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Se não bastasse o cenário já complicado que se desenha para as empresas de proteínas nos resultados do quarto trimestre (4T22), um fator de risco que já ronda o setor nos últimos meses ganha contornos ainda mais dramáticos.
A Argentina e o Uruguai confirmaram nesta semana os primeiros focos de gripe aviária (ou Highly Pathogenic Avian Influenza, HPAI) de alta patogenicidade em seus territórios. A doença foi verificada em aves silvestres, que apareceram mortas em parques nacionais nos últimos dias.
O governo brasileiro entrou em contato com as autoridades dos países vizinhos para entender o risco de o vírus cruzar a fronteira. O caso identificado no Uruguai traz uma preocupação adicional pela proximidade com o Sul do Brasil, maior exportador global de carne de frango. O Sul do país é responsável por 65% da carne de frango produzida no país e 80% do volume exportado.
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O Bradesco BBI destaca que, na quarta-feira, logo após a notícia, as ações da BRF (BRFS3), dona das marcas Sadia e Perdigão, chegaram a cair, mas se recuperam e fecharam com ganhos de 3,87%, ainda que o noticiário sobre a doença siga no radar. O banco destaca que os países que tiveram gripe aviária em aves comerciais em alguns casos enfrentaram restrições à exportação e/ou tiveram que matar aves para controlar a doença.
Nesse contexto, os analistas Pedro Fonseca e Leonardo Alencar, da XP apontam que, embora o Brasil nunca tenha sido atingido pela gripe aviária e a segurança seja maior do que países vizinhos – e esteja sendo fortalecida já há algum tempo -, o risco da HPAI no país deve se tornar cada vez mais um overhang (fator que leva a um excesso de ações no mercado, pressionando as cotações) para os papéis da BRF e JBS (JBSS3, devido à Seara). No ano, as ações BRFS3 caem cerca de 18% e JBSS3 têm baixa de 15%.
Ao realizarem uma série de conversas com pessoas a par do assunto, os analistas tiraram três conclusões principais: (i) o impacto mais relevante ocorreria se a HPAI atingisse lotes de aves comerciais; (ii) se atingisse aves selvagens, as informações sobre como, quando e onde desempenhariam um papel crucial na avaliação dos impactos; e (iii) devido aos diferentes níveis de biossegurança nas cadeias, parte relevante do risco recai sobre os produtores de ovos.
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No caso de a HPAI atingir aves comerciais, o mercado externo deve se fechar até uma maior compreensão de como, onde e o número de focos, o que deveria levar em torno de 30 a 45 dias.
Após este período, mercados mais ágeis e sem opção de fornecimento alternativo, como por exemplo o Oriente Médio com Griller, deveriam reabrir. Outros mercados deveriam reabrir entre um período de 60 a 90 dias. Já alguns mercados pontuais poderiam evitar comprar de países com surtos ativos. Mas, neste caso, os produtos poderiam ser realocados para outros países.
Já no caso de aves silvestres, poucos mercados devem fechar e o local do foco será determinante para o impacto. “Se ocorrer no Norte ou Nordeste do país, não deveria haver impacto relevante. Entretanto, caso ocorra no Sul do país, o impacto nas exportações deve ser maior e por mais tempo”, afirmam Fonseca e Alencar.
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O grande risco do vírus H5N1 2.3.4.4.b (responsável pelo surto em andamento) é que a transferência de aves silvestres (não migratórias) se dá de maneira muito rápida, apontam os analistas. Quanto o HPAI contamina um lote, a mortalidade é alta e rápida, de 95% do lote em até 5 dias.
Neste cenário, o risco envolvido está associado em como cada produtor e empresa garantirá que as fezes dessas aves não contaminem o lote comercial. O controle e risco estará fundamentado na biossegurança da região, empresa e produtor. “Nos demais países, as poedeiras foram as responsáveis por contaminar as aves comerciais, uma vez que a biossegurança é muito inferior à cadeia de corte. Dessa forma, inferimos que uma boa parte do risco está nos produtores de ovos”, apontam os analistas.
Cabe destacar que os preços dos ovos bateram recordes depois que a doença eliminou dezenas de milhões de galinhas no ano passado, colocando uma fonte básica de proteína barata fora do alcance de alguns dos mais pobres do mundo em um momento em que a economia global está sofrendo com a alta inflação.
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As aves silvestres são as principais responsáveis pela disseminação do vírus, segundo especialistas. Aves aquáticas como patos podem transmitir a doença sem morrer e introduzi-la nas aves através de fezes contaminadas, entre outros meios.
Ao mesmo tempo, a forma do vírus que circula está infectando uma gama mais ampla de aves selvagens do que as versões anteriores, incluindo aquelas que não migram longas distâncias, disse à Reuters David Suarez, diretor interino do Laboratório de Pesquisa de Aves do Sudeste do governo dos EUA na Geórgia.
Essas infecções de aves “residentes” estão ajudando o vírus a persistir ao longo do ano, quando não ocorria anteriormente, disse ele.
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Fronteiras ultrapassadas
Altos níveis de vírus em aves que migram em longas distâncias também ajudaram a espalhar o vírus para novas partes da América do Sul, segundo especialistas.
Países como Peru, Equador e Bolívia relataram casos nos últimos meses, além de Argentina e Uruguai mais recentemente.
O Equador impôs uma emergência de saúde animal de três meses em 29 de novembro, dois dias após a detecção do primeiro caso, disse o Ministério da Agricultura e Pecuária do país. Até agora, mais de 1,1 milhão de aves morreram, disse o ministério.
Os casos na Bolívia também aproximam a doença do Brasil, que nunca registrou casos de gripe aviária. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse na quarta-feira que o país investigou três suspeitas, mas os resultados deram negativo.
“Todos estão focados em evitar que a gripe chegue ao nosso país”, disse Gian Carlos Zacchi, que cria frangos para a processadora Aurora em Chapecó (SC).
Alguns especialistas suspeitam que a mudança climática pode estar contribuindo para a disseminação global, alterando os habitats das aves selvagens e as rotas migratórias.
“A dinâmica das aves selvagens mudou, e isso permitiu que os vírus que vivem nelas também mudassem”, disse Carol Cardona, especialista em gripe aviária e professora da Universidade de Minnesota.
Os agricultores estão tentando táticas incomuns para proteger as aves, alguns usando máquinas que fazem barulho para assustar as aves selvagens, disseram especialistas.
Em Rhode Island, Eli Berkowitz, produtor de ovos e executivo-chefe da Little Rhody Foods, borrifou o desinfetante em fezes de ganso em uma passarela de sua fazenda, caso contivesse o vírus. Berkowitz disse que está se preparando para março e abril, quando a temporada de migração representará um risco ainda maior para as aves.