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A temporada americana de balanços do terceiro trimestre começa a partir desta quarta-feira (12). Com o atual cenário macroeconômico dos Estados Unidos e mundial, de inflação ainda elevada e de alta dos juros, os resultados de algumas companhias, possivelmente, podem atuar como triggers [catalisadores] para todo o mercado – ainda mais com os índices enfrentando um período de alta volatilidade.
Há cerca de três semanas, o anúncio de uma mudança de projeção para 2022 das receitas do FedEx, uma das principais empresas de logística do mundo, foi o principal gatilho para uma queda das bolsas mundiais. Em julho, uma alteração do guidance do Walmart também foi um “empurrão” para um recuo relevante do S&P 500 e de outros benchmarks em determinado pregão.
“Essas empresas não têm, necessariamente, grandes pesos nos índices. As ações com mais pesos no S&P 500 são as big techs, como Microsoft (MSFT34), Apple (AAPL34) e Google (GOGL34)”, explica Jennie Li, estrategista de ações da XP Investimentos. “Mas essas companhias são praticamente indicadores econômicos e nós estamos, agora, em uma situação muito complexa. Temos subida de juros, inflação, medo de recessão. Os balanços dessas empresas acabam sendo olhados com atenção”.
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Jennie explica que a base de clientes do Walmart, por exemplo, é “praticamente uma representação da base americana de consumidores – o balanço da rede de supermercados, por isso, acaba sendo um indicador de como está a “saúde do consumo” nos Estados Unidos.
“Já o FedEx acaba sendo um indicador mais global de atividade econômica. Se as empresas e as pessoas estão usando os serviços da FedEx, movimentando mercadorias, é um sinal de que as trocas estão aquecidas. Se não, a indicação é contrária”, acrescenta a especialista.
Nos Estados Unidos, segundo dados da CSI Market, o Walmart, no primeiro trimestre deste ano, tinha uma participação de mercado de 28,86% no varejo americano. O FedEx, em transporte e logística, teve uma participação de 36,56% entre julho e setembro.
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“De forma generalizada, algumas empresas representam muito bem o setor em que atuam. São empresas que têm alta fatia percentual de mercado e, por isso, acabam chamando a atenção dos analistas no quesito macroeconômico”, contextualiza Guilherme Zanin, analista da Avenue.
Em um cenário em que o Federal Reserve tenta controlar a inflação, um varejo muito forte, ou até mesmo um setor de logística aquecido, acaba por sinalizar que as altas dos juros podem não ter sido suficientes até então.
Walmart e FedEx divulgam seus resultados, respectivamente, no dia 15 de novembro e no dia 20 de dezembro. A Target, que também impactou o mercado recentemente não forneceu data específica, mas deve tornar seu balanço público entre o os dias 15 e 21 de novembro.
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Analistas, segundo a Refinitiv, esperam que o Walmart traga uma receita de US$ 147,3 bilhões no terceiro trimestre, menos do que os US$ 152,8 bilhões do segundo. Para a Target, a perspectiva é de um faturamento de US$ 26,3 bilhões, pouco acima dos US$ 26,03 bilhões do segundo trimestre, e para o FedEx, é de US$ 23,7 bilhões, praticamente estável na base trimestral.
Nesta semana, bancos devem abrir detalhes sobre o crédito nos EUA
De forma mais imediata, os bancos, que abrem a temporada de balanço americana nesta semana, também devem servir de indicadores macroeconômicos para investidores e analistas.
“O setor financeiro é um termômetro da saúde econômica de parte das empresas e também das pessoas e, por isso, deve chamar atenção”, fala o analista da Avenue. “Olharemos, primeiro, o quanto as pessoas físicas estão tomando de crédito e se está havendo um atraso dos pagamentos, ou até mesmo alta da inadimplência. Serão termômetros da economia. Naturalmente, na frente de investimentos, sabemos que o número de IPOs [oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês] está reduzido”.
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De acordo com Zanin, a expectativa geral é que os bancos ilustrem uma piora da economia americana. A inflação tende a levar pessoas a buscarem mais crédito, e isso em um momento de juros elevados, o que pode levar a um aumento da inadimplência.
