Bovespa: um bom caminho para quem quer apostar na queda da China

Com mercados pouco transparente e com baixa liquidez em Xangai e Xenzen, estrangeiros montam posições "shorts" na bolsa brasileira, tendo em vista a forte exposição do País aos asiáticos

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O noticiário da China está cada dia menos animador. Nos últimos meses, o mercado vem sendo abalado por seguidas informações de que o crescimento econômico do país está cada dia mais lento. Após anos seguidos crescendo acima de dois dígitos, o que impulsionou a economia mundial por muitos anos, os governantes chineses até admitem um crescimento bem mais lento, para baixo de 7% ao ano. Além do crescimento econômico mias lento, as preocupações com uma possível bolha de crédito em meio à forte presença dos “shadow banks” também geram temores sobre quem aposta no gigante asiático.

Neste sentido, alguns investidores se sentem tentados a operar contra a China dada as perspectivas menos brilhantes para a economia. Dentre os grandes investidores que afirmam estar operando vendido em China, está o famoso gestor de e “hedge fund” Jim Chanos, fundador da Kynikos Associates. Em entrevista à rede norte-americana CNBC em julho do ano passado, Chanos afirmou que a bolha de crédito no gigante asiático está ficando cada vez maior e, assim, o país parece ser um bom lugar para “estar vendido” – ou seja, buscar lucro com investimentos apostando na queda do mercado.

Entretanto, apostar contra a queda do mercado chinês não parece ser tão simples assim, conforme destaca o professor de economia chinesa do Insper, Roberto Dumas. O índice de Hong Kong, Hang Seng, é totalmente diferente dos das bolsas de Xangai e de Xenzen, ressalta. Enquanto a primeira é mais aberta ao investidor estrangeiro, as outras possuem uma conta de capital fechada, dificultando o acesso dos não-chineses no país. “Desta forma, não parece fazer muito sentido operar vendido na China, pelo menos não na bolsa de valores”, afirma o professor.

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A percepção, com a mudança de modelo econômico, é de que a China deixe cada vez mais de ser a “locomotiva do crescimento mundial”, mesmo que não veja sua importância diminuída de forma drástica nos próximos anos. Os últimos dados do setor de serviços e de indústria confirmam a tendência de que, apesar do país seguir com um forte crescimento do PIB, a tendência é de que alguns dos principais motores que guiaram a economia do país nos últimos anos acabe saindo de cena.

Investir nas bolsas chinesas é complicado
Na bolsa de Xangai, explica, há dois tipos de ações movimentadas em bolsa. A primeira são os “A-shares”, que é negociado em moeda chinesa, o renminbi, e que somente os chineses podem investir. Há também os “B-shares”, que estão indexados em dólar e que quase não possuem liquidez, dificultando o acesso dos investidores estrangeiros em apostar em movimentos tanto de alta quanto de queda da bolsa do gigante asiático, devido também ao forte controle de capital imposto pelo governo do país.

“Os A-shares são utilizados muito mais pelos investidores pessoas física, que muitas vezes se deparam com outros opções de investimento rendendo taxas de juros negativas, o que atrai muitos chineses, que possui uma alta taxa de poupança, para investimentos em bolsa”, destaca o professor.

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Com isso, somado ainda a uma contabilidade pouco confiável, em um ambiente de menores transparência e governança corporativa, as bolsas de Xangai e Xenzen não refletem com fidelidade o que realmente está acontecendo com as empresas listadas na bolsa ou com os movimentos inerentes do mercado acionário em meio ao noticiário econômico e corporativo, avalia o professor.

Dumas lembra que os investidores estrangeiros podem investir nos chamados “A-shares” através de um programa chamado QFII (Qualify Foreign Institutional Investor), lançado em 2002 para permitir que investidores estrangeiros autorizados entrem no mercado acionário do país, que esteve previamente fechado para aplicadores externos devido ao exercício de controle de capitais. Porém, o acesso ainda continua restrito e é feito através de cotas; ademais, os bancos de investimento ainda têm que serem aprovados para fazer suas explicações em bolsa.

 Além disso, sem transparência e com até indicações de manipulação por parte do governo chinês, investir no mercado acionário chinês não atrai muitos investidores externos, principalmente aqueles que movem grandes quantias através de fundos de investimento nos países desenvolvidos. 

