Os Fundos Mútuos de Privatização – FGTS foram introduzidos no final dos anos 1990, no âmbito do Programa Nacional de Desestatização, para viabilizar o uso de recursos das contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) na aquisição de parcelas acionárias da União, estados e municípios em empresas estatais. É o que ocorre agora com a Eletrobras.
O que é um Fundo Mútuo de Privatização?
Fundos Mútuos de Privatização (FMP) são fundos de investimentos em ações de empresas estatais em processo de desestatização ou capitalização cujos aportes são realizados com recursos do FGTS. Prevista desde o final dos anos 1990, esta modalidade foi utilizada pela primeira vez em 2000, quando houve uma operação de capitalização da Petrobras, e novamente em 2002, na terceira etapa do programa de privatização da Vale.
De um lado, tal mecanismo permite ao trabalhador acessar o mercado acionário indiretamente e diversificar a aplicação de seu saldo no FGTS; de outro, amplia o volume de dinheiro que pode ser destinado a uma oferta pública de ações de companhia estatal.
Ao contrário de outros fundos de ações, os FMPs só recebem recursos no período da oferta pública, depois fecham para novos investimentos. Várias instituições financeiras estão oferecendo FMPs da Eletrobras paralelamente à oferta pública de ações da companhia, que está em processo de privatização.
A movimentação total da oferta da Eletrobras é estimada em R$ 30 bilhões, sendo que um lote suplementar de R$ 5 bilhões em ações pode ser ofertado em caso de muita demanda. A fatia destinada a quem tem recursos do FGTS é de R$ 6 bilhões. Se os investimentos nos FMPs ultrapassarem este valor, será realizado um rateio proporcional entre os pedidos de reserva, e o que sobrar volta para as contas vinculadas.
Quem tem saldo no FGTS pode investir. O aporte mínimo é de R$ 200, e o máximo equivale a 50% do total disponível na conta vinculada. No caso da Eletrobras, o período de reserva começou em 03 de junho e vai até 08 de junho, às 12 horas.
“O único momento para acessar os FMPs é na oferta”, ressaltou Bruno Stuani, responsável por Relações com Investidores na Genial Investimentos. “O investimento não ocorre diretamente nas ações, mas em cotas do fundo”, explicou.
O mesmo prazo vale para pessoas físicas que queiram participar da oferta pública comprando ações diretamente, sem o FGTS. Neste caso, o investimento mínimo sobe para R$ 1 mil.
O gestor do FMP precisa investir pelo menos 90% do capital em ações da empresa em processo de privatização. O restante pode ser aplicado em renda fixa, como títulos públicos. No caso da Eletrobras, os investimentos serão realizados em ações ordinárias ELET3.
Existem também FMPs de “carteira livre”, que podem investir até 49% de seu patrimônio em títulos de renda fixa, privados ou públicos, e o restante em ações, e contratos futuros de ações e índices. Este modelo surgiu como opção de migração para quem tinha recursos em FMPs criados anteriormente, como os da Vale e da Petrobras.
Fundos disponíveis
Existem os FMPs criados para a capitalização da Petrobras e para a privatização da Vale, mas estes estão fechados para novos aportes. Há também fundos de “carteira aberta” que podem receber recursos transferidos dos FMPs da Petrobras e da Vale.
No momento, há a possibilidade de investir nos FMPs da desestatização da Eletrobras, oferecidos por diversas instituições financeiras. Há pelo menos 23 fundos disponíveis, segundo o InfoMoney.
Quem tem aplicações nos fundos da Petrobras e da Vale pode solicitar a transferência de parte ou totalidade dos recursos para um FMP de Migração da Eletrobras, mas neste caso o prazo se encerra nesta segunda-feira (06). Funciona como uma espécie de portabilidade.
Como funcionam os fundos mútuos de privatização
Os FMPs funcionam como outros fundos de ações, mas com algumas características específicas. Em primeiro lugar, são compostos por papéis de uma única companhia. Investimentos em renda variável implicam risco e, no caso dos FMPs, como são centrados em apenas um ativo, há concentração de risco.
