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O comitê de política monetária (Fomc, na sigla em inglês) do Federal Reserve seguiu o roteiro antecipado pelos próprios diretores nas últimas semanas e aguardado pelo mercado: interrompeu o ciclo de alta de juros que já durava 10 reuniões e que elevou as taxas dos Fed Funds em 5 pontos percentuais e avisou que pote retomar o aperto, caso os dados econômicos assim exigirem. E, para mostrar que não está havendo um abrandamento no discursos de combate à inflação, promoveu uma revisão de projeções no sumário trimestral que embutiu até uma inesperada alta adicional de 50 pontos-base para este ano.
Para Sávio Barbosa, economista-chefe da Kínitro Capital, o maior destaque dessa reunião ficou exatamente com as revisões das projeções econômicas feitas pelos membros do Fed no SEP, o sumário que traz um gráfico de pontos com as estimativas de cada integrante do Comitê para diversos indicadores.
A projeção do núcleo da inflação do consumo (PCE), por exemplo, subiu de 3,6% para 3,9% em 2023. A estimativa para o PIB também foi revisada para cima no horizonte de 2023, de 0,4% para 1,0%. Por fim, as projeções para a taxa de desemprego recuaram, após os dados do mercado de trabalho se mostrarem mais fortes, de 4,5% para 4,1% em 2023 e de 4,6% para 4,5% em 2024.
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“Todas essas revisões mostram que a atividade econômica e a inflação surpreenderam para cima as expectativas dos membros do Comitê. Também mostram um mercado de trabalho mais apertado do que esperavam”, comentou Barbosa. Ele reforçou que isso levou os membros do Fomc a revisarem também a taxa de juros terminal de 2023 para cima, de 5,1% para 5,6%. Também subiram a projeção de 2024, de 4,3% para 4,6%.
Isso significa que a taxa terminal, que aponta o final do atual ciclo de aperto, está agora 50 pontos-base acima da projeção anterior. “Isso mostrou um comitê mais “hawkish”, duro e preocupado com a inflação, do que a grande maioria dos analistas de mercado na curva de juros que nós esperávamos”, afirmou.
Para Barbosa, é provável mais um aumento adicional de juros na reunião de julho e, caso dados de atividade sigam as projeções do Fomc, existe um risco de mais um aumento de 25 bps na reunião de setembro. Isso levaria os Fed Funds para o patamar de 5,6% ao ano, exatamente o que hoje está projetado no SEP.
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“Mas esse não é o nosso cenário base. Acreditamos que, no decorrer dos próximos meses, a desaceleração da atividade e o processo de desinflação a nível global tendem a evitar o aumento de juros na reunião de setembro. Em nossa leitura, o mais provável é que o aumento de julho seja o último desse ciclo”, projetou.
Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, também avaliou que as algumas das novas projeções vieram um pouco mais fortes do que esperado. Para ele, quando o Fed coloca 5,6% como taxa final em 2023, está mostrando a possibilidade de até duas altas a mais de juros. Como o próprio mercado está precificando os juros abaixo disso, é provável que a autoridade monetária envie mensagens mais duras adiante, disse Cruz.
Para o próximo ano acontece algo semelhante. A maioria dos dirigentes está falando em taxas acima de 4,5% ao fina de 2024, enquanto o mercado precifica hoje 3,75% para junho do ano que vem.
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O estrategista também destacou a revisão importantes sobre PIB, de 0,4% para 1%, mas em linha com o desempenho no primeiro semestre do ano, que não tem sido fraco nos EUA.
Cruz comentou que isso é importante meio a um debate sobre o pouso suave (“soft landing”) ou brusco (“hard landing”) da economia americana. “Por enquanto, o Fed está colocando que não vai ter uma queda, não vai entrar em uma recessão. Falam em crescimento de 1% neste ano, de 1,1% no ano que vem e de 1,8% em 2025”, destacou.
Além disso, a projeção de desemprego para este ano foi reduzida de 4,5% para 4,1 e houve uma leve mudança na inflação ,de 3,3% para 3,2%. A partir das projeções, os integrantes do Comitê estão imaginando que só vão chegar na meta de inflação de 2% no longo prazo, uma vez que seguem com a projeção de 2,5% para 2024 e de 2,1% em 2025.
