialmente na americana. “Desenha para a gente uma perspectiva de dólar forte, mas por enquanto não é o cenário básico”, analisa.

Para o comportamento do real, o economista chefe do PicPay acredita que um ponto importante vai ser a crescente discussão sobre a dificuldade de o governo entregar um caminho de contas públicas condizente com uma estabilidade da dívida.

“Já é uma discussão quente hoje, mas ainda tem o governo tentando evitar mudar a meta de déficit zero do ano que vem. Isso vai crescer ao longo do tempo e não é só sobre 2024, sobre os próximos anos também. Basicamente para o ano que vem a gente tem um déficit primário estimado de 0,7% do PIB.”

Continua depois da publicidade

Com a perspectiva de dólar um pouco mais forte e esse desafio fiscal interno, a projeção é que 2024 termine com a divisa americana mais alta do que no final de 2023, mas essa desvalorização não deve se expressiva.

“A gente tem agora R$ 4,90 para o final desse ano e a R$ 5,15 estimados para o final do ano que vem. É a parte idiossincrática do Brasil. Acho que pesa, mas eu não vejo um dólar como um todo superforte no ano que vem”, avalia.

No curto prazo, ele prevê um primeiro trimestre com um câmbio ainda muito benigno. E que as discussões sobre cortes de juros no mundo podem abrir algumas janelas interessantes de captação para as empresas, uma vez que o dólar deve ficar mais baixo e o real mais valorizado no período.

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, também acredita num câmbio com tendência modesta e desvalorização condicionada ao diferencial de inflação entre Brasil e Estados Unidos. “Apostamos em desvalorização do real em relação ao dólar porque acreditamos que inflação do Brasil será maior que a dos Estados Unidos nos próximos anos”, explica.

André Nunes de Nunes, economista chefe do Sicredi, é outro especialista que projeta a taxa de câmbio no final do ano que vem num patamar um pouco mais desvalorizado do que o atual, algo em torno de  R$ 5,10 por dólar.

“Se por um lado o diferencial de taxa de juros vai diminuir, o que pesa para uma desvalorização, por outro, acreditamos que a economia americana estará mais fraca, porém sem enfrentar uma recessão aguda. Tende a segurar uma valorização o dólar internacionalmente. Além disso, o fluxo de capitais para o país deve se manter, bem como o saldo comercial positivo”, diz, ao lista os motivos para prever uma desvalorização branda.

Já Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank, comenta que, assim como as questões internas mexem com o câmbio, a trajetória do dólar em nível global tende a interferir no real. “O cenário externo tem sido o maior responsável pela dinâmica da moeda brasileira ante o dólar ao longo da segunda metade do ano. Por sua vez, o movimento do dólar frente às demais moedas tem forte relação com as ações do Federal Reserve”, explica.

“Acreditamos que os juros não devem cair tão cedo nos Estados Unidos, o que deve manter a força da moeda americana”, completa

No ambiente doméstico, a previsão do C6Bank é que a Selic caia para 9,25% até meados do ano que vem. “Consequentemente, o diferencial de juros será menor e o retorno relativo menos atraente para quem investe no Brasil. Acreditamos que esse fator irá prevalecer e levar a uma depreciação do real frente ao dólar”, afirma.

Ele pondera, no entanto, que há outros fundamentos que podem afetar a taxa de câmbio, um deles de caráter fiscal. “Caso haja uma frustração nas expectativas de déficit primário no próximo ano, este movimento de depreciação do real poderá ser intensificado”, alerta.

Ricardo Aragon, sócio e fundador da Matriz Capital, diz que o binômio fiscal/monetário será preponderante para a precificação do dólar no ano. “Na política fiscal, devemos observar se a reforma tributária realmente começará a afetar positivamente a nossa economia, principalmente no que diz respeito a eficiência do setor de consumo, e se o arcabouço fiscal será realmente suficiente para reduzir os recorrentes déficits do governo”, lista.

Já no lado da política monetária, caso a inflação não se desancore da meta e haja continuidade na agenda de cortes da Selic, isso deverá contribuir para uma precificação menor do dólar americano. Mas, caso a inflação volte a se apreciar, devido a uma política expansionista sem muitos parâmetros fiscais, Aragon afirma pode ser contemplado um dólar “tranquilamente acima de R$ 5,50 no final do ano”.

Ele diz ver o Brasil se destacando perante os emergentes, tanto no ajuste da sua política monetária, quanto em atratividade em negócios, principalmente nos derivados do agronegócio para exportação, além do celeiro que já é para geração e desenvolvimento de energias renováveis. “O que pode reduzir o apetite pelo Brasil é a desaceleração da China, imputando dificuldades as nossas exportações e o cenário fiscal que traz consigo um país extremamente endividado, com graves problemas históricos.”

