“Ainda há espaço para piorar mais antes de melhorar”, diz novo gestor do Brasil Plural

Entrevistado pelo InfoMoney, Maurício Junqueira fala sobre conjuntura difícil para o Brasil nos planos internacional e doméstico, mas acredita que os maiores riscos virão da política

Marcos Mortari

Publicidade

SÃO PAULO – O Brasil está no meio de seu ciclo de crise econômica e só deverá esboçar uma reação mais clara entre o fim de 2016 e o início do ano seguinte. Convidado em julho para ser o novo gestor de mercados globais da asset do banco Brasil Plural, Maurício Junqueira visualiza um cenário muito mais adverso no plano global com a desaceleração chinesa e a subsequente queda dos preços das commodities. A recuperação dos Estados Unidos, acompanhada com mais distância pela Europa, reforça um momento de inversão no fluxo de capitais de países emergentes para desenvolvidos, que ganha ainda mais força no Brasil, onde fissuras no plano econômico doméstico e a efervescência política inibem ainda mais o apetite de investidores por riscos.

“Se for para fazer alguma aposta, acho que ainda há espaço para piorar mais um pouco antes de melhorar”, diz Junqueira. Para ele, qualquer movimento negativo no quadro geral tende a vir do lado político, mas dependerá de novos acontecimentos. O novo gestor do Brasil Plural acredita que os próximos dois meses serão decisivos para a definição de qual cenário irá se sobrepor – o do impeachment da presidente Dilma Rousseff seria menos provável, mas não com possibilidade desprezível. Enquanto nada disso acontece, a recomendação é assumir posições mais leves, embora o cenário puramente econômico apresente um pouco mais de clareza – mesmo não sendo aquele que o mercado gostaria de ver. Para 2015, o especialista espera retração de 2% ou mais no Produto Interno Bruto, movimento acompanhado com menos força no ano seguinte, quando é projetado desempenho entre 0% e -1%.

Maurício Junqueira reforça, desde julho, a equipe de gestão da macro asset do Brasil Plural, comandada por Leonardo Breder, sócio e responsável por renda fixa. Com mais de 18 anos de experiência em gestão de mercados, atuou em instituições como Lentikia Capital, BTG Pactual e Banco Cacique. Em 2010, foi um dos fundadores da Squanto Investimentos, e, dois anos depois, da Tese Investimentos. Junqueira possui mestrado em Economia pela University of Grenoble (França) e MBA em Economia do Setor Financeiro pela USP (Universidade de São Paulo). Confira os destaques da entrevista que concedeu ao InfoMoney:

Continua depois da publicidade

InfoMoney – Para começar, gostaria que o senhor falasse um pouco de como foi esse processo que culminou no seu ingresso à equipe do Brasil Plural.
Maurício Junqueira – Sou de São Paulo, mas já estava no Rio de Janeiro há três anos, quando vim para montar outra asset, chamada Tese Investimentos, com meu sócio Francisco Pinto. Em junho deste ano, resolvemos separar a sociedade, pensando que nossos estilos de gestão não estavam combinando. Eu já tinha um contato muito bom com o pessoal do Brasil Plural. Foi uma transição muito rápida. Em menos de duas ou três semanas, já estava aqui.

Acho que casaram bem os interesses do pessoal da gestão com o que eu vinha fazendo nos últimos anos. Nos primeiros dez anos da minha carreira, fiquei muito focado na parte dos mercados de renda fixa e câmbio no Brasil. Depois, a partir de 2008, comecei a focar em mercados internacionais. Foi a época em que fui trabalhar em um hedge fund em Londres. Dei até sorte, porque foi bem no período mais agudo da crise. Pude viver uma parte bem importante da história dos mercados.

IM – A sorte veio depois que passou…
MJ – A sorte foi estar em Londres, no meio daquela confusão dos mercados. Na hora, foi muito intenso, mas muito bom. A gente conseguiu ter um desempenho muito bacana durante toda a crise e na saída dela também. Foi uma experiência excelente. A partir desse momento, foquei minha gestão nos mercados internacionais. Primeiro, olhei mais para os emergentes, grandes pares do Brasil. Ao longo do tempo, passei a acompanhar países desenvolvidos: Estados Unidos, Europa, Japão, Reino Unido. No começo, foi mais renda fixa, moedas e um pouco da parte direcional de bolsas (índices), sem entrar no micro de ações e empresas.