Como explicado acima, pelo menos 90% do patrimônio do fundo tem que ser aplicado em ações de companhia com participação estatal em processo de capitalização ou desestatização, o que deixa pouca margem de manobra para o gestor. Neste sentido, o desempenho do FMP fica sujeito às oscilações dos papéis da empresa na bolsa de valores. Ações podem valorizar ou desvalorizar.
Outra característica é que quem transfere dinheiro do FGTS para um FMP só poderá resgatá-lo depois de um ano. Os recursos eventualmente resgatados não vão para o bolso do investidor, mas retornam ao FGTS. Para migração de montantes de um FMP para outro, porém, o prazo é de apenas seis meses.
O interessado só poderá resgatar os valores do fundo antes do prazo de um ano nas hipóteses que permitem o saque normal do FGTS, como demissão sem justa causa, término de contrato de trabalho por tempo determinado, falência do empregador, aposentadoria, doenças graves, compra de imóvel e outras.
Um dado importante é que o rendimento do FGTS é garantido, apesar de baixo: atualização mensal pela Taxa Referencial (TR), mais 3% ao ano. No FMP não há esta garantia, o rendimento dependerá do desempenho das ações.
É possível investir em diferente fundos?
No caso da Eletrobras, não. Será possível investimento apenas em um dos fundos oferecidos por diversas instituições financeiras.
Mas quem tem recursos alocados nos FMPs da Petrobras e da Vale pode solicitar migração de parte ou a totalidade para um FMP da Eletrobras com a designação “migração”. Lembre-se que o prazo para pedir a transferência é mais curto.
Em tese, será possível mover dinheiro de um FMP da Eletrobras para outros do gênero que forem criados no futuro.
Quem pode acessar?
Qualquer trabalhador com saldo no FGTS pode investir. Vale lembrar que, no caso da Eletrobras, a aplicação mínima é de R$ 200. Até 50% do valor depositado no FGTS pode ser investido. Quem tem investimentos em FMPs já existentes pode pedir migração de recursos para um FMP da Eletrobras.
Quem não tem saldo no FGTS, mas quer participar da oferta pública da Eletrobras, tem que comprar ações diretamente, mas neste caso o valor mínimo é de R$ 1 mil.
Tributação
O rendimento do FMP fica isento de Imposto de Renda se for menor ou igual ao do FGTS (TR, mais 3% ao ano). Acima disso, haverá recolhimento de 15% de IR sobre o valor que ultrapassar a faixa de isenção. A cobrança ocorre no resgate.
Na declaração de IR, o FMP deve ser declarado na ficha “Bens e direitos”, grupo 7 “Fundos” e código 4 “Fundos de Investimento em Ações e Fundos Mútuos de Privatização – FGTS”. Os rendimentos vão na ficha “Rendimentos Sujeitos à Tributação Exclusiva/Definitiva”, item “Rendimentos de Aplicações Financeiras”.
Vantagens e pontos de atenção
Uma vantagem de investir parte do FGTS em FMPs é a diversificação dos rendimentos. Em vez de manter 100% dos recursos na remuneração tradicional do fundo, o trabalhador consegue que pelo menos uma parcela esteja exposta aos retornos de um investimento diferente – no caso, a renda variável.
“Quanto maior a diversificação, melhor a carteira. O investidor otimiza os retornos sem ficar preso num só ativo”, afirmou Clara Sodré, analista de Alocação e Fundos da XP Investimentos. Ela preparou um vídeo e é coautora de artigo explicativo sobre FMPs. Confira aqui.
Ao mesmo tempo, é importante lembrar que os FMPs são fundos “monoação”, o que significa que, dentro deles, não há diversificação dos riscos entre diferentes setores ou empresas.
Outro ponto de atenção relevante é a tolerância ao risco do investidor. A remuneração do FGTS é garantida. Já investimentos em renda variável, como o próprio nome diz, podem variar. “No FGTS, o risco é perder para a inflação”, observou Sodré.
O perfil do interessado – conservador, moderado ou arrojado – deverá influir na decisão de optar ou não pelo FMP e de quanto será um eventual aporte. É permitido aplicar até 50% do saldo do FGTS, mas é possível optar por uma fatia menor.
