Um dos principais objetivos da reforma tributária é tornar mais justa e simplificar a forma de cobrança de impostos no Brasil. Esse é o papel do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), o imposto que incide de forma não cumulativa, tornando mais visível o que efetivamente pagamos quando consumimos determinado produto ou serviço.

Atualmente, mais de 170 países adotam o IVA, entre eles Canadá, Austrália, nações da União Europeia e emergentes como a Índia, que passaram a utilizar essa forma de tributação mais recentemente. Na contramão, grandes economias como os Estados Unidos e o Brasil ainda possuem um sistema tributário fragmentado, sendo que, no caso brasileiro, ainda há o agravante de um imposto incidir sobre uma base já tributada (o chamado efeito “bola de neve”).

Por aqui, a ideia é criar um “IVA dual”, que será implementado gradualmente a partir de 2026 em substituição a cinco impostos – três federais, um estadual e um municipal. A seguir, entenda como funciona esse imposto e por que ele é tão importante para a reforma tributária brasileira.

O que é o IVA?

Como o nome sugere, o IVA é um tipo de imposto que incide de forma não cumulativa, ou seja, somente sobre o que foi agregado em cada etapa da produção de um bem ou serviço, excluindo os valores que já foram pagos em etapas anteriores.

Um exemplo ajuda a entender como funciona a cumulatividade: imagine que uma fábrica venda seu produto ao distribuidor e tenha que pagar “X” de imposto sobre essa venda. Ao receber esse produto, o distribuidor precisa vendê-lo ao comerciante, e, nesse momento, novamente incide o tributo “X”. Por fim, o comerciante vende ao consumidor final, também com aplicação do referido tributo. Perceba que, se o produto custou R$ 50 para o consumidor, ele não tem a menor ideia de quanto representa o imposto sobre esse valor. 

Já com o IVA, não ocorre a incidência em cascata do imposto, pois ele permite que o valor pago em uma etapa da produção seja descontado quando houver a cobrança em fases posteriores. Isso se torna ainda mais importante em setores mais complexos da indústria, que contemplam várias etapas até a finalização do produto.

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Por que o governo quer criar esse imposto?

Além de o Brasil possuir uma quantidade significativa de impostos, cada ente federativo (União, estados e municípios) têm autonomia para decidir sobre suas alíquotas, respeitando os limites legais. Ao longo do tempo, a necessidade de tornar claras as competências de cada ente foi criando uma grande complexidade no sistema tributário. 

Com o IVA, o objetivo do governo é reorganizar todas essas normas, de forma a estabelecer uma tributação mais justa e equilibrada, tanto entre os setores da economia quanto em relação aos consumidores. Outro aspecto importante é o fato de que um sistema tributário mais enxuto favorece a fiscalização, pois o cálculo do imposto se torna bem mais simples.

Tudo isso facilita a previsibilidade do governo quanto à arrecadação, o que auxilia na definição e implantação de políticas públicas. Em outras palavras, quando o país sabe o que pode arrecadar, consegue planejar os seus gastos de forma mais eficiente e sem surpresas.

De forma resumida, podemos dizer que o governo quer criar o IVA para:

1 – Eliminar o efeito cascata que causa distorções na tributação dos setores produtivos;

2 – Simplificar a arrecadação, pois, com o IVA, acaba a discussão sobre o que é produto ou serviço, ou sobre para qual ente vai o imposto;

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3 – Dar visibilidade ao que efetivamente pagamos de imposto sobre o consumo, transparência essa que já existe na maioria dos países;

O que muda com o IVA

Agora que já sabemos o que é e para que serve o Imposto sobre Valor Agregado, é hora de entendermos como ele será adotado no Brasil.

Por aqui, a reforma tributária previu que o imposto terá caráter dual. Isso significa que haverá dois tipos: um de competência da União, e outro, dos estados e municípios em conjunto.

O IVA da União se chamará CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e substituirá três tributos federais: o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Nas esferas estadual e municipal, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) reunirá em um só tributo o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), de responsabilidade dos estados, e o ISS (Imposto sobre Serviços), que é municipal. Atualmente, todos esses tributos incidem de forma cumulativa durante o processo produtivo. Quando forem implantados, a CBS e o IBS funcionarão como descrevemos anteriormente, ou seja, sem que a mesma etapa produtiva seja tributada mais de uma vez.

Como o tributo será calculado?

Para entender o cálculo do IVA, vamos tomar como exemplo a produção e venda de bolsas de couro, desde a compra de matéria-prima o produto na loja. Veja como fica a tributação em cada etapa quando se considera somente o valor agregado, com uma alíquota de 10%.

