Canadense Sigma Lithium mira em demanda por veículos elétricos e quer ganhar mercado produzindo lítio em Minas Gerais

Com destaque para seu foco em ESG, companhia já levantou fundos para sua primeira fábrica e tem seis anos de vendas garantidas

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – O lítio é um metal bastante utilizado na produção de vidro e cerâmica, mas há algumas décadas seu nome ficou mais ligado à produção de baterias, desde aparelhos eletrônicos como celulares até carros. Foi apenas nos últimos cinco anos que este metal virou uma estrela.

O crescimento das montadoras de carros elétricos fez com que a demanda pelo metal disparasse, levando inclusive os preços para suas máximas históricas. Mas, se tudo isso é passado, a moda dos veículos elétricos parece ainda estar no início e cada vez mais empresas buscam se adequar a esse novo cenário.

É nesse ambiente que uma companhia atuando no Brasil acredita que irá se favorecer da demanda cada vez maior por lítio. A Sigma Lithium tem um projeto ambicioso e uma estratégia que, mesmo sendo considerada uma pequena do setor, conseguirá concorrer frente a frente com as maiores mineradoras de lítio do mundo.

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Atuando ainda em escala piloto no Vale do Jequitinhonha, interior de Minas Gerais, a empresa com ações na Bolsa do Canadá fez recentemente uma captação que completa os US$ 74 milhões necessários para construir sua fábrica na região.

Em uma oferta de ações feita em agosto, a Sigma levantou US$ 13,3 milhões, com dois grandes fundos internacionais como principais compradores: o americano Janus Henderson e o britânico CQS. Na operação, ainda entraram os brasileiros Bradesco Asset Management e JGP Asset.

Com isso, a empresa complementa um financiamento de US$ 45 milhões feito em junho com o Société Générale. A intenção era captar US$ 10 milhões agora mas, com a grande procura, a companhia ampliou a operação.

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Apesar da oferta de ações, o maior acionista da Sigma segue sendo o fundo de private equity A 10, que até então tinha 70% da empresa e agora passou a ter 65%.

Todo o projeto da Sigma Lithium colocou o Brasil no mapa global do setor. Dados de 2017 apontavam que o País continha apenas 0,33% das reservas de lítio no mundo, mas um estudo apresentado pela companhia quando abriu seu capital na Bolsa canadense em 2018 mostrou que o Brasil possui cerca de 8% destas reservas.

Em entrevista ao InfoMoney, Ana Cabral-Gardner, sócia-gestora do A 10, explica que há uma grande expectativa para o mercado de lítio com o advento dos veículos elétricos.

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O mercado de lítio

Ana explica que, basicamente, existem duas formas de lítio, o chamado Tier 1, com alto grau de pureza e o ideal para produção de baterias, e o Tier 2, chamado de grau técnico, mais impuro e utilizado em outros itens.

Em 2017, o que se viu foi um boom no mercado de lítio por conta do avanço da tecnologia dos carros elétricos, o que fez com que o preço inicialmente tivesse uma forte alta. Porém, por não ser um metal raro, as companhias mineradoras conseguem se aproveitar deste tipo de movimento e aumentar sua produção para capturar esta alta.

Como efeito, alguns anos após o estouro do mercado, o preço do carbonato lítio (pó químico resultante da extração do lítio da rocha) caiu fortemente e hoje sua média está na mínima desde o início da febre dos carros elétricos, em meados de 2015. Mas, segundo Ana, não deve ficar abaixo disso, já que essa tecnologia “veio para ficar” e haverá uma demanda maior do que no passado.

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De acordo com ela, é possível produzir algumas baterias utilizando esse tipo de lítio após um processo de melhoria, mas o mercado hoje busca focar a produção dos equipamentos usando o metal mais puro possível.

(Divulgação)

Essa procura pelo lítio Tier 1 se dá não só por qualidade em si, mas principalmente por conta de segurança, já que as impurezas podem causar até a explosão da bateria. Este segmento do mercado é comandado pelas companhias asiáticas, em especial na Coreia do Sul e no Japão, onde se concentram a maior parte das produtoras de baterias do mundo. Por conta disso, o preço do metal de alta pureza é ditado por esses mercados.

