Piora do cenário externo e volta da incerteza fiscal devem tornar BC mais cauteloso na comunicação

Comitê deve cortar juros em 50 pontos base hoje e sinalizar que vai manter ritmo; risco de alteração de meta fiscal em 2024 deve ser citado

Roberto de Lira

(Shutterstock)
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Mesmo com dados mais benignos de inflação recente e com os efeitos da desaceleração econômica mais visíveis, o Banco Central do Brasil deve manter o tom mais cauteloso e conservador em sua comunicação nesta nova Super Quarta, na qual o Copom deve anunciar um novo corte de 50 pontos-base na taxa Selic. O motivo, segundo os economistas, é tanto a piora do cenário externo desde a última reunião como a volta das preocupações com a área fiscal do governo.

As avaliações são de que, até semana passada, questões como os possíveis efeitos da piora do cenário de juros nos Estados Unidos e as repercussões econômicas da escalada do conflito no Oriente Médio entre Israel e o Hamas fossem prevalecer no balanço de riscos. Mas depois que o presidente Lula minimizou a importância da busca pelo déficit primário zero em 2024, os efeitos das declarações na reancoragem das expectativas e inflação ganharam espaço.

Na segunda-feira, o Boletim Focus já trouxe um reflexo dessas preocupações. A projeção para a inflação de 2024 passou de 3,87% para 3,90%, e a as estimativas para a Selic tanto no ano que vem como no próximo tiveram acréscimo de 0,25 ponto percentual.

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A situação fiscal do governo, na verdade, não havia saído da mira do BC. No comunicado pós-reunião de setembro, esse fator não entrou no balanço de riscos, mas foi citado num parágrafo à parte, que ressaltou a “a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação” e para a condução da política monetária, reforçando a importância “da firme persecução dessas metas”

Todo esse contexto deve fazer parte, logicamente das discussões dos membros do Copom nesta quarta-feira. O Goldman Sachs destaca em relatório que a política orçamentária é expansionista e que o risco de “derrapagens” em 2024 aumentou. A isso, devem se somar outros fatores de atenção, como os rendimentos do títulos dos EUA de 10 anos subindo e o equilíbrio de risco de inflação dos preços dos alimentos e dos combustíveis inclinando para cima.

“Embora os últimos resultados da inflação tenham sido relativamente favoráveis, incluindo os serviços, a prudência ainda é necessária nos estágios iniciais do ciclo de flexibilização, uma vez que as expectativas de inflação para 2024, 2025 e 2026 não estão melhorando e permanecem visivelmente acima da meta de inflação.”

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O banco de investimentos espera uma decisão unânime mais uma vez pelo corte de 50 pontos-base na Selic e que a orientação futura indique o mesmo ritmo de flexibilização pelo menos na próxima reunião, em dezembro.

Para o comunicado, a previsão é que seja reiterada a orientação de que política permanecerá restritiva até que o processo desinflacionário se consolide e as expectativas de inflação voltem a ancorar em torno da meta.

A XP Investimentos também comenta em relatório que, desde a última reunião do Copom, os índices de inflação tiveram aberturas benignas, enquanto a atividade econômica apresentou sinais de enfraquecimento. Mas por outro lado, o aumento expressivo dos juros de longo prazo nos Estados Unidos elevou as incertezas no ambiente macroeconômico e tem pressionado os ativos financeiros.

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“Acreditamos que o Copom diminuirá a taxa Selic em 0,50 p.p. nesta semana e sinalizará manutenção do ritmo para as próximas reuniões. Projetamos redução até junho de 2024, com a taxa básica atingindo 10,00%”, diz o texto assinado pelo economista chefe Caio Megale e pelos economistas Rodolfo Margato e Alexandre Maluf.

Além do expressivo aumento nos juros de longo prazo dos títulos do Tesouro dos EUA, que tende a ser um fator importante para as taxas de juros neutras na demais economias, a XP cita também a elevação das tensões geopolíticas como fonte de risco pela autoridade monetária, especialmente devido aos seus efeitos potenciais sobre os preços de energia.

No campo fiscal, além das sinalizações recentes, que sugerem que aumentou a probabilidade da meta de resultado fiscal ser alterada ainda este ano, o relatório da XP comenta que os efeitos na arrecadação tributária de votações recentes no Congresso Nacional são muito inferiores ao necessário para o equilíbrio do orçamento público.

