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As expectativas de inflação para 2024 e 2025 permanecem desancoradas – jargão usado pelos economistas para definir quando as estimativas estão “fugindo” do centro da meta perseguida pelo Banco Central – praticamente desde o início do ano. Tanto na virada do governo Bolsonaro para a gestão de Lula como agora, a explicação é desconfiança para com os compromissos fiscais da atual administração.
Também contribuiu para esse pessimismo a dúvida se as mudanças na diretoria do BC, com substituição dos integrantes no final do mandato por nomes mais alinhados à administração federal, pode acarretar riscos de leniência, com menor rigor no combate à inflação.
A pergunta do momento entre os especialistas é se há espaço para que essas expectativas voltem a “encaixar” no ano que vem.
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A meta definida pela Conselho Monetário Nacional (CMN) tanto para 2024 como em 2025 é de 3%, mas o Boletim Focus desta semana mostrou a estimativa para o ano que vem em tendência de alta e atingindo 3,91%. Para o ano seguinte, a expectativa está estacionada em 3,5% há 15 semanas.
Os economistas estão em dúvida se a confiança pode retornar no curto prazo, especialmente após declarações do presidente Lula sobre a necessidade de aumentar gastos, que reacenderam propostas até de mudança da meta de resultado primário zero no ano que vem, definida nas regras do arcabouço fiscal.
Leonardo Costa, economista da ASA Investments, afirma que a desancoragem das expectativas de inflação está associada exatamente ao risco fiscal. “Em perspectiva, ocorreu no último trimestre de 2022 o efeito de duas discussões: a mudança da meta de inflação e o interesse em aumento do gasto fiscal pelo governo recém-eleito”, lembra.
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Embora a possível mudança da meta de inflação tenha sido uma questão superada em junho, com a manutenção da taxa de 3% para os próximos anos, Costa comenta que o empenho pelo gasto segue inscrito no atual governo.
“Não observamos mudança relevante de discurso por parte das autoridades fiscais que justifique alteração dessa perspectiva ao longo dos últimos meses. Portanto, o risco não parece ter mudado e o peso central é o fiscal doméstico”, diz.
Alexandre Maluf, economista da XP Investimentos, é outro especialista a atribuir mais força ao risco fiscal entre os fatores que mantém as expectativas acima da meta de 3,0% no médio prazo.
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Ele lembra que, há algumas reuniões do Copom, a documentação do Comitê até sugeria que o descompasso teria relação com uma percepção de possível leniência da autoridade com o cumprimento da meta de inflação. No entanto, destaca, a decisão de manter a meta de inflação em 3,0% e nomeação de diretores técnicos pelo governo deve ter diminuído essa percepção. “O próprio Copom retirou o termo “leniência” de sua documentação”, afirma.
No entanto, na última ata do Copom, divulgada na última terça-feira (7), cita o economista, foi dado maior peso à questão fiscal, com a citação de maior preocupação acerca das discussões públicas sobre o tema, “principalmente pela perspectiva de alteração da meta de resultado primário para déficit em 2024”.
BC leniente?
Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, concorda com as preocupações no front fiscal, mas vê o temor pela leniência da nova administração do Copom como mais preponderante para as expectativas ficarem nos atuais patamares.
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“Quando olhamos as expectativas do boletim Focus, o IPCA estabiliza em 3,5% a partir de 2025, mesmo com a expectativa de zeragem do déficit primário em 2027. Se a busca pela meta de 3,0% fosse crível, considerando o ajuste fiscal implícito na visão dos analistas, a inflação deveria convergir para a meta, o que não acontece”, explica.
Para ele, a projeção de um IPCA 3,5% de 2025 em diante indica que, na visão dos economistas, a meta de inflação ‘verdadeira’, a que será perseguida pela próxima administração do BC, é 3,5%.
Na última terça-feira (7), durante um debate na sede do Sescon-SP que teve a participação online do diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, economista Zeina Latif comentou que uma parcela da culpa de o Brasil ter juros neutros ou estruturais mais elevados em relação a países pares, ou vizinhos, é justamente o risco fiscal que está ali embutido.