Uma das grandes vantagens que a Sigma consegue explorar está na qualidade do produto que ela fabrica. Sua descoberta em Minas Gerais foi de um lítio com alto grau de pureza e em grande quantidade. Com uma planta montada em cima da mina, a companhia tem um ganho de eficiência, e sua planta foi pensada já de forma a ter fácil acesso ao Porto de Ilhéus, o que reduz muito seus custos.

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“Temos o segundo menor custo de produção de todo o mercado”, afirma Ana, apontando que toda essa estrutura faz com a Sigma consiga brigar de igual para igual com as gigantes (“majors”) do setor.

E enquanto o carbonato de lítio está em baixa, o preço do lítio de rocha (que é basicamente a matéria-prima original) está na casa de US$ 450 por tonelada, um valor que, para a maior parte das mineradoras, não é sustentável diante dos custos de produção. Isso tem levado muitas dessas companhias a reduzirem as operações e realizarem descomissionamento de minas.

A Sigma aparece entre as poucas companhias que aguentam operar com esse valor de lítio. Assim como algumas concorrentes, parte da vantagem dela está em sua integração com a indústria química.

“Mesmo que não estivéssemos integrados à indústria química, estaríamos ‘ok’ com esse preço. Há uma margem bruta de 50% mesmo com o preço baixo atual”, explica Ana. “Então a Sigma sobrevive mesmo nesse ambiente de preços como esse”.

Além disso, há uma boa expectativa da demanda por lítio para produção de baterias elétricas — e a pandemia da Covid-19 pode ter ajudado a dar um empurrão nesse movimento.

O setor automotivo foi um dos mais impactados pela atual crise e muitos governos aproveitaram o cenário para forçarem mudanças no setor. Esse movimento tem sido liderado pela Europa, onde os pacotes de ajuda governamentais têm vindo junto com exigências voltadas para a redução da poluição.

“O pacote de ajuda às montadoras foi um pacote verde, em que as empresas que quisessem receber ajuda do governo tinham que se ater aos alvos de produção de veículos elétricos”, explica Ana.

Se não bastasse isso, a demanda da Europa também é diferente da de outras regiões, principalmente se comparada com a Ásia. Enquanto o consumidor chinês foca em veículos compactos, os europeus buscam por automóveis com maior potência e torque, o que exige uma bateria de melhor qualidade, ou seja, um lítio mais puro.

Parceria estratégica

Segundo a sócia da A 10, uma das chaves para entender o funcionamento do negócio da Sigma é sua parceria estratégia com o conglomerado japonês Mitsui (que é um dos maiores acionistas da Vale), por meio de uma joint venture.

Com isso, a empresa canadense entra em uma segunda etapa da cadeia produtiva do lítio, não ficando apenas na mineração, produzindo também o chamado hidróxido de lítio, conseguindo assim acesso ao mercado produtor de baterias da Coreia e do Japão.

“A parceria com a Mitsui foi tudo porque ela nos permite fazer o último grau de purificação do lítio, que é a produção do hidróxido de lítio químico. Em parceria com a Mitsui, nós contratamos, terceirizamos, essa produção do hidróxido, para ser entregue na Coreia e no Japão. Isso é exatamente o que as majors fazem. Elas fazem parte da produção própria e parte terceirização. Então a parceria viabilizou entregar o hidróxido de lítio para os clientes”, explica Ana.

Com isso, ela afirma que a Sigma conseguiu se tornar uma “mini major” ao ser um produtor integrado com a companhia japonesa que, por sua vez, faz a entrega do hidróxido de lítio para seus clientes produtores de bateria.

Pela parceria, a Sigma reparte o lucro com a Mitsui o que, de acordo com a sócia, cria um “preço premium”, com a companhia canadense recebendo cerca de US$ 600 por tonelada caso fizesse seus embarques hoje. E por isso que ela consegue driblar o atual cenário mais baixo dos preços do carbonato de lítio.

Para a Mitsui, a dificuldade até então era conseguir um fornecedor de lítio Tier 1 (de maior qualidade). Até então ela já tinha como entregar para seus clientes outros componentes para baterias, como manganês e cobalto. Com a Sigma, ela expande sua oferta de componentes.