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“Porque isso é importante para os mercados? Isso fortalece o dólar contra as principais moedas. Estão falando que vai ter mais juros nos EUA, o que deixa atraente investir por lá. Para a renda variável isso não é tão bom porque está favorecendo uma prateleira de renda fixa nos EUA”, afirmou Cruz.
Ele destacou ainda que isso vai acabar pressionando outros bancos centrais no mundo a subirem mais a taxa de juros, dificulta os BCs emergentes a começar a cortar juros em breve. A explicação é que baixar juros enquanto o Fed mantém o ciclo de alta pode desvalorizar a moeda e alimentar a inflação.
Ainda que exista esse “tradeoff” no curto prazo, o estrategista da RB Investimentos entende que, para o longo prazo, será melhor assim. “A gente está vendo uma desaceleração global que tem contribuído para preços internacionais irem para baixo e o petróleo é o grande exemplo. Isso acaba tirando pressão de inflação em todos os países, como a gente está vendo no Brasil.
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Cruz conclui que o Fed levar sua inflação para a meta nos próximos anos é positivo para inflação brasileira também. “E acaba trazendo uma taxa de juros menor para o resto do mundo. Ruim seria se eles observassem a inflação descontrolada e pouco fizessem.”
Sinais mistos
Caio Fasanella, diretor executivo e chefe da área de investimentos da Nomad, disse que a decisão do Fomc ilustra a dificuldade de controlar a inflação enquanto os indicadores econômicos estão mistos.
Uma prova disso, segundo ele é comportamento do mercado de trabalho aquecido, que mantém os salários em alta e a demanda aquecida, pressionando a inflação.
Ele lembrou que a taxa de desemprego está em 3,7%, resultado próximo da mínima histórica de 3,4%, e que 339 mil empregos foram criados em maio, mostrando que o cenário de emprego nos EUA continua apertado. “O quadro preocupa o Fed, pois com o aumento da circulação de dinheiro na economia, maior o risco de inflação”, comentou.
Por outro lado, o ganho médio por hora do trabalhador privado americano subiu 4,3% em maio de 2023, um resultado inferior comparado aos 5,2% do mesmo mês no ano anterior.
Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, ponderou que, ainda que a decisão do Fed tenha sido de manter a taxa de juros dos EUA no intervalo de 5% a 5,25% ao ano, esse patamar continua sendo o mais alto desde setembro de 2007.
Ele destacou que, no comunicado, o Fed justificou a decisão como importante para avaliar implicações da política monetária já implementada até o momento sobre a economia. “O Banco manteve no comunicado que apertos adicionais podem ser apropriados para retornar a inflação à meta”, salientou.
Claudia também citou como relevantes as novas projeções macroeconômicas feitas pela diretoria, com desemprego maior que anteriormente estimado, núcleo da inflação mais pressionado do que antes e uma taxa de juros no fim do ciclo maior que a atual, sinalizando mais dois aumentos de juros.
“Mantemos nossa visão de que a taxa de juros no fim do ciclo deve alcançar patamar pouco acima da atual para desacelerar a inflação que continua elevada e persistente. Além disso, não prevemos cortes de juros antes de meados de 2024”, disse.
Pausa “hawkish”
Gustavo Zuquim, portfolio manager do Andbank nos EUA, comentou que a pausa atual não deve ser interpretada como uma parada permanente. Ele classificou o movimento como uma “hawkish pause” e também destacou que o gráfico “dot plot” dos membros do Fomc aponta para mais dois aumentos na taxa de juros.
“Há ainda que se observar a continuidade de queda nos indicadores de inflação, principalmente nos núcleos, que têm caído mais lentamente que o headline”, afirmou.
Ele ainda comentou o início da entrevista coletiva do presidente do Fed, Jerome Powell, que afirmou já estar observando os impactos da elevação dos juros, especialmente em habitação e investimentos. Mas que levará tempo para que todos os efeitos se manifestem.
