Subindo a régua no campo
Líder em vários produtos agropecuários, Brasil precisa encarar os desafios ambientais e apostar em tecnologias sustentáveis para alimentar o mundo
Em 2021, pela primeira vez, o valor bruto da produção agropecuária brasileira deve ultrapassar a casa do trilhão — cerca de 1,1 trilhão de reais, segundo estimativa do governo. A cifra — que mede a soma da riqueza que passa pelas fazendas do país, com base nos preços recebidos pelos produtores — é puxada por atividades como a exportação de soja e de carne bovina, itens em que o Brasil é líder mundial.
Nada mal para um país que há algumas décadas importava carne da Europa, feijão do México e leite dos Estados Unidos. Com o desenvolvimento da agricultura tropical, o país tornou-se fonte de alimentação de 800 milhões de pessoas no mundo, segundo a Embrapa. E esse número tende a crescer mais.
“A produção de alimentos no mundo precisa aumentar 20% em dez anos para que não falte comida à população global. Para isso, a produção brasileira precisa crescer 41%”, diz Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas.
Diante dos desafios ambientais que ocupam o topo da agenda global, porém, é certo que o novo boom do agronegócio brasileiro só poderá ocorrer mirando a sustentabilidade e melhorando a imagem que o país tem no exterior.
De acordo com Rodrigues, o aumento da produção deverá vir de tecnologias que elevem a produtividade e de sistemas produtivos integrados que permitam colher mais na mesma área, sem desmatamento e com redução da emissão de gases de efeito estufa.
Os gigantes do setor já vêm se posicionando nessa direção. A JBS, por exemplo, assumiu neste ano o compromisso de se tornar “net zero” até 2040, ou seja, zerar o balanço líquido das emissões de gases de efeito estufa com ações como o enquadramento dos milhares de fornecedores de gado à sua política de desmatamento zero, ao cumprimento integral da legislação ambiental e a iniciativas de redução de emissões.
“A economia de baixo carbono veio para ficar, e consumidores e investidores estão cada vez mais exigentes em relação a isso”, diz Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja, unidade sediada em Londrina, no Paraná. A Embrapa lançou neste ano o programa Soja Baixo Carbono para certificar produtores que tenham boas práticas. A iniciativa busca reverter a imagem negativa da soja no exterior, erroneamente associada à degradação da Amazônia.
“O objetivo da certificação é beneficiar quem já utiliza práticas sustentáveis e subir a régua do sistema produtivo, fazendo com que todos melhorem”, afirma Nepomuceno. Os protocolos estão em desenvolvimento e as certificações começarão a ser concedidas em 2023. A Embrapa já possui as certificações Carne Carbono Neutro e Carne Baixo Carbono, e desenvolve protocolos para leite, café, algodão, couro e bezerro.
A soja é cultivada em larga escala no cerrado e na Região Sul. Quase todos os produtores adubam as lavouras com tecnologia de fixação biológica de nitrogênio, dispensando a adubação química nitrogenada, de alto impacto ambiental. Mais de 60% da soja é produzida por plantio direto, sistema que permite economia de combustível, redução do uso de água e aumento da retenção de carbono no solo. E boa parte dos produtores pratica o manejo de pragas com o auxílio de insumos biológicos.
A tecnologia é um alicerce da sustentabilidade, e uma revolução vem sendo promovida por mais de mil agtechs.
Iniciativas como as da Embrapa se somam ao mais amplo projeto de sustentabilidade da agropecuária brasileira, conhecido como Agricultura de Baixo Carbono (ABC), lançado em 2010 para incentivar, por meio de crédito, práticas sustentáveis na agropecuária.
Um grande alvo do programa é o rebanho bovino brasileiro, de 187 milhões de cabeças, tido como vilão do meio ambiente não somente pela pressão que as pastagens exercem sobre as florestas. A fermentação decorrente da digestão bovina — que provoca o arroto do animal — é uma usina de metano, gás 30 vezes mais impactante do que o CO2 para o aquecimento global.
Os efeitos podem ser mitigados por pastagens de melhor qualidade e adubadas organicamente, pelo abate mais precoce dos animais e pela adoção de sistemas produtivos como a integração lavoura-pecuária-floresta. A segunda fase do programa, batizada de ABC+, acaba de ser lançada com o objetivo de superar em sete vezes os resultados da primeira etapa, diminuindo a emissão de carbono equivalente em 1,1 bilhão de toneladas até 2040.
