Para analistas, Fed abriu a porta para interromper ciclo de alta, mas cortes ainda estão distantes

Banco Central dos EUA retirou de comunicado trecho sobre necessário aperto adicional, mas evitou antecipar a próxima decisão

Roberto de Lira

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A interrupção do ciclo de ata de juros nos Estados Unidos ficou mais próxima após o comunicado desta quarta-feira (3), que se seguiu à decisão do Federal Reserve (Fed) de definir um novo acréscimo de 25 pontos-base em suas taxas, a 10ª alta consecutiva. Os analistas destacam como um sinal nesse sentido a retirada hoje do trecho do comunicado de março, de que “algum endurecimento adicional da política pode ser apropriado”.

O próprio presidente do Fed, Jerome Powell destacou isso na entrevista coletiva com jornalistas nesta tarde. “Essa frase não está mais na declaração. Nós tiramos isso. Em vez disso, estamos dizendo que o comitê levará em conta certos fatores”, comentou.

Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, o Fed apontou que os próximos passos vão depender da evolução do cenário. “No comunicado, o comitê retirou a frase que antecipava novas altas e condicionou os próximos passou à evolução do cenário, principalmente considerando a defasagem da política monetária e como as altas já efetuadas vão impactar a atividade”, afirmou.

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Pra a economistas, isso não significa que seja possível antecipar uma queda nos juros. “Nossa expectativa é que os cortes de juros se iniciem somente no começo de 2024, considerando o patamar de inflação ainda elevado”, apontou.

Ela acrescentou que medidas de núcleo da inflação, que continuam no patamar próximo de 5%, têm apresentado maior persistência com as surpresas nos indicadores de atividade, principalmente no nível de emprego mais forte na primeira metade de 2023.

Para a XP Investimentos, a declaração reflete uma clara intenção do Fomc de interromper o ciclo de aperto, embora de forma não comprometedora, permitindo ao comitês avaliar as informações recebidas. “Mais uma vez, a declaração tentou aliviar as preocupações em relação a uma crise financeira sistemática, reforçando que o sistema bancário é ‘sólido e resiliente’. No futuro, acreditamos que o Fed equilibrará o risco de uma possível crise de crédito em meio à recente turbulência bancária com fontes de pressões inflacionárias”, diz em relatório.

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Gustavo Zuquim, portfolio manager do Andbank US, também vê um possibilidade de as taxas dos Fed Funds serem mantidas pelo menos até o final do ano, mas ele ressaltou que o cenário não é de mudança de estratégia (“pivot”) pelo Fed.

“A inflação está arrefecendo, mas talvez não tanto quanto muitos esperavam. O mercado de trabalho está acalmando e ainda há pressões desinflacionarias no pipeline, como moradia. A nota do Fom (o comitê de politica monetária dos EUA) reconhece, em suma, a resiliência da economia e do mercado de trabalho. Em comparação ao último encontro, o tom é menos sobre crescimento e mais de resiliência”, comentou Zuquim.

Celso Pereira, diretor de investimentos da Nomad, é outro analista que viu uma sinalização de que esse aumento das taxas para o intervalo entre 5% e 5,25% pode ter sido o último aumento de 2023.

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Para Pereira, a alta ocorreu a despeito de a inflação acumulada estar diminuindo. Entre os indicadores mais relevantes para o Fed, ele citou o ganho médio por hora do trabalhador privado, que subiu 4,2% em março de 2023, menos que os 5,6% medidos no mesmo mês de 2022.

Do mesmo modo, o índice de inflação dos preços aos consumidores subiu 4,2% em março de 2023, bem menos que os 9,1% medidos no pico recente em junho de 2022.

“O cenário de emprego nos EUA continua aquecido, atraindo a preocupação do Fed. Por exemplo, a taxa de desemprego está em 3,5% – próximo da mínima histórica – e 236 mil empregos foram criados em março”, listou.

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“Notamos uma convergência progressiva entre os números da inflação e dos juros. Tal convergência sugere que em 2023 deve estancar-se o movimento de subida de juros nos EUA. A expectativa é que esse seja o último aumento no atual ciclo de altas.”

Já Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, comentou que, se a comunicação oficial fosse composta exclusivamente pelo texto divulgado, ficaria bem aberta a possibilidade de que um ciclo de baixa de juro poderia começar muito em breve. Ele esperava que algum novo esclarecimento pudesse ser dado por Powell na coletiva, mas o presidente do Fed disse apenas “seremos guiados pelos dados recebidos reunião após reunião e abordaremos essa questão na reunião de junho”.

“Por ora seguimos avaliando que haverá uma interrupção “hawkish”, com a autoridade buscando em seu discurso afastar cenários com cortes precoces. Deste modo, ainda mantemos o cenário de que a Fed Funds Rate encontrará alívio apenas no último trimestre desse ano”, previu o economista da Ativa.

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“Hawkish” ou “dovish”?

Alex Lima, estrategista-chefe da Guide Investimentos, também focou a atenção nas palavras usadas pelo Fomc para explicar a decisão. “A linguagem sugere que uma pausa é possível. Na minha visão, parece mais “Hawk” (dura), pois a frase diz que apertos marginais dependerão do outlook”, afirmou.