Continua depois da publicidade

Esse hedge fund em que trabalhava fundiu com o BTG Pactual, onde trabalhei por mais um ano. Depois, voltei para o Brasil e saí com um dos principais sócios para montar uma asset em São Paulo – a Squanto Investimentos, em 2012. Apesar da volta, continuei fazendo o trabalho de acompanhamento dessa parte de global macro. Olhando para os últimos cinco anos, acho que renda fixa e moedas são 80%/90% do que eu olho e faço. A parte de bolsa é menos presente, mas continuo fazendo algumas apostas, desde que com uma história macro por trás. Durante os quatro anos em que passei por Lentikia, BTG e Squanto, também tive a oportunidade de aprender sobre commodities. Foi outro aprendizado que ajudou muito. As classes de ativos hoje estão muito interligadas. Para você operar moeda, é essencial saber o que está acontecendo com commodities, renda fixa, bolsa.

IM – Qual é o grande desafio que o senhor enxerga nessa nova fase de sua carreira, no Brasil Plural?
MJ – Uma coisa que me atraiu bastante nas primeiras conversas e nesse primeiro mês foi justamente a qualidade da equipe que trabalha aqui e a estrutura da empresa. É tudo muito promissor. Para mim, foi um timing perfeito para a mudança. Pessoalmente, acredito que agora seja a consolidação de tudo que adquiri de experiência até aqui. É poder ajudar nessa parte de gestão macro e crescer junto com a empresa. Sinto-me muito à vontade para continuar fazendo o trabalho que fiz nos últimos anos.

IM – Em Londres, o senhor pegou o olho do furacão da crise de 2008/2009. Agora, no Brasil Plural, enfrenta o começo de um momento mais conturbado para a economia brasileira. O senhor que é um especialista em commodities: gostaria de saber sua percepção geral sobre essa nova conjuntura global que também conspira contra a economia brasileira.
MJ – Hoje não dá para separar mais as histórias. Os países estão todos muito interligados. Para o Brasil, um termo que todo mundo tem usado, a “tempestade perfeita”, cabe bem para os dias de hoje. Neste ano, tivemos várias coisas convergindo, simultaneamente, para uma piora de cenário para mercados emergentes. Tem-se uma situação muito ruim na China, que é o principal motor de crescimento global e está crescendo bem abaixo das taxas dos últimos anos. Isso levou a uma desaceleração da economia global, e, consequentemente, queda expressiva no preço das commodities. A saída, obviamente, acaba sendo a desvalorização da moeda para ganhar competitividade. Ainda no cenário externo, temos o Federal Reserve, que, depois de seis anos com a taxa de juros a quase zero, vai voltar a elevá-la. Essa é outra pressão para a alta do dólar contra o real.

Continua depois da publicidade

IM – Qual é a expectativa dos senhores para o início desse processo nos EUA?
MJ – A gente está bem dividido entre setembro e dezembro, mas achamos que essa diferença não é tão importante. O que importa mesmo é o tamanho e a velocidade do ciclo. O mais provável ainda é que o Fed aumente os juros em setembro, mas acreditamos que, mesmo que isso ocorra, o processo será bem mais suave e menos agressivo. Pelo cenário de inflação muito baixa ainda no mundo, cremos que eles terão de começar bem devagar.

IM – Voltando para o Brasil…
Todo esse cenário coloca pressão no Brasil. O país vem com uma inflação mais alta em cima de preços administrados e alimentos. O câmbio não ajuda e acaba pressionando mais ainda. Já tínhamos um ambiente bem difícil. Para piorar, estamos em uma fase muito ruim de organização política no país. Estamos vivendo um momento de fragilidade. Um país que já estava sofrendo com todo aquele cenário externo adverso e ainda com o sistema político frágil, ameaças de impeachment, medidas importantes em dificuldades para passar no Congresso, governo sem apoio, agências de rating dando downgrade acaba assustando e afastando os investidores. É ruim para a bolsa, para o câmbio e também para o mercado de juros, que tem que espelhar toda essa piora.