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Ao mesmo tempo, se a procura por linhas de crédito aumentar, é possível que o mercado reaja mal, vendo isso como um possível gatilho para a inflação no curto prazo.
“Para mim, o destaque fica, principalmente, para os bancos e para as empresas que dependem do dólar. Acho que serão a tônica e os assuntos que vão definir como o S&P 500 irá reagir no futuro”, defende Zanin. “As empresas que dependem de exportação devem ter receitas menores, por conta do fortalecimento da moeda americana. Temos olhado com atenção para essas”.
O fortalecimento do dólar, de acordo com o especialista, deve frear boa parte do faturamento das companhias que têm parte relevante das suas receitas dependentes da venda para outros países – cerca de 60% do S&P 500.
Com a moeda americana mais cara frente a seus pares, é comum que parte da demanda nos países que tiveram suas divisas enfraquecendo caía. Além disso, as companhias tendem a ver suas margens comprimidas.
Decorrentemente, essa mudança, de maneira geral, deve trazer algum impacto para a economia do país, alterando, por exemplo, a balança comercial.
“Esperamos que todas as empresas tenham decréscimo da receita internacional, com Europa e América Latina sofrendo com problemas de inflação. Os EUA devem crescer ainda, mas menos”, conclui Zanin. “Na questão do dólar, quanto a essa parte da receita internacional, nesta semana, na quarta, temos a Pepsi e, daqui duas semanas, a Coca-Cola”.
Cartões de crédito, varejo e mais
Arthur Siqueira, sócio e analista da GeoCapital, destaca que a performance do varejo discricionário, aquele que não é prioridade, também tende a ser um indicador relevante.
“Empresas como a VF Corporation, dona da Vans e da North Face, ou até mesmo a Nike, apesar de ser referência, sofrem na margem. As pessoas, em momentos difíceis, postergam a compra de uma roupa ou de um acessório esportivo. Não conseguem fazer isso, porém, com a compra de um medicamento”, argumenta Siqueira.
Se companhias de consumo opcional trouxerem bons resultados, isso pode ser um indicador de que a economia ainda está aquecida.
A mesma coisa valerá para as companhias de cartões de crédito, como a Visa e a Mastercard.
“Essas empresas são a base para o consumo. Com os resultados da Visa e da Mastercard, conseguimos ver para onde está indo a economia e quão aquecida ela está”, expõe o sócio da GeoCapital.
Siqueira explica, porém, que nesse caso o balanço tem de ser avaliado com algum cuidado. Essas empresas de cartões de crédito podem lucrar mais com a alta dos preços, que dá mais margem na cobrança de taxas, e também com o aumento de transações. Mudanças nas duas frentes, no entanto, podem indicar cenários macroeconômicos diferentes.
Por fim, o especialista destaca também que algumas companhias devem indicar como está o mercado de trabalho americano – algo também observado de perto por investidores e pelo Federal Reserve, uma vez que é muito ligado à dinâmica futura da inflação.
“Temos uma empresa que cobrimos aqui que chama Paychex, que presta serviços organizando folhas de pagamento. Também é um termômetro importante, pois pode trazer indicações de mais salários, mais renda média e por ai vai. É um medidor interessante do aquecimento da economia e da inflação nos serviços”, defende Arthur.
Companhias de fast food também são bons indicadores de como está o mercado de trabalho.
Recentemente, circulou na internet que empresas como o McDonalds e o Burger King estavam enfrentando dificuldade em contratar funcionários nos Estados Unidos. Por conta da economia aquecida, e por causa da grande oferta de trabalho, as pessoas estavam mais seletivas na hora de aceitar uma proposta.
“Certas empresas têm componentes de mão de obra muito mais pesados em seus custos. Quando você vê uma taxa de desemprego baixa, com crescimento dos postos de trabalho e pressão nos salários, essas empresas sofrem mais nas margens”, explica o especialistas.
De forma geral, então, a temporada de balanço do terceiro trimestre, mais do que trazer dados microeconômicos, deve também expor como a economia americana está. Por conta da volatilidade, e do atual momento da economia, os balanços provavelmente serão avaliados de perto e tendem a fazer preço nos pregões.