Segundo a análise da equipe do Morgan Stanley, a sinalização de pausa condicional estava em sua expectativa. “Também esperávamos que o Fed registrasse por quanto tempo as taxas permaneceriam elevadas, mas optou por não fazê-lo”, apontou o banco de investimentos.

Para o Morgan Stanley, isso pode ser interpretado como mais uma posição mais “dovish” (suave) do que o esperado, especialmente quando comparado ao recente aviso do governador Waller (Chris Waller, diretor do Fed) mais “hawkish”, de que a política permaneceria rígida por “mais tempo do que os mercados antecipam”.

Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital, viu na retirada da frase sobre um apropriado aperto adicional que o comitê que se vê mais próximo da parada do que num processo contínuo de ajuste.

“No parágrafo sobre condições atuais da economia, manteve-se o reconhecimento que mercado de trabalho segue firme e a inflação elevada. Sobre o setor bancário, o entendimento é que houve avanços em relação à situação na reunião de março. De todo modo, o comunicado já afirma que as condições de crédito estão mais apertadas e isso combina com um processo de desaceleração da atividade”, destacou.

Para a especialista da Tenax, a atividade dos EUA tem apresentado sinais de moderação e, com o aperto de crédito se espalhando pela economia, o enfraquecimento deve ganhar força no segundo semestre. “Espaço para flexibilização está distante pelo nível elevado da inflação num ambiente de mercado de trabalho apertado”, completou.

Leandro Petrokas, diretor de research e sócio da Quantzed, viu um tom duro na comunicação do Fed, mostrando comprometimento da autoridade monetária no combate à inflação. Ele vê chance de uma nova alta a partir dessa leitura. “Quando dizem que estão prontos a ajustar a política, caso surjam riscos que ameacem alcance da meta é uma fala bem forte. Podemos esperar alta de mais 0,25% em uma próxima reunião e depois estabilidade. E queda nos juros descartadas por um médio período”, previu.

Para Andressa Durão, economista da ASA Investments, disse esperar que o Fed mantenha os juros no patamar atual até que inflação mostre clara tendência de desaceleração em direção à meta.

“Apenas uma surpresa muito forte nos dados faria com que Fed subisse os juros em junho. O fato de terem deixado a porta aberta não significa que probabilidade de continuar subindo é relevante”, ponderou, lembrando que, no passado, não houve indicação direta das pausas nas reuniões anteriores.

Andressa comentou como interessante que Powell tenha dito que há uma atenção especial no  aperto do crédito, o que demonstra sobre novos contratempos nesse sentido.

Jon Maier, Chief Investment Officer da Global X, os mercados estão mais ansiosos para saber para onde o Fed irá, não sobre o que já foi feito. Ou seja, as maiores preocupações hoje são com o crescimento econômico e se a crise bancária acabou ou não. “O Fed ainda levará em conta todo o aperto que ocorreu. Isso sinaliza uma possível mudança para uma abordagem mais cautelosa, pois o Fed continua trabalhando para atingir suas metas de inflação e emprego.”

Stephan Kautz, economista chefe da EQI Asset, afirmou que o cenário-base para o Fomc é que foi encerrado o ciclo de alta dos juros, mas que o atual patamar deve ser mantido por um longo período, até porque a inflação permanece alta e os diretores não se mostrar excessivamente preocupado com a deterioração do setor de crédito nesse momento de estresse bancário.

“Como a gente viu no ADP de hoje, o mercado de trabalho está apertado, com uma geração de vagas forte. Isso obviamente não dá nenhuma conforto para eles em apostar num corte de juros para melhorar a atividade, porque a inflação não deve ter uma desaceleração muito forte daqui para a frente.

Elisa Machado, economista-chefe da ARX Investimentos, acredita que o Fomc mudou sua declaração pós-decisão para deixar em aberto se na próxima reunião havreá uma nova alta ou uma pausa, o que parece natural em final de ciclo, quando é preciso fazer uma “sintonia fina” do processo de ajuste.

A economista destacou que o comitê continuou a separar a política monetária das medidas para suporte ao sistema financeiro, em reação a “quebra” dos três bancos regionais das últimas semanas.

“O diagnóstico do Fed é que o processo de retorno da inflação para a meta será longo, o que combina com a manutenção da taxa de juros em patamares elevados por um longo tempo”, afirmou, lembrando que Powell voltou a mencionar o núcleo de serviços que desconsidera os gastos com habitação, que ainda está em 5,7% anuais, distante da meta de 2%, e pouco abaixo do pico de 6,7% registrado em setembro de 2022.

“A conclusão é de que a decisão e o ‘statement’ vieram em linha com o que a maioria do mercado esperava – alta com porta aberta para pausa. Mas a qualificação do cenário pareceu mais ‘hawk’, principalmente pela separação entre os instrumentos de atuação frente a instabilidade de algumas instituições bancárias e taxa de juros, e a visão pouco animadora em relação ao prazo para a queda da inflação.”