Zuquim destacou ainda nas falas de Powell a necessidade de haver crescimento do PIB abaixo do potencial nos EUA e que o gráfico de pontos não é um plano do Fed, reforçando que as decisões serão tomadas reunião a reunião. Powell disse ainda que “quase todos os participantes do Comitê” esperavam que fosse apropriado aumentar as taxas de juros um pouco mais até o final do ano.
Já Ariane Benedito, economista Esh Capital, observou o comentário do comunicado afirmando que os indicadores recentes mostraram que a atividade econômica segue em ritmo de crescimento modesto, com um mercado de trabalho robusto, uma taxa de desemprego baixa e uma inflação ainda elevada.
“No entanto, os dirigentes votantes levaram em consideração a defasagem do impacto de juros na inflação, para a decisão de prolongamento dos juros em 5% atualmente”, disse Ariane.
Entre as projeções divulgadas hoje, ela destacou que o PCE ainda ficou acima da meta estipulada pela autarquia, o que não descarta a possibilidade de retomada de altas nos juros em 0,25% para as próximas reuniões, caso seja observado um piora para os cenários de preços.
Rodrigo Romero, economista da Levante Investimentos, avaliou que a manutenção veio em linha com o esperado, mas que foi acompanhada de um discurso que reforça o ambiente vigilante do BC americano, ainda “hawkish”, em sua opinião.
“A pausa, conforme reforçado na divulgação, reflete a necessidade vista pelo banco central em determinar qual seria de fato a dose ideal de juros para conter os avanços da inflação e os efeitos defasados do ciclo atual de aperto monetário, indicando que o ciclo pode ainda não ter terminado”, disse.
Romero também considerou que a mudança nas projeções de juros para o final do ano eliminam a possibilidade de cortes ainda em 2023, discussão que ele já considerava pouco condizente com o cenário desafiador vivido pelo Fed nesse momento. Ele acredita que as novas estimativas colocam em jogo a possibilidade de pelo menos duas rodadas de aumento de 25 pontos-base neste ano.
Em relação ao sistema bancário, o economista da Levante destaque que, a exemplo do sinalizado na última reunião, o Fed fez questão de reafirmar a sua solidez. “Em relação às condições de crédito mais apertadas, o comitê concorda que deve exercer alguma influência na atividade econômica, mercado de trabalho e inflação. Isso será observado adiante”, ponderou.
Para Lucas Zaniboni, economista da Garde Asset Management, o Fomc entregou uma “pausa hawkish” ao decidindo não subir juros nessa reunião, mas sinalizando ainda mais duas altas até o fim do ano.
“Essa sinalização nos surpreendeu, mas ainda não acreditamos que ele irá entregá-las. Vemos esse movimento dos ‘dots’ mais como uma tentativa de impedir o ímpeto de mercado em precificar cortes tão cedo do que uma sinalização de taxa terminal de fato”, destacou Zaniboni.
Ele lembrou que a coletiva de Powell foi nessa linha, deixando claro que o Fed está na fase ainda de desaceleração do ritmo, pois nessa altura do ciclo os riscos encontram-se mais balanceados, e os dados ainda contém muita incerteza.
“Em suma, mantemos nossa visão de que o Fed se aproxima do fim de ciclo, com uma última alta em julho, mas quer fazê-lo do modo mais duro possível. de modo a impedir que cortes sejam precificados muito cedo na curva de juros americana.”
Andressa Durão, economista da ASA Investments, também destacou a “surpresa hawk” do gráfico de pontos, com a mediana das projeções dos membros do Fomc indicando algo como mais duas altas de 25 bps este ano e juros altos por mais tempo.
“Essas projeções de juros são resultado de uma combinação de variáveis macroeconômicas que sugerem uma economia forte, com menos desemprego e inflação elevada, deixando o Fed com espaço para continuar subindo juros”, comentou.
Porém ela, destacou que, na coletiva de imprensa, Powell suavizou o tom, ao indicar que as decisões seguirão sendo tomadas a cada reunião, que o efeito total do aperto ainda será sentido e que a pausa deve ser lida como uma redução do ritmo de altas.