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Para a XP, mesmo com esse fluxo recente de notícias, o Copom não deverá alterar substancialmente seu balanço de riscos para a inflação nesta reunião, nem sua sinalização futura para a política monetária.

“Entendemos que as taxas de juros internacionais mais elevadas e as incertezas fiscais internas não comprometem a margem para cortes na taxa Selic no curto prazo. Mantemos nosso cenário de que o Copom reduzirá a taxa básica em 0,50 p.p. por reunião até maio de 2024, entregando um corte final de 0,25 p.p. em junho. Logo, uma taxa terminal de 10,00%”, preveem os economistas.

“Acreditamos que a política monetária ainda precisará permanecer restritiva no próximo ano para compensar os efeitos da política fiscal expansionista e garantir a convergência da inflação à meta”, completam.

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Barra alta

Na opinião da Warren Rena, após o Copom ter sinalizado que a barra era bem alta para acelerar o ritmo de ajuste, deveria também deixar explícito que a barra também é igualmente elevada para uma desaceleração.

“Qualquer mudança agora geraria ruídos e mais volatilidade, podendo levar o mercado a atrelar a condução da política monetária ao comportamento de curto prazo da taxa de câmbio, o que seria indesejável. Nesse sentido, o Copom deve indicar a manutenção do ritmo de ajuste nas ‘próximas reuniões’, diz relatório da gestora e corretora.

Para a Warren, a discussão do cenário internacional deve ganhar ainda mais peso, centrando-se na elevação das taxas de juros de longo prazo nos EUA. “Avaliamos que o balanço de riscos possa ser alterado, com a inclusão como fator de risco altista os impactos sobre os preços de ativos (taxa de câmbio) do cenário externo mais adverso, apesar do comportamento relativo tranquilo do real até o momento”, opina.

Na mesma direção, a previsão é que deve ser dado um destaque maior à execução das metas fiscais já estabelecidas. “Nosso cenário alternativo é de uma Selic terminal em torno de 10,50%, muito mais em função dos riscos fiscais do que dos riscos externos. Em particular, uma eventual decisão pela alteração da meta fiscal tiraria a força do arcabouço, ao evitar que os gatilhos sejam acionados”, diz o relatório da Warren.

A explicação é que isso provavelmente acarretaria uma depreciação do câmbio, devido à elevação do prêmio de risco, e numa desancoragem adicional das expectativas de inflação.

Por conta desse cenário mais incerto, Andrea Damico, economista chefe da Armor Capital, acredita que o comunicado deve sem mais conservador. No cenário externo, além da preocupação com a curva longa de juros americana e a desaceleração da China, deve entrar também a incerteza gerada pela guerra no Oriente Médio. “Por mais que tenha impacto pequeno até agora nos mercados, gerou incerteza muito grande no radar. A guerra traz um piora de balanço de riscos.”

No campo doméstico, Andrea comenta que o BC deve reconhecer uma desaceleração da atividade e na inflação. No balanço de riscos, no entanto, deve reforçar a piora do cenário externo e reforçar também a questão fiscal.

A economista da Armor diz que o trecho do último comunicado que mencionou a importância de se perseguir a meta de déficit primário zero deve ser reforçado e estressado após os últimos dias de descrença em relação à meta. “Eles devem endurecer esse ponto em relação ao fiscal e a se perseguir as metas fiscais. Talvez até entrando no balanço de riscos. Isso deve tornar o comunicado no geral mais duro”, explica.

Claudia Moreno, economista do C6 Bank, acredita que o BC tende a ser mais cauteloso para a sinalização de cortes pra as próximas reuniões. “Talvez deixe mais em aberto, em função desses riscos que ele está vendo”, afirma, destacando uma possível menção a um risco da taxa de câmbio motivado pelo diferencial de juros com os Estados Unidos.

Sobre o risco fiscal, ela não acredita em grandes mudança em relação ao último comunicado, uma vez que não houve alteração oficial da meta de resultado primário, além de o mercado já trabalhar com a expectativa de que a meta não seria cumprida.

Balanço simétrico

Para o Itaú, apesar do ambiente externo ter se tornado mais complexo, internamente as divulgações de inflação mostraram uma evolução mais benigna dos dados, com queda nas principais medidas centrais.

“O balanço de riscos para a inflação deverá continuar a ser descrito como simétrico, com a possibilidade de as autoridades mencionarem a subida das taxas de juro de longo prazo nos Estados Unidos e, a nível interno, um mercado de trabalho ainda aquecido. Adicionalmente, acreditamos que o Copom deve manter seu sinal de serenidade e moderação na condução da flexibilização monetária, destacando que a magnitude do ciclo depende da evolução da inflação, das expectativas, do hiato do produto e do equilíbrio dos riscos”, diz texto assinado pela equipe capitaneada pelo economista chefe Mario Mesquita.

