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O ano de 2022 foi marcado por uma forte retomada das viagens aéreas. De acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), a demanda global por voos domésticos e internacionais cresceu 64,4% no período em comparação a 2021. A oferta aumentou em 39,8% na mesma base de comparação. Os números, contudo, ainda são inferiores ao período pré-pandemia. Na comparação com 2019, a demanda ainda é 31,5% menor e a oferta, 28,1% inferior.
Com a suspensão da maior parte das restrições relacionadas à Covid-19, aeroportos ficaram lotados de turistas e viajantes corporativos, ainda que pagando mais caro pelas passagens. Aqui no Brasil, as tarifas subiram quatro vezes acima da inflação.
Os bilhetes ficaram 23,53% mais caros em 2022, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 5,79% no período.
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Renato Hallgren, analista do setor de transportes da BB Investimentos, avalia que as companhias aéreas brasileiras, em termos operacionais, estão vivendo um momento bom.
“As viagens a lazer se recuperaram primeiro e agora vemos a demanda de viagens corporativas e internacionais, que têm yield maior, indo pelo mesmo caminho”, explica.
Segundo a Associação Brasileira de Agência de Viagens Corporativas (Abracorp), o segmento faturou R$ 11,2 bilhões em 2022 – o número é somente 1,6% menor ao registrado em 2019. Mais de dois terços dessa receita vem das viagens aéreas – que transportou menos passageiros, mas recuperou faturamento, com as tarifas mais altas.
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Hallgren acredita que a demanda deve permanecer aquecida e não consegue enxergar um cenário de redução de tarifa. O dólar permanece acima de R$ 5 e, ainda que o preço do petróleo esteja bem longe do pico que alcançou no primeiro semestre do ano passado, o querosene de aviação (QAV) continua sendo negociado em patamares elevados.
Esta semana, a Petrobras (PETR3;PETR4) reduziu o preço do combustível em 13,8%. Mas, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), o insumo acumula alta de 36% desde o início de 2022.
Ações de aéreas aprofundaram perdas este ano
Mesmo com uma avaliação positiva sobre suas operações, Azul ([ativo=AZUL4) e Gol ([ativo=GOLL4]) ficaram entre as empresas do Ibovespa que mais perderam valor em fevereiro.
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A Azul levou um tombo de 39,83% no período e atingiu sua menor cotação desde que lançou ações na Bolsa, em 2017. A Gol, por sua vez, acumulou baixa de 27,81% no mês.
“Apesar da recuperação da demanda, dólar e combustível em patamares elevados devem continuar pressionando os resultados das empresas, e, principalmente, dificultar seus pagamentos de leasings”, escreveram os analistas Ygor Araujo e Bernardo Noel, da Genial Investimentos, em relatório sobre as empresas.
A capacidade das aéreas em honrar suas dívidas têm sido questionada pelo mercado e vem afastando os investidores. O Bank Of America observa que Gol e Azul tem pouca exposição à dívida atrelada a taxa Selic, atualmente em 13,75%. Mas o ceticismo foi reforçado após o caso da Americanas (AMER3) vir à tona, com a percepção de que as empresas, no geral, vão ter mais dificuldade para se financiar.
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“Toda companhia que vai ao mercado tomar crédito hoje tem dificuldade de negociação e os custos estão maiores”, afirma Hallgren, do BB Investimentos.
A Fitch citou a Americanas ao rebaixar o rating da Azul para CCC, último patamar antes do D, considerado calote. A agência disse enxergar altos riscos de financiamento para a companhia aérea, diante das restrições mais acentuadas no mercado de crédito local, após o caso de inadimplência da Americanas. Com isso, vê pressões no fluxo de caixa operacional da Azul e deterioração de sua liquidez.
A empresa tem R$ 22 bilhões em dívidas e precisa pagar, em 2023, R$ 3,8 bilhões a arrendadores de aviões e R$ 700 milhões a bancos, segundo pessoas a par da negociação ouvidas pela Estadão. Do total devido a arrendadores, R$ 3,2 bilhões são referentes ao aluguel anual das aeronaves e R$ 600 milhões ao valor postergado durante a pandemia.
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Gol anunciou reestruturação da dívida
A dívida da Gol é estimada em R$ 26 bilhões. A obrigações para este ano somam cerca de R$ 750 milhões, sendo que metade desse valor será pago em cada semestre do ano.
No último dia 7 de fevereiro, a Gol anunciou um plano de reestruturação de sua dívida. À época, foi noticiado que a Abra, holding que vai reunir as operações da Gol e da colombiana Avianca, compraria US$ 1 bilhão em dívida privada da aérea. Com a operação, a Abra assumiu o compromisso de investir US$ 400 milhões no caixa da Gol até 2028 e trocar US$ 680 milhões de bonds da aérea por títulos próprios.
A reestruturação tem como objetivo fortalecer a posição de caixa da Gol e alongar o seu perfil de dívida. Contudo, a S&P Global Rating rebaixou a nota da Gol de “CCC+” para “CC”, nível de calote especulativo, depois que a operação foi divulgada.
Para os analistas da agência de classificação de riscos, a substituição da dívida pode ser vista como um episódio de inadimplência da companhia aérea. Não fosse a reestruturação, segundo a S&P, a Gol não seria capaz de honrar pagamentos referentes a suas notas com vencimento em 2024 – a agência até mesmo apontou para a possibilidade de um pedido de recuperação judicial pela aérea.
A Fitch também rebaixou as notas de crédito da empresa, alegando que a Gol apresenta “um risco de crédito excepcionalmente alto”.