Inflação

Ricardo Aragon, da Matriz Capital, acredita que os gatilhos para uma alta da inflação em 2024 perpassam por toda a cadeia de produção e de distribuição de alimentos, uma vez que fatores climáticos podem afetar negativamente o primeiro tópico e o preço do petróleo internacional o pode trazer consequências para o segundo.

Assim, ele sugere atenção à política de preços adotada pela Petrobras, que será um fator preponderante para que se chegue ao chamado “preço justo”.

Mais uma vez, ele cita que a gestão fiscal será importantíssima para que o BC possa seguir com a agenda de corte de juros, fomentando cada vez mais a economia real. “Em caso de maior endividamento, o dólar tende a migrar para um país emergente mais seguro, resultando numa apreciação maior da moeda estrangeira perante o real”, alerta.

Felipe Salles, do C6 Bank, comenta que três fatores, em particular, podem influenciar a inflação do próximo ano. O primeiro é os preços dos alimentos, que vinham registrando queda acentuada e voltaram a patamares positivos no IPCA de novembro.

“A alta do final do ano é sazonal e tem a ver com o aumento das precipitações de verão. Este ano, no entanto, existe um alerta adicional que é o possível impacto do El Nino. Até o momento, não estamos vendo grandes alterações, mas é um risco altista que está no radar”, cita.

Ele coloca ainda o câmbio depreciado como outra preocupação para o controle da inflação. “Apesar do alívio recente na cotação do dólar, acreditamos que o cenário à frente permanece de pressão sobre o câmbio.”

O terceiro fator citado por ele é mercado de trabalho aquecido, com taxas de desemprego bem abaixo da média histórica, o que impõe desafios à continuação da queda da inflação de serviços. Para 2024, a projeção é de um IPCA de 5,5%.

Kawall, da Oriz, prevê que a inflação vai chegar no final deste ano mais próxima de 4,5%, gerando uma inércia mais favorável para o ano que vem. E que, dada a firmeza da condução da política monetária pelo BC, a inflação tem mostrado um comportamento benigno. Mas ele também alerta para o elemento de risco, que é a trajetória fiscal.

“Há um outro componente de risco que é a questão dos juros internacionais, do quadro lá fora. Mas há também vetores desinflacionários muito fortes que têm até aqui tem predominado”, pondera Kawall.

André Nunes de Nunes, do Sicredi, também atribui a desinflação observada em 2023 à taxa de câmbio mais valorizada e à queda nos preços internacionais dos produtos básicos, em especial alimentos e combustíveis. “A principal incerteza esteve na desinflação do setor de serviços, que conforme é conhecido, apresenta maior inércia”, comenta.

Ou seja, para ele, os riscos para 2024 permanecem nesses itens. No caso dos alimentos, os impactos maiores ou menores do El Niño serão importantes para a dinâmica de alimentos, alerta. “Já no caso dos serviços, temos que analisar o comportamento do mercado de trabalho, que permanece bastante aquecido, lembrando que para 2024 está projetado um reajuste de 7,7% no salário-mínimo. Estamos projetando o IPCA em 4,1% no final de 2024.”

Leonardo Costa, da ASA Investments, é outro economista a dar destaque ao risco climático do El Niño, ainda que ele possa estar mais centrado em itens mais voláteis, que tem a cadeia de produção mais curta.

Mas ele também cita a resistência da atividade econômica, que pode acarretar a persistência dos núcleos de inflação em patamar mais elevado. “Os riscos de baixa estão na atividade, caso haja enfraquecimento mais rápido com desaceleração do mercado de trabalho.”

Caruso, do PicPay, comenta que tem ocorrido surpresas positivas de menos inflação para vários preços que são mais inerciais – que supostamente seriam mais difíceis de ceder – como os serviços. “Quando a gente olha uma dinâmica dessa de inflação tão bem-comportada nesse tipo de item, isso sugere uma desinflação um pouquinho mais consistente, mais duradoura.

Além disso, ele destaca que, mesmo com as reduções de Selic, o juro real ainda estará em patamar contracionista . “Então, a gente tem uma visão construtiva para inflação ainda para 2024”, explica, acrescentando que a projeção do PicPay para o IPCA do ano que vem foi reduzida de 3,9% para 3,7%.

Embora exista uma preocupação se a situação de pleno emprego poderia manter os salários em crescimento e isso se traduzir numa inflação de serviços, Caruso lembra que essa relação não está igual ao passado. “E os preços administrados em anos de eleição, como é o caso do ano que vem, têm um comportamento benigno também.”

Juros

Uma das perguntas que têm sido feitas hoje é esse contexto macroeconômico permitirá que o BC avance em seu ciclo de cortes de juros para um patamar abaixo de dois dígitos. A maioria dos economistas consultados está otimista a esse respeito.