O prazo de permanência do dinheiro no fundo é outro item de atenção. Investimentos em ações são recomendados para horizontes de longo prazo, acima de cinco anos. Portanto, se o investidor for precisar de recursos em curto ou médio prazos, o ideal é que ele já tenha uma reserva de emergência definida.
Se ele for demitido, por exemplo, e precisar dos valores do FMP, pode ser obrigado a sacar num momento de baixa das ações.
O investidor deve levar em consideração ainda sua fase de vida. Ainda está acumulando patrimônio? Pode esperar para ter retorno em longo prazo? “Não dá para avaliar renda variável em curto prazo”, ressaltou Sodré.
Stuani, da Genial, acrescenta que o interessado deve avaliar o “custo de oportunidade” do investimento. O rendimento do FGTS é considerado baixo em comparação com a Selic (atualmente em 12,75% ao ano). Nos últimos anos, ganhou por pouco da inflação, mesmo distribuindo parte de seus lucros aos trabalhadores desde 2016.
Em 2020, por exemplo, o retorno total do FGTS – somando a remuneração de 3% mais TR com a distribuição de R$ 8,1 bilhões de lucro – foi de 4,92%. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial de inflação, foi de 4,52% no período.
Rentabilidade do FGTS | IPCA | |
2016 | 7,14% | 6,28% |
2017 | 5,59% | 2,95% |
2018 | 6,18% | 3,75% |
2019 | 4,90% | 4,31% |
2020 | 4,92% | 4,52% |
2021 | não divulgado | 10,06% |
Por outro lado, segundo levantamento da XP, os FMPs existentes tiveram nos últimos 20 anos retornos significativamente maiores do que os do FGTS. Quem deixou integralmente os recurso no FGTS obteve uma valorização de 136,09% no período, mas quem aplicou 50% do saldo num FMP da Vale, viu um retorno de 2.235,13%. No caso da Petrobras, o avanço foi de 649,36%.
Estes ganhos foram acumulados ao longo de 20 anos, mas no período ocorreram grandes oscilações. Ou seja, quem investiu nestes fundos viu a rentabilidade ficar negativa em determinados momentos. “É importante respeitar os perfis de risco e estar ciente de que renda variável oscila e tem volatilidade”, comentou Stuani.
Uma empresa privatizada tende a ganhar eficiência. Isso pode se refletir positivamente no preço das ações, mas o investidor deve estar ciente que estará exposto a eventuais cenários negativos, tanto do ponto de vista macroeconômico como da própria companhia.
A previsibilidade do fluxo de caixa é um fator que conta a favor de empresas de energia, inclusive no que diz respeito a dividendos. No caso da empresa pagar proventos, porém, o dinheiro não vai diretamente para o bolso do investidor, é reinvestido no FMP e contribui para a valorização das cotas.
Como os FMPs disponíveis são “monoação”, ou seja, lastreados num único ativo, o investidor deve estar atento às taxas de administração cobradas pelos bancos e corretoras, que podem ter impacto nos retornos reais. As tarifas no caso da Eletrobras variam de zero a 0,8%, dependendo da instituição.
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No caso da oferta pública da Eletrobras, o investidor deve acessar o aplicativo do FGTS para dispositivos móveis e clicar em “Autorizar bancos a consultarem seu FGTS”. Depois, selecione “Aplicação nos fundos mútuos de privatização FGTS”. Escolha “FMP Eletrobras” e toque em “Continuar”. Visualize e aceite o termo de “Autorização para consulta às informações do FGTS”, e aperte “Continuar”.
Na tela subsequente, escolha a instituição financeira “Administradora” e clique em “Confirmar seleção”. Você pode optar por um banco ou corretora em que já tenha conta, se estiver listada entre as administradoras do FMP, ou selecionar outra.
Se desejar, o investidor pode trocar a autorização para uma instituição diferente. Lembre-se de verificar as taxas de administração. No aplicativo, é possível ainda simular a aplicação no FMP.
Depois da autorização, o interessado deve realizar a reserva propriamente dita no site ou aplicativo do banco ou corretora escolhida, ou com auxílio de gerente ou assessor de investimentos.
Atenção: as reservas poderão ser feiras diariamente até as 17 horas, com exceção do dia 08, quando elas se encerram às 12 horas.