Do outro lado, a Sigma não teria como entrar neste mercado, que é considerado um oligopólio entre as majors, que oferecem o hidróxido de lítio para as companhias produtoras de bateria da Coreia e Japão. Com a parceria, ela entra nessa etapa da cadeia e absorve maiores ganhos.

Exemplo em ESG

Além de toda a estratégia operacional permitir que a Sigma opere com baixo custo e brigue de frente com as maiores empresas do setor sem ser tão grande, um outro fator tem colocado a companhia cada vez mais no radar do mercado: o seu foco no ESG (Environmental, Social and Governance, em inglês).

Estas três letras que são destaque hoje no mundo tratam de empresas que buscam integrar nos investimentos as melhores práticas ambientais, sociais e de governança, são foco da Sigma desde antes mesmo de sua criação. “A Sigma já nasceu verde, ela não precisou mudar para o ESG”, afirma Ana.

Entre as medidas, a companhia empilha seus rejeitos a seco — sem usar barragens (como a que se rompeu em Brumadinho) —, reutilização de 90% da água, uso de 100% de energia limpa hidrelétrica, além de que ela não usa reagentes químicos pesados em seus processos.

(Divulgação)

Entre as grandes empresas do setor, as que atuam na Austrália utilizam carvão e diesel como principais energias para suas produções, enquanto no Chile o processo é feito basicamente com diesel e gás natural, o que tem gerado bastante polêmica na região com a seca que as minas de lítio estão provocando no deserto do Atacama.

“Este é um desafio desta indústria [produzir de forma limpa]”, destaca a gestora, citando ainda que a Sigma realizou um programa de reflorestamento antes mesmo de começar a atuar na região.

Do lado social, a companhia paga 15% de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que vai todo para ajudar no desenvolvimento da região.

A Sigma fez ainda um programa junto ao Senai para fazer a capacitação da população e assim absorver a mão-de-obra local, além de um projeto de distribuição de cestas básicas.

Por fim, no nível governamental, Ana destaca que a empresa possui um conselho de diretores com sete pessoas, sendo três mulheres e um representante da comunidade LGBTQ+ em que todos são “super qualificados”.

E todo esse trabalho focado no ESG já rende frutos do lado financeiro para a Sigma, sendo que a captação feita em junho junto ao Société Générale, de US$ 45 milhões, foi um financiamento verde por conta deste trabalho feito pela empresa. Segundo Ana, a operação teve um dos menores custos de financiamento do mundo, com taxa Libor mais 5%, com seis anos para o pagamento, com dois de carência.

Os próximos passos

Com as recentes captações, Ana destaca que a Sigma está “100% financiada para entrar em operação”. “Estamos fazendo a pré-construção, com a engenharia fazendo as análises e fundações. Mas já começamos a trabalhar”, afirma.

Segundo ela, a construção da fábrica em Minas começa entre novembro e dezembro deste ano e levará cerca de um ano: “faremos o primeiro embarque entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022”, diz.

Além disso, na parceria com a Mitsui, a Sigma já realizou um acordo de pré-venda de sua produção, em que serão fornecidos ao grupo japonês 55 mil toneladas de lítio por seis anos, prorrogáveis por mais seis.

“Nosso risco neste momento é apenas de construção”, diz Ana. “Isso porque já temos todo o lítio pré-vendido. Então temos receitas garantidas por seis anos. Ou seja, o que a gente entregar, já está vendido para a Mitsui”, explica.

Com a primeira fábrica pronta, a companhia terá capacidade de produzir 33 mil toneladas por ano de carbonato de lítio equivalente (LCE, na sigla em inglês). Enquanto isso, as projeções são de que em 2025 o mercado mundial seja de 650 mil toneladas.

Após passar por seu boom entre 2017 e 2019, o lítio agora entrou em uma fase de consolidação. Com preço mais baixo que nos últimos anos, o metal deve ter uma demanda robusta daqui para a frente conforme o mercado de veículos elétricos segue em franco crescimento. E com a Sigma, o Brasil deve ser grande centro das atenções da matéria-prima desta indústria.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.