É uma crise muito difícil para o Brasil. Acho que estamos no meio dela. O câmbio já fez uma importante correção. Em nossa visão, esse câmbio de R$ 3,50 já fez um ajuste relevante, pensando em níveis de ajuste de conta corrente e balanço de pagamentos. Daqui para frente, só enxergamos uma piora se a situação política continuar se deteriorando. Precisaríamos ter novos fatos para isso. Mas temos a Operação Lava Jato, que, a cada semana, traz uma novidade…

Continua depois da publicidade

Temos que esperar, nos próximos dois meses, a definição do rumo que vamos tomar: se vamos mesmo caminhar para impeachment – cenário mais difícil – ou se vai haver um pacto de governabilidade que culmine em novas propostas e uma agenda mínima. Têm-se diversos cenários possíveis, mas ainda não dá para ver com nenhuma clareza para que lado estamos indo. Se for para fazer alguma aposta, acho que ainda há espaço para piorar mais um pouco antes de melhorar. Até acertarmos em tudo e o Congresso fazer algum tipo de acordo com o governo, ainda tem espaço para um pouco mais de ruído político pelo caminho. O bom agora é ficar com posições mais leves e esperar uma clareza política mais evidente para tentar voltar a ter risco no portfólio.

IM – Esse espaço para piorar seria apenas pela política, e não também pela economia?
MJ – Na economia, já está bem mapeado como vai ser esse ano e, possivelmente, o ano que vem. Para 2015, estamos falando em um PIB em torno de -2% ou até algo pior, pelos números que têm saído do segundo trimestre. Para o ano que vem, estamos caminhando para outro PIB negativo – talvez entre 0% e -1%. Portanto, a parte econômica, por pior que esteja, dá para se ter um mapeamento e tomar as decisões. Já na política, o problema é que não dá para fazer muitas previsões. É muito difícil operar essa parte, porque pode mudar a qualquer momento. Acredito que, se vier uma piora adicional, ela virá pelo lado político.

IM – Os senhores mesmos fazem as análises políticas? O Brasil Plural contrata serviços de política ou tem uma área que cuida disso internamente?
MJ – A gente tem nossos economistas aqui e também temos acesso a consultores políticos. Agora, conversamos com eles quase que diariamente. Virou rotina. Todo dia tem um call com algum consultor político aqui, contato nosso ou prestador de serviço (corretora, banco etc.). Nessa hora, é preciso unir forças para tomar decisões corretas.

Continua depois da publicidade

IM – Deixando um pouco de lado a questão política, o Brasil já encontrou a saída para a recessão?
MJ – Acho que vai ser um caminho gradual. As expectativas para o ano que vem ainda são de crescimento negativo. Parte do ajuste fiscal já foi feito; agora temos que ver se conseguimos cumprir as metas anunciadas pelo Ministério da Fazenda no mês passado. O caminho é lento, mas virá através do ajuste do câmbio, que vai ajudar as exportações e vai ser bom para balança comercial, déficit em conta corrente. Além disso, a expectativa de que a inflação acalme no ano que vem (convergindo para um nível mais próximo a 5%) pode permitir ao BC voltar a reduzir os juros. Vai surtir efeito, mas vai ser mais para o final do ano que vem e início de 2017. Antes, parece que vai ser difícil.

IM – Saindo um pouco do Brasil e voltando ao mercado internacional: estourou a bolha na China?
MJ – Eles fizeram uma mudança importante no regime do controle da moeda. Passaram a deixar o yuan flutuar, soltando o câmbio depois de muitos anos de controle. Por pressão internacional, eles querem colocar o yuan como moeda de reserva, internacional, como são dólar e euro hoje. Um dos passos para isso seria deixar o mercado ditar os valores, e não o Banco da China. Isso já provocou forte desvalorização. Para eles, é bom, já que estão em situação de crescimento muito fraco para níveis chineses, e estão sofrendo com todas as reformas que tentaram fazer. Acabaram por diminuir o ritmo de crescimento muito alavancado nos estímulos de investimentos em infraestrutura e imobiliários, mas isso trouxe desaceleração na economia como um todo muito grande. Agora, precisam ajustar isso.