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Etapa 1: o produtor rural vende o couro ao curtume por R$ 60 mais R$ 6 de IVA. O curtume, que pagou R$ 66 pelo couro, faz o beneficiamento e vende a peça a R$ 100 mais R$ 10 de IVA. No momento de recolher o imposto, o curtume terá R$ 4 de desconto, relativos ao tributo que pagou quando comprou couro do produtor. Dessa forma, o valor do IVA devido será de R$ 6.

Etapa 2: a indústria, que comprou o couro a R$ 110, vende a bolsa para a loja a R$ 180 mais R$ 18 de IVA. Nesse caso, o imposto devido pelo fabricante será de R$ 8, pois já pagou R$ 10 no momento da compra da matéria-prima.

Etapa 3: a rede de lojas, que pagou R$ 198 pela bolsa, coloca o produto à venda por R$ 300 mais R$ 30 de IVA. Como a loja já pagou R$ 18, deverá recolher somente a diferença, ou seja, R$ 12.

No final, os R$ 330 que o consumidor paga pela bolsa contempla o valor do imposto que incidiu unicamente em cada etapa da produção. Isso porque, à medida que evoluía o processo produtivo, foram sendo deduzidos os valores pagos nas fases anteriores.

Qual a alíquota do IVA no Brasil?

Ainda não foi definida a alíquota que o Brasil adotará quando a CBS e o IBS entrarem em vigor. Esse é um dos principais pontos de dúvida na tramitação da reforma no Senado. De acordo com o Ministério da Fazenda, a projeção inicial apontava para uma alíquota entre 25,45% e 27%, mas, no início de novembro, Bernard Appy, articulador e secretário extraordinário da reforma tributária, afirmou em entrevista à CNN que o IVA deverá ter alíquotas entre 25,9% e 27,5%. No entanto, vale ressaltar que está prevista uma redução na tributação sobre o consumo que cairá em relação aos 34,4% cobrados atualmente.

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“O valor depende também do que vai acontecer com a sonegação. Estamos confiantes de que vai cair – o que diminuiria a alíquota – mas ainda não sabemos quanto”, disse Appy à emissora. 

A reforma tributária prevê projeto de lei complementar para fixar a alíquota do IVA. Até o momento, o que se sabe é que existirá uma alíquota padrão (valor cheio do imposto), uma reduzida em 60% para setores como saúde, educação, transportes, produtos e insumos agropecuários e cultura, e uma alíquota zero para casos específicos, como produtos da cesta básica que também serão definidos em lei complementar. E também existe a possibilidade de uma alíquota intermediária de 30% para profissionais liberais regulamentados, pleito incluído no texto-base da reforma pelo senador Eduardo Braga em novembro e que será avaliado na próxima votação da Câmara.

Por que o IVA é tão importante para a reforma tributária?

Segundo especialistas, uma das principais vantagens do IVA é a simplificação do sistema tributário nacional.

“Além da quantidade de impostos que temos no Brasil, há também um grande volume de obrigações acessórias que demandam muita atenção. Dependendo do erro ou omissão de informação, a empresa pode ter sérios prejuízos. Isso faz com que muitas que possuem atividades mais complexas tenham vários funcionários cuidando de questões fiscais, e tudo isso é custo para o negócio”, observa Gilson Ribeiro, advogado tributarista da Sebastião Duarte Advogados.

Outro ponto importante a considerar é a extinção da cobrança cumulativa do imposto ao longo da cadeia produtiva. Isso desonera boa parte do processo, pois o tributo que já foi pago em uma fase passa a não fazer parte da base de cálculo da próxima etapa. Dependendo da atividade, esse desconto pode fazer bastante diferença para os resultados da empresa.

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O texto da reforma também prevê que o IVA seja cobrado no destino dos bens e serviços, e não na origem, como acontece hoje. Teoricamente, isso acabaria com a guerra fiscal entre os entes federativos, o que também é muito importante para a estabilidade do sistema tributário. No entanto, isso precisará ser feito com muito cuidado, para que estados produtores e com populações menores não tenham a arrecadação prejudicada. 

Por si só, o IVA não elimina toda a complexidade do nosso sistema tributário, pois há mais de 90 tributos vigentes atualmente no Brasil, de acordo com o Portal Tributário. Porém, a adoção dessa sistemática já é um grande passo em direção a normas mais claras quanto à eficiência e equidade no pagamento de tributos.