“A empresa ainda precisa tratar dos pagamentos de leasing de aeronaves de R$ 2,7 bilhões em 2023 e R$ 2,4 bilhões em 2024”, destacou o Bradesco BBI em análise publicada na ocasião.
A Mobi, grupo da família Constantino e acionista controlador da Oi, confirmou que vai transferir suas ações para a Abra. Os papéis serão divididos em duas subsidiárias da holding, a Abra Mobi LLP e a Abra Kingsland LLP. Cada uma delas vai ter 50% das ações da aérea com direito a voto. Com o arranjo, a Gol vai continuar sendo controlada indiretamente pela Mobi e pela Kingsland International, hoje uma das principais acionistas da Avianca. A criação da Abra deverá ser concluída até o final deste mês.
O BBI lembrou, em um novo relatório, que a reestruturação da dívida da Gol depende da criação da Abra. Ainda assim, a maior parte do valor gerado pela operação deve ser capturado pela holding e não pela aérea em si. Por esse motivo, a casa mantém classificação neutra pra a ação da empresa, com preço-alvo de R$ 11.
Endividamento é o que trava valor, diz analista
Renato Hallgren, da BB Investimentos, acredita que a renegociação de dívidas tiraria a tensão sobre os papéis das empresas, pois assim os investidores poderiam olhar para os fundamentos das companhias.
Ele destaca que as aéreas estão apostando em mais eficiência de suas margens operacionais, renovando suas frotas. “A gente espera que essas negociações com credores aconteçam e as companhias continuem capturando ganhos com sua parte operacional, que está boa”.
Segundo os analistas da Genial, embora a taxa de ocupação da Azul tenha ficado abaixo da média para o período (82,3% contra 83,8% no mesmo mês do ano passado), a empresa continua a reportar dados acima dos níveis de 2019.
Em janeiro, o volume total de passageiros transportados (RPK) foi de 3,3 bilhões, crescimento de 21%, na comparação anual. A oferta total de assento (ASK) foi de 4 bilhões, 23,2% do que em janeiro de 2021.
A Gol, por sua vez, ainda não conseguiu recuperar o mesmo nível de demanda de antes da pandemia. O ASK reportado foi de 4,4 bilhões, alta anual de 6,2%, enquanto o RPK foi de 3,7 bilhões, com crescimento de 8,9%. A taxa de ocupação foi de 84,7%, 2,1 ponto percentual a mais do que um ano antes.
Hallgren ressalva que apesar de bons números no começo de 2023, o ano não deve ser fácil para as aéreas. Os ganhos operacionais tendem a ser consumidos, em boa parte, pelas despesas financeiras das companhias.
Sobre Azul, a Genial acredita haver espaço para desalavancagem. Mas a casa optou por adotar uma postura mais conservadora em relação a tarifas e demanda de voos para 2023.
“Esperamos que o processo de redução do endividamento aconteça de forma mais gradativa”. Assim, a casa tem recomendação “manter” para o papel com preço-alvo de R$ 15.
Quanto à Gol, a Genial acredita que a operação de injeção de capital deve ajudar a empresa a cumprir parte de suas obrigações nos próximos dois anos.
“Contudo, o custo de dívida elevado, aliado ao momento delicado da empresa e a incerteza sobre o setor, ainda nos deixa com uma visão negativa para o papel”, escreveram os analistas.
A casa mantém recomendação de venda, com preço-alvo de R$ 5,40.
O JPMorgan tem avaliação “neutra” para AZUL4 com preço-alvo de R$ 24. Para GOLL4, a avaliação é “underweight” (abaixo da performance do mercado, equivalente à venda), com preço-alvo de R$ 12.
“Em nossa opinião, a assimetria de risco-retorno está melhor, mas o principal risco continua relacionado à liquidez, o que nos faz manter nossos ratings atuais, apesar do potencial de valorização implícito”, escreveram os analistas do JP.
De qualquer forma, os analistas do banco reconhecem que as empresas estão constantemente trabalhando em sua gestão de responsabilidades e resoluções sobre essa frente pode nos tornar mais positivos.
O que esperar dos resultados das aéreas no 4t22?
Hallgren acredita que a variação cambial não deve vir tão elevada nos demonstrativos quanto nos trimestres anteriores. O analista também espera uma melhor geração de caixa das empresas, com o período de férias de final do ano, junto com a retomada de viagens corporativas e voos internacionais. As despesas financeiras, contudo, devem continuar corroendo boa parte dos ganhos operacionais.
A Azul vai divulgar resultados trimestrais na segunda-feira (6), antes da abertura dos mercados. O consenso Refinitiv prevê prejuízo ajustado de R$ 562,81 milhões para o período entre outubro e dezembro de 2022. O lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) esperado é de R$ 1,112 bilhão e a receita prevista é de R$ 4,584 bilhões.
“Esperamos que o 4º trimestre traga consigo uma boa contribuição para o pagamento das dívidas”, escreveram os analistas da Genial.
Segundo a apresentação realizada no Azul Day, em dezembro, a companhia espera reduzir sua alavancagem em cerca de 1x ao longo de 2023, fazendo com que ela comece 2024 com uma relação dívida líquida/Ebitda de aproximadamente 3x.
A Gol, por sua vez, divulga os resultados do quarto trimestre na quarta-feira (8), também antes da abertura do pregão. O consenso Refinitiv prevê prejuízo de R$ 484,75 milhões para o período. O Ebitda esperado é de R$ 876.79 milhões e a receita prevista é de R$ 4,462 bilhões.