Congresso volta novamente a mira para os bancos – confira os possíveis impactos para as ações do setor

Últimas sinalizações indicam que projetos a favor de mais taxação seguem no radar da Câmara e do Senado, levando volatilidade para os ativos

Lara Rizério

Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)
Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

SÃO PAULO – Após as discussões no Congresso sobre medidas que poderiam afetar bancos terem ficado relativamente adormecidas em junho, o tema voltou à tona no começo deste mês – impactando as ações do setor.

Em reunião de líderes do Senado na última terça-feira (7), Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, prometeu pautar na primeira semana de agosto o projeto que limita os juros do cheque especial e do cartão de crédito, em um contexto de pandemia por conta do coronavírus. O projeto foi pautado algumas vezes em maio, mas teve a votação adiada principalmente por conta da pressão de instituições financeiras.

Contudo, o que impactou mesmo os ativos foi a fala do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), durante live promovida pela Genial Investimentos,na tarde da última terça. Na transmissão, Maia manifestou posição que foi vista por agentes do mercado como favorável ao limite nas taxas do cartão de crédito rotativo e do cheque especial, especialmente quando ele criticou os altos juros dessas duas modalidades.

“Tem que acabar essa taxa de juros do cheque especial e tem que acabar a taxa de juros do cartão de crédito. O cartão de crédito parece mais simples, porque esse negócio do parcelado sem juros é uma grande falácia que acaba gerando uma taxa de juros brutal. Isso vai ter que ser discutido, polêmico, mas vai ser discutido”, disse Maia.

Conforme aponta Marcel Campos, analista da XP Investimentos, a declaração do presidente da Câmara soa como se, caso a medida for aprovada no Senado, Maia terá a intenção de colocar em votação também na Câmara, o que é negativo, uma vez que aumenta as chances de aprovação e aplicação do projeto.

Com isso, na véspera, as ações das principais empresas do setor fecharam em forte queda. Itaú (ITUB4,-4,90%), Santander Brasil (SANB11,-4,36%), Bradesco (BBDC3, -4,10%; BBDC4, -4,15%) e Banco do Brasil (BBAS3, -4,01%) tiveram baixa superior a 4%. Na sessão desta quarta, contudo, as ações conseguiram ter uma recuperação parcial, com os ativos ITUB4 e BBAS3 subindo por volta de 2,4%, enquanto os papéis do Bradesco e Santander tiveram alta de cerca de 3,4%.

O projeto de lei em questão que tramita no Senado é o de número 1166, de 2020. A proposta original, de autoria de Álvaro Dias (Podemos-PR) estabelece teto de 20% para os juros de cartões de crédito e cheque especial, valendo para as dívidas contraídas entre março de 2020 e julho de 2021.

O relator da matéria, Lasier Martins (Podemos-RS), alterou o texto original, estabelecendo um limite de taxa de juros de 30% ao ano e exigindo que os bancos não reduzam os limites de crédito a partir de fevereiro de 2020.

Vale destacar que, desde 6 de janeiro, vigora o limite para a taxa de juros do cheque especial pessoa física de 8% ao mês, o equivalente a cerca de 150% ao ano, fixado pelo Banco Central.

“O projeto, se aprovado, provavelmente destruiria valor nos segmentos”, afirma Campos, destacando um impacto relevante nos juros e no saldo de empréstimos.

O analista aponta que o limite de juros de 30% ao ano se compara aos 312% em cheque especial pessoa jurídica e 130% em cheque especial a pessoa física, além dos 147% no cartão de crédito rotativo pessoa jurídica e 326% no rotativo de pessoa física.

Além disso, com base nos dados do Banco Central do Brasil, as mudanças impactariam um saldo de empréstimos de mais de 80 bilhões nos seguintes segmentos: i) R$ 4,6 bilhões em empréstimos rotativos para cartões de crédito corporativos; ii) R$ 46 bilhões em empréstimos rotativos para cartão de crédito; iii) R$ 11 bilhões em cheques especiais; e iv) R$ 20