Na avaliação do JP Morgan, como o BC ainda está nos estágios iniciais do seu ciclo de flexibilização, o recente estresse global não deverá afetar as ações da autoridade monetária no curto prazo. “Os fundamentos domésticos, com a confirmação de alguma desaceleração do PIB do 3º trimestre e pressões inflacionárias contidas, sugerem que o ciclo de cortes deve continuar por enquanto”, diz o banco de investimentos em relatório.

No comunicado, o banco vê o BC mantendo a orientação de manutenção do ritmo de 50 pontos base para as “próximas reuniões” e afirmando que as taxas devem permanecer acima do neutro por enquanto. “O BC também deverá continuar evitando dar uma orientação clara sobre a extensão do ciclo, que muito provavelmente continuará a ser caracterizado como dependente de dados.”

André Nunes de Nunes, economista-chefe do Sicredi, vê a comunicação do Copom nessa reunião como mais desafiadora, devido à sensível piora do contexto externo para o cenário básico de inflação. “Apesar de o conflito no Oriente Médio não ter deflagrado um choque expressivo no preço do petróleo, a incerteza permanece e a dúvida é constante, prejudicando bastante a previsibilidade”, afirma

Para ele, a elevação das taxas de juros longas dos Estados Unidos é um risco de maior impacto para o cenário do Copom, não apenas por já ter se materializado, mas principalmente por acabar limitando o espaço e orçamento do Copom nesse ciclo de flexibilização

Nunes diz que o cenário doméstico é mais benigno do que na última reunião. “As leituras de inflação têm mostrado uma dinâmica positiva, especialmente nos grupos mais sensíveis para o Copom, como serviços e serviços subjacentes. A própria leitura do IPCA-15 mostrou uma desaceleração intensa na métrica de subjacentes”, lembra.

A comunicação do Copom, afirma, terá o desafio de ponderar entre a piora externa e a melhora doméstica. “Ou seja, apesar da mudança na composição, o balanço de riscos para o Copom deve seguir equilibrado, o que dá segurança para que o BC continue flexibilizando o ciclo no ritmo atual, de 0,50 p.p., levando a Selic até 11,75% a.a. ao final do ano. No início de 2024, entretanto, já vemos condicionantes para uma aceleração no ritmo de cortes.”

Alex Agostini, economista chefe da Austin Rating, afirma que todos os indicadores internos vão na direção de permiti que o BC corte os juros em meio ponto percentual hoje, como a inflação corrente em direção de fechar o ano no teto da meta e a inflação prospectiva convergindo para o centro do objetivo.

Ele alerta para os riscos climáticos em preços de alimentos, devido aos efeito do fenômeno El Niño, uma vez que a produção no Sul do país já foi afetada, os preços do arroz dispararam e há pressão nas carnes.

Somado a isso existe a preocupação com os preços internacionais do petróleo devido ao conflito no Oriente Médio, embora tenha havido uma recente redução nos preços dos combustíveis no mercado interno. “É um fator de risco que precisa ser acompanhado.”

Sobre a questão fiscal, Agostini diz que ela tem sido bastante destacada como fator de controle inflacionário tanto no Brasil como nos Estado Unidos, que também decidem sobre os juros hoje. “No Brasil é muito mais grave porque a capacidade de financiamento é menor do que nos EUA. E além disso tem o efeito negativo da fala do presidente (Lula).  É óbvio que quando governo sai e fala sobre o déficit zero, abre-se toda essa toda essa preocupação da capacidade  de honrar o compromisso.”

Para o economista, o risco fiscal não vai surgir ou se acentuar por uma fala do presidente, mas o perfil mais populista, estatista e gastador do presidente da República é conhecido. “O (Fernando) Haddad vem conquistando a confiança dos investidores e dos empresários porque  vem sendo o para-raios e o para-choque, quando toma o fogo amigo dos demais ministros ou do Lula na questão fiscal”, comenta.

Para Agostino, tanto o ministro da Fazenda como Guilherme Mello (secretário de Política Econômica) e Rogério Ceron (secretário do Tesouro) tem se mostrado grandes fiscalistas, que estão muito preocupados de fato em atingir o déficit zero para 2024.