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Segundo a sócia da Gibraltar, a gestão da política fiscal tira graus de liberdade da política monetária basicamente em dois canais: pelo próprio estímulo à demanda, reforçado pelas políticas de transferência de renda, e por esse risco fiscal embutido.
Zeina destacou que, quando foi anunciado o arcabouço fiscal, a definição de uma meta de déficit zero (em 2024) não melhorou a projeção para o resultado primário do ano que vem porque enxergava a dificuldade de entregar o que foi prometido.
“Muitas perguntam: se já era esperado que não seria cumprido, por que esse mal humor esse mal-estar, quando se falou em revisão da meta? Primeiro, quando a gente pensa em revisão, tem que ver que mal começou o jogo. Tem compromissos que precisam ser reafirmados. Na minha visão, precisa trazer para o debate a necessidade de conter despesas e acho que isso vai ser um teste importante para o ministro (Haddad)”, afirma. Ou seja, a economista destaca que o fato não é apenas déficit, mas a perspectiva.
Laura Moraes, economista da Neo Investimentos, também vê uma combinação dos dois riscos. Embora o governo tenha aceitado manter a meta de inflação em 3%, ela acredita que isso se deveu muito mais ao fato de a inflação estar normalizando, tirando a necessidade de “acelerar” o BC.
“Porém, tendo em vista que os agentes políticos acreditam nesse subterfúgio como uma solução para o BC, numa situação futura hipotética em que a inflação volte a pressionar, essa é uma discussão que deve voltar. Além disso, o risco fiscal voltou a ficar em pauta uma vez que o abandono da meta de resultado primário enfraquece o arcabouço fiscal que mal tinha sido colocado em execução”, comenta.
Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, a desancoragem das expectativas está agora mais ligada com a incerteza sobre o ajuste fiscal, mas também carrega um pouco da desconfiança anterior. “Crescimento de gastos, sem fontes, pode manter a inflação mais alta e impedir que volte para a meta. Além disso, a discussão do governo sobre revisão da meta de inflação para 4% também impactou as expectativas e a reversão foi apenas parcial.”
Já Igor Cadilhac, economista do PicPay, argumenta que houve algumas surpresas positivas dos novos diretores do BC recentemente, mas ainda é preciso ver como isso vai se efetivar, além de restarem algumas dúvidas sobre quem será o substituto de Roberto Campos Neto na presidência da instituição.
“Portanto, ainda existem incertezas. Mas, hoje, as expectativas desancoradas podem ser atribuídas majoritariamente ao fiscal. Antes, a grande chave do fiscal era ver como seria a execução do que foi prometido pelo governo. Agora, o que temos visto que a própria meta está em xeque. Essa mudança, por si só, já é bem negativa”, afirma
Convergência difícil
E o que pode ser feito para que essas expectativa voltem a convergir para a meta? As respostas dos economistas são unânime sobre a necessidade do cumprimento das metas fiscais nos próximos anos e da estabilização da relação dívida/PIB.
Para Borsoi, na Nova Futura, será preciso uma confluência de fatores. “Em primeiro lugar, a visão de comprometimento da nova administração com a meta de 3,0%. Isto só ficará claro em 2025, mas, a depender dos votos dos novos diretores nas em 2024, podemos ter alguns sinais sobre essa variável. O alinhamento dos diretores novos ao presidente Campos Neto será um fator importante para esse debate”, sugere.
O segundo ponto citado por ele é um maior comprometimento do governo com as metas fiscais. “Se o governo não utilizar a política fiscal para impulsionar a atividade em momentos de desaceleração, não há motivo para esperar IPCA acima da meta, uma vez que a desaceleração seria suficiente para desinflacionar a economia”, alega.
Ele também coloca na conta a possibilidade de algum evento internacional que derrube as expectativas de inflação globais. Ou seja, caso ganhe corpo a tese de que o processo inflacionário global foi vencido e que o equilíbrio pré-pandemia, de inflação baixa, esteja intacto, podemos haver uma rodada de acomodação das expectativas.