Marcos DeMarchi, economista chefe da Oriz Partners, afirma que já vinha trabalhando com essa hipótese (a projeção é de uma Selic de 9%, a ser alcançada em setembro), embora tenha havido alguns momentos nos últimos meses em que essa convicção foi abalada, muito por conta da mudança no cenário externo.

“Acredito que nos últimos três ou quatro meses os dados domésticos de fato jogaram a favor de o BC conseguir, aos poucos, alcançar uma Selic de um dígito”, diz.

Para que essa meta seja alcançada, DeMarchi faz uma relação direta com a política monetária dos Estados Unidos. “Se os EUA, de fato, conseguirem aquilo que parecia pouco provável, que é o pouso suave da economia, e o Fed conseguir de fato calibrar a manutenção dos juros no atual patamar, reduzindo virtualmente mais para o final do ano que vem, o BC aqui vai conseguir entregar uma Selic abaixo de dois dígitos”, explica.

Ele destaca ainda que, mesmo que Fed comece a cortar os juros no 2º semestre do ano que vem, o BC brasileiro provavelmente ainda vai estar no ciclo de cortes e vai ganhar mais gás para continuar a estender esse ciclo.

Caruso, do PicPay, destaca que a combinação de uma desaceleração da atividade com uma visão benigna para a inflação de 2024 “conversa” com juros mais baixos. A projeção dele é de uma Selic de 9,5% ao final do ano, mas há uma dúvida se não poderia até ser mais baixa.

“Tem uma discussão sobre o que a gente tem chamado de uma mudança para um novo regime global de menos inflação, menos PIB e menos juros. Talvez os ventos lá de fora sejam favoráveis para juros mais baixos aqui.”

Para Aragon, da Matriz Capital, os juros podem sim flertar com patamares abaixo de 10% ao ano em 2024. “No entanto, para que isso se concretize, o dever de casa denota mais importância do que fatores externos. Somos beneficiados por um momento ruim de outros países emergentes como Argentina, Turquia, Rússia e Índia”, compara, destacando que este último é considerado um país mais caro para investimentos, segundo o JP Morgan.

Ele lembra que há muitas dúvidas sobre a ancoragem da inflação à meta e, nesse contexto,  muitas vezes o presidente Lula e  seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entram em conflito com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sobre a necessidade de cortes de juros maiores visando uma política mais expansionista.

Além disso, segundo ele, a escolha de novas autoridades monetárias pode afrouxar demais o controle inflacionário, levando a uma depreciação do real moeda perante o dólar americano e gerando incerteza para o capital estrangeiro que entra.

Para Salles, do C6 Bank, o BC segue sinalizando, por meio de suas projeções de IPCA, que será possível cortar juros para além dos 10%. No comunicado de novembro, a projeção de inflação do BC para 2024 estava em 3,6%, e a de 2025 em 3,2%, para uma meta é de 3% em ambos os anos.

“Essas projeções consideram uma queda da Selic para 9,25% no ano que vem (expectativa do boletim Focus). Ou seja, mesmo com os juros caindo para esse patamar, a inflação deve ficar apenas ligeiramente acima da meta, na visão do BC”, explica.

O economista também aponta a composição do Copom como um fator a ser levado em consideração. Em janeiro, dois novos diretores substituirão membros do comitê que terão o mandato concluído e, com isso, o número de integrantes do Comitê nomeados pelo atual governo subirá para quatro, de um total de nove diretores.

“Ainda é cedo para fazer avaliações sobre o comportamento do novo colegiado, mas é importante ter em mente que, desde a aprovação da lei de autonomia do BC, o mandato da autoridade monetária brasileira passou a ser mais amplo: garantir a estabilidade de preços, estimular o pleno emprego e suavizar as flutuações do nível da atividade. É possível que o novo comitê atribua relevância distinta aos diferentes objetivos, o que teria impacto na condução da política monetária.”

O C6 Bank projetamos Selic de 11,75% ao final deste ano e de 9,25% ao final de 2024.

Já a avaliação de André Nunes de Nunes é que o BC conseguirá reduzir a Selic para patamares de 9,00% no final de 2024 e que esse movimento será sustentado por uma atividade econômica mais fraca no Brasil e no mundo.

Mas ele alerta que o quadro fiscal pode comprometer a sustentabilidade da taxa nos níveis projetados. “Por exemplo, caso as metas do arcabouço sejam totalmente abandonadas, o impulso de demanda de uma política fiscal expansionista pode fazer com que o Banco Central precise retomar um ciclo de alta mais rápido”, pondera o economista do Sicredi.

Leonardo Costa, economista da ASA, acredita que, por ora, a desancoragem da expectativa de inflação mais longa parece ter relação bastante próxima ao crescimento do risco fiscal. “Não acreditamos que esse problema seja facilmente resolvido. O BC é técnico e os novos diretores devem seguir a institucionalidade.”