O presidente do Fed afirmou ainda aos jornalistas que as autoridades monetárias terão um trimestre inteiro para analisar os dados e podem tirar mais conclusões do que em um período de seis semanas.
“O Fed vai medir os riscos, a situação do setor financeiro e a evolução das perspectivas para tomar as decisões. Foi ‘hawk’ em relação à queda de juros, ao dizer que o processo para atingir a meta ainda tem longo caminho a percorrer e que juros demorarão a cair, enfatizando que só faz sentido começar a cortar quando a inflação começar a cair significativamente”, destacou.
O analista de investimentos Rodrigo Cohen, co-fundador da Escola de Investimentos, viu uma decisão correta por parte do Fed, uma vez que a economia dos EUA ainda está muito forte em relação a emprego, inflação, atividade e salário.
Ele viu o mercado nervoso na hora da divulgação, devido ao discurso mais “hawkish” já deixando claro novas altas de juros e afirmando que inflação não vai cair tão fácil. Mas, depois, acabou se acalmando porque a decisão também já era prevista. “O dólar subiu no susto e passou a cair lá fora. A Bolsa não devolveu a queda razoável que teve hoje”, comentou.
Para as próximas reuniões do Fomc, Cohen lembrou que os indicadores desemprego ainda não mostraram um desaquecimento da economia, mesmo com uma previsão de recessão técnica nos Estados Unidos no final do ano. “Acredito que o Fed ainda deveria manter os juros altos por conta disso”, disse.
Ele disse ainda que o Fed está olhando também a quebra recente dos bancos, que mostra ainda o enfraquecimento tanto da economia, mas principalmente dos bancos. “Essas quebras aconteceram em virtude principalmente da alta de juros por lá, que foi inesperada e muito rápida, principalmente nos EUA, país que não está acostumado a ver uma alta tão grande de juros.”
Altas alternadas ou nenhuma alta?
Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital, também considerou que não houve surpresas no comunicado do Fed, mas que o conjunto das projeções de atividade, inflação e juros foi mais duro do que o esperado.
“Como não houve um agravamento das condições monetárias pelos eventos bancários, esperávamos a sinalização de uma alta adicional após a pausa de hoje. A indicação do Fed foi mais dura do que nossa expectativa ao colocar a taxa final de ano em 5,6%”, explicou.
Débora destacou que o padrão novo é de altas alternadas e, assim, o segundo aumento da taxa de juros se daria em novembro. “Até lá, esperamos que a desaceleração da atividade esteja mais espalhada, inclusive no mercado de trabalho. Assim, seguimos com a expectativa de taxa final de 5,5%. Apenas surpresas relevantes no ambiente macro, inclusive com relação aos bancos, tiraria o Fed do plano de apertar novamente em julho.”
Na análise de André Cordeiro, economista-sênior do Banco Inter Inter, as projeções econômicas divulgadas juntamente com o comunicado hoje indicam que a grande maioria dos membros do Comitê antecipam pelo menos mais uma alta até o fim de 2023.
“Além disso, diminuíram a previsão para a taxa de desemprego e aumentaram a previsão para o núcleo da inflação, sugerindo que o Comitê enxerga que o atual processo de desinflação esteja mais lento que o desejado”, disse.
No entanto, ele considera não haver espaço para altas adicionais. “A projeção de altas adicionais até o fim do ano parece ter o intuito de controlar as expectativas do mercado e impedir uma euforia”, comentou
Além disso, essas novas altas contradizem o cenário mais provável para a inflação no segundo semestre desse ano, com a inflação de bens caindo aceleradamente, assim como a inflação de aluguel, o que deve levar o índice cheio anualizada para um patamar próximo a 3% já no segundo semestre.
“Portanto, a nossa expectativa é que o Fed não realize novas altas até o fim do ano, com o ciclo de cortes podendo iniciar no primeiro trimestre do próximo ano. Tal cenário é condicionado no comportamento benigno da inflação no segundo semestre. Uma eventual reaceleração forçaria o Fed a retomar o ciclo de alta.”