No agronegócio, a tecnologia é um alicerce da sustentabilidade, e uma revolução vem sendo promovida por mais de mil startups do setor em atividade no país, conhecidas como agtechs.
Ligadas a universidades, centros de pesquisas ou empresas, as agtechs atuam na digitalização de fazendas e no uso da inteligência artificial na gestão da produção, no desenvolvimento de insumos biológicos que substituam adubos e defensivos químicos, no mercado de carbono e em outras frentes, como as fintechs voltadas para o agronegócio.
O objetivo é gerar maior produção por área, economia de insumos e redução de emissões, resíduos e desperdícios, além de mais dinheiro no bolso dos produtores.
INVESTIMENTOS DE IMPACTO
Graças a essas características, o mercado já classifica amplamente as agtechs como investimentos de impacto — um empreendimento que, além de lucro, é capaz de gerar resultados socioambientais mensuráveis. “Caiu a ficha para o mercado de que a tecnologia agrícola, que é onde se destacam as agtechs, é o único caminho para termos uma agricultura sustentável, produtiva e eficiente”, diz Francisco Jardim, CEO da SP Ventures, gestora especializada em investimentos em agtechs.
Um exemplo de empresas do portfólio da SP Ventures é a Agrosmart, com sede em Campinas, no interior paulista. Ela desenvolveu uma plataforma que integra dados obtidos por sensores na plantação, satélites, serviços de meteorologia e genética de sementes para indicar a exata necessidade de irrigação de lavouras. Como resultado, produtores podem economizar 60% da água e 40% da energia que seriam utilizadas em métodos tradicionais de irrigação — a tecnologia é aplicada em 48 milhões de hectares de plantações em vários países.
O impacto ambiental de uma solução como essa é evidente. “Não dá para falar em racionalizar o uso de água sem considerar a agricultura, que consome 70% da água doce no mundo”, diz Mariana Vasconcelos, CEO da Agrosmart.
“Ainda há uma distância muito grande entre a Faria Lima e o campo, mas ela está diminuindo”
Marino Colpo, CEO da Boa Safra Sementes
Inovações sustentáveis não são exclusividade de startups. Uma companhia que abriu o capital na B3 neste ano chamou a atenção pelo potencial de crescimento de suas tecnologias. O Grupo Vittia tem mais de 50 anos no mercado de fertilizantes e nutrientes para plantas. Em 2016, passou a apostar também nos defensivos biológicos, responsáveis por 10% de seu faturamento em 2020 — a receita do grupo foi de 576 milhões de reais.
O controle biológico combate as pragas valendo-se de seus inimigos naturais, que podem ser insetos, predadores e micro-organismos como fungos, vírus e bactérias. No caso do Vittia, um dos principais produtos tem como alvo a ferrugem da soja, doença causada por um fungo que é o inimigo número 1 da maior lavoura brasileira. Diversos outros produtos estão em fase de pesquisa e desenvolvimento.
Em 2020, a companhia inaugurou uma unidade industrial em São Joaquim da Barra, no interior de São Paulo, com capacidade para multiplicar por 10 a produção de biodefensivos. “Nossa aposta é na tecnologia biológica, uma área que não é explorada pelas grandes empresas do setor”, diz Alexandre Del Nero Frizzo, diretor financeiro do Grupo Vittia. “Queremos trazer disrupção para o agronegócio da mesma forma que algumas empresas transformaram o mercado financeiro.”
A evolução tecnológica e a transição sustentável renovam as oportunidades oferecidas pelo agronegócio brasileiro, que está cada vez mais perto dos investidores. “Ainda há uma distância muito grande entre a Faria Lima e o campo, mas ela está diminuindo”, diz Marino Colpo, CEO da Boa Safra Sementes, companhia que fez o IPO neste ano e já conta com mais de 40 mil acionistas.
“Muita gente deseja investir no agronegócio, que é o setor mais resiliente da economia e tem grande perspectiva de crescimento, mas não havia muitos meios”, diz Colpo, que comanda a maior fornecedora de sementes de soja do país. Ele prevê muitos IPOs e outras modalidades de investimentos no setor daqui para a frente que ajudarão a financiar o novo boom do agronegócio brasileiro.
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