Não acho que estourou nenhuma bomba na China, mas, pelo que os números mostram, a situação de crescimento para esse ano é muito ruim. Eles têm que fazer alguma coisa. Depois de deixar o câmbio flutuar livremente, acreditamos que as próximas medidas sejam de estímulos monetários via redução da taxa de juros ou da taxa compulsória, que seria liberar liquidez no sistema. Seriam medidas para tentar estancar essa desaceleração que vem ocorrendo e está muito forte. Eu colocaria a China como o principal risco hoje para a economia mundial. Fed e Grécia são importantes, mas acabam ficando bem menos importantes do que o que pode acontecer com a China. Se eles não conseguirem estimular a economia, teremos um cenário muito ruim para as commodities, o que acaba afetando todos os países emergentes e alguns desenvolvidos que dependem mais delas. É um risco a ser monitorado.

IM – Esse modelo de estímulos não repetiria de algum modo o modelo de crescimento antigo do país?
MJ – Eles tentaram fazer diferente desde o ano passado. Antes, faziam-se muitos estímulos fiscais, anunciavam gastos bilionários em projetos de infraestrutura… Agora fazem um tipo de estímulo mais direcionado, aumentando a liquidez de determinados setores. E não deu certo. Talvez tenham que voltar a usar medidas de estímulos anteriores. Não sei se a parte fiscal vai voltar a ser como antes, dada a alavancagem do sistema bancário chinês. Acho difícil pensar na China fazendo um movimento na mesma magnitude daquele após a crise, em 2009.

IM – Corremos risco de, com toda essa valorização do yuan, entrar em uma guerra cambial?
MJ – Se continuar, sim. A ideia do Banco da China talvez seja de segurar um pouco nos próximos dias para passar uma mensagem para o mercado de que tem volatilidade para os dois lados. Mas com certeza é um risco. Se continuarmos a ver a moeda chinesa se desvalorizando nos próximos dias e semanas, as demais moedas emergentes vão acompanhar. Não vejo outro cenário. É uma bola de neve.

IM – O senhor acompanhou bastante mercados emergentes e desenvolvidos. O caminho agora é de volta em direção às grandes economias?
MJ – Acho que já estamos assistindo a isso ao menos nos últimos dois anos. Houve uma migração muito grande de investidores de mercados emergentes para desenvolvidos, onde a performance das bolsas foi muito melhor. Isso se explica muito por causa dessa desaceleração chinesa, que acaba contaminando o preço das commodities.

 Os EUA continuam crescendo em ritmo saudável, acima do potencial. Isso vai continuar atraindo investimentos para a economia americana. Sobre a Europa, não dá para falar a mesma coisa, mas eles passaram por momentos difíceis e estão saindo agora. Provavelmente vão ter um crescimento melhor já nesse ano. Alguns países já fizeram ajustes e estão voltando a crescer mais fortemente, como a Espanha, por exemplo. A Alemanha segue muito forte. Houve um fluxo muito grande para as bolsas europeias entre o final do ano passado e o início deste, também porque o BCE anunciou QE e trouxe fluxo para o mercado acionário.

Olhando para os próximos anos, esse movimento tende a continuar. Não se vê um cenário muito bom para China, emergentes, commodities. O cenário ainda parece muito desafiador. Parece melhor apostar ainda no desempenho acima da média desses países desenvolvidos.

IM – Essa vai ser a estratégia do Brasil Plural para os próximos anos?
MJ – Só posso responder pela parte macro. Nessa área, com certeza, é o cenário que temos em nossa discussão diária. Para moedas e renda fixa é um pouco diferente, porque não dá para traçar cenários como é possível com bolsa, onde há cases mais de longo prazo. No macro, o horizonte é um pouco mais de curto prazo.

Desde que estou aqui, nossa estratégia foi apostar na alta do dólar contra mercados emergentes (Brasil, Chile, África do Sul), e, na parte de desenvolvidos, Canadá e Austrália, que são exportadores de commodities. Temos o viés desse cenário de que desenvolvidos deverão continuar performando melhor que emergentes nos próximos anos. Mas a parte de moedas e juros é muito mais tática e rápida. Podemos, no meio do caminho, fazer uma aposta positiva no Brasil ou no Chile… Afinal, é tudo uma questão de preço. Podemos ter um cenário ruim, mas o mercado também pode extrapolar.

Olhando de hoje, o mercado já fez um grande movimento, do começo do ano para cá, em todas as moedas de países emergentes. Vínhamos carregando posições até agora, mas já estamos com um book muito mais leve, com poucas posições direcionais achando que o movimento pode perder um pouco de forças agora. A arte é acertar o timing dessas entradas e saídas.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.