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Um dos indicadores que mostra a diferença entre as bolsas de Hong Kong, tida como acessível ao investidor global, e os outros mercados acionários da China, no caso Xangai e Xenzen, é a comparação entre os preços dos papéis de empresas listadas em ambas as bolsas. Vemos em muitos casos que a mesma empresa listada na bolsa de Hong Kong está sendo negociada com desconto em relação às duas últimas, o que sinaliza uma distorção no modo como Xangai e Senzen atuam. 

Contudo, nem mesmo essas restrições evitam que as bolsas da China registrem um fraco desempenho nos últimos meses em meio às perspectivas mais sombrias para a sua economia. O Xangai Composite Index, que dobrou de valor nos dez meses anteriores a agosto de 2009 após o governo anunciar um amplo pacote de US$ 652 bilhões para infraestrutura, encerrou o mês de julho com queda de 43% frente à sua cotação máxima, com um valor US$ 748 bilhões menor de valor de mercado, aponta a Bloomberg.

Dificuldade em investir na China afeta outras bolsas 
Já que apostar na queda de empresas chinesas parece ser um campo perigoso para os estrangeiros, como os investidores vem apostando na queda da China? Uma das alternativas seria apostar na baixa de empresas cujos produtos são bastante condicionados ao vigor do crescimento chinês. 

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Neste caso, principalmente empresas de commodities, no caso de minério de ferro, são alvo das apostas dos investidores com a queda da China. Dentre as empresas de minério de ferro, uma das mais afetadas é a Vale (VALE3;VALE5), que possui uma pauta de exportações significativa para o gigante asiático. Assim, além do negativismo terem enfrentado pela bolsa brasileira no ano passado, acumulando baixa de mais de 20%, os ativos da mineradora são afetados com a aposta da queda da economia chinesa, que podem afetar as exportações da mineradora.

Assim, sendo muito mais fácil e seguro investir nos mercados mais líquidos, operar vendido nos papéis destes setores, mas em outros países, ganha forças. Em meio a esses fatores, a ação ordinária da Vale tem queda de 15,54% e as preferenciais classe A, queda de 20%.

Muito se fala que as ações da Vale estão bastante descontadas frente ao setor e ao próprio preço do minério de ferro, que deve pelo menos se manter mesmo com a demanda fraca da China. Além disso, o corte de custos e ter se desfeito de alguns ativos considerados bastante estratégicos são pontos bastante a favor para a companhia. Contudo, o cenário que se desenha para a mineradora na bolsa ainda parece bastante travado quando condicionado as perspectivas de crescimento menos favoráveis para a economia chinesa.

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O tempo das soft commidities
As perspectivas apontam cada vez mais para uma única direção: o grande ciclo de preços de commodities acabou, já refletido no preço das commodities. Este movimento aponta para uma mudança de patamar na economia chinesa, aponta Dumas, que vem se mostrando mais favorável a aumentar o poder do seu grande mercado consumidor em potencial e fazer mudanças estruturais, saindo assim da fase em que atendia às demandas vindas do mercado internacional e de um vultuoso crescimento relativamente desordenado.

Assim, afirma Dumas, uma queda do ritmo de aceleração do PIB do país para até 5% ao ano ainda se mostrará bastante factível e não deveria gerar maiores surpresas, uma vez que a economia da China está passando por uma fase de “rebalanceamento”. A título de comparação, o professor destaca que o Brasil destina 18% do PIB a investimentos, enquanto o consumo equivale a 70% do PIB. Já na China, estes valores são contrários, de 50% e 34% respectivamente. Ou seja, ainda há muito espaço para o consumo crescer. 

Com isso, o tempo áureo das hard commodities, como minério de ferro, parece ter ido. Por outro lado, avalia o professor, as soft commodities podem tomar seu lugar. São elas os alimentos em geral, o que pode levar a uma pressão favorável sobre os preços desses produtos e também podem beneficiar o Brasil, um dos grandes produtores mundiais de alimentos.

Com isso, o que seria a princípio ruim para o Brasil, pode no final se mostrar positivo para o País. Mas não sem deixar marcas pelo caminho. 

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.