Maluf, da XP, também defende uma garantia de persecução de uma política fiscal crível como um passo para a melhora das expectativas. Ele destaca que a equipe econômica tem passado dificuldades para majorar as receitas públicas e comenta que boa parte das medidas já aprovadas apresentam uma arrecadação abaixo do esperado, enquanto outras sofrem entraves no Congresso e pressões da sociedade civil.
“Desse modo, acreditamos ser difícil o cumprimento de um resultado fiscal zerado em 2024. Vale dizer que, em vez de o governo propor redução de despesas, a ideia de elevação do déficit previsto para o próximo ano ganhou mais força. Hoje, a XP projeta déficit primário de 0,9% do PIB no ano que vem, percentual ainda mais elevado do que a proposta de 0,5% de déficit que ventila na imprensa.”
Laura Moraes, da Neo Investimentos, acredita que esse processo só será iniciado com a observação de constantes posturas condizentes com o compromisso de manter a inflação na meta e sob controle. “Perseguir as metas de resultado primário de modo que mostre que o governo prioriza a sustentabilidade fiscal, mesmo que isso implique em menor estímulo ao crescimento”, afirma.
Para ela, a nova diretoria do BC deve mostrar que está disposta a manter juros em patamar restritivo para garantir a convergência da inflação para a meta, mesmo que isso seja duramente criticado pelos líderes políticos que escolheram os novos integrantes. “Ou seja, é preciso mostrar que não há qualquer subordinação mesmo que informal aos membros do executivo”, alerta.
Rafaela Vitória, do Banco Inter, também defende que a credibilidade na política fiscal, com o cumprimento das metas e seguindo as regras do novo arcabouço podem resultar em reancoragem das expectativas. “A inflação corrente se aproximando do centro da meta até o final de 2024 e 2025 também pode resultar em revisões positivas das expectativas para os anos seguintes”, prevê.
Cadilhac, do PicPay, diz que espera um somatório de coisas. A primeira, bem importante, seria manter a meta estabelecida, avançar com as medidas no Congresso e até cortar despesas. “É um ponto mais difícil, mas certamente ajudaria muito. Sobre a diretoria do BC, claro que também há a expectativa de manter uma composição mais técnica do Comitê, e esse seria outro ponto de grande ajuda”, sugere.
Como ficam os juros?
Parte dos economistas já colocou sem suas projeções um corte de juros total menor até 2024 do que o antes estimado, exatamente por conta dessas desconfianças.
Na Nova Futura, por exemplo, a projeção de Selic no fim de 2024 passou de 9,5% para 10%. Para 2025, a estimativa de 8,5% foi mantida.
A XP também não revisamos sua para a taxa Selic no ano que vem, uma vez que seu cenário já considerava déficit primário na ordem de 1% do PIB e um cenário externo incerto. “Divulgamos, há vários meses, projeção de taxa Selic terminal de 10,00% em 2024”, afirma Maluf.
Para a Neo Investimentos, o cenário ainda não mudou porque a avaliação é que ciclo de cortes atual tem o respaldo de uma inflação corrente muito baixa, mostrando normalização de choques relevantes no decorrer da pandemia. A projeção ainda é de uma Selic “terminal” de 9%, embutindo uma expectativa de inflação longa desancorada.
O risco atualmente, diz Laura Moraes, é a conjuntura internacional, que pode levar a uma desvalorização cambial e trazer impactos mais rápidos para a inflação de curto prazo, levando o BC a ter que revisar sua estratégia.
Costa, da ASA Investments, também não alterou sua projeção para Selic, de 9,5%, em 2024, e de 8,5%, em 2025. Rafaela Vitória, do Inter, também mantém, “por enquanto” a expectativa de Selic em 9% para final de 2024 e de 8% no longo prazo, considerando um juro neutro de 4,5% e inflação em 3,5%.
Já Cadilhac, do PicPay, diz que é importante observar o bom comportamento inflacionário corrente, com núcleos de inflação bem-comportados e saudáveis, e também uma difusão historicamente baixa. Ainda assim, ele revisou a Selic “terminal 2024” de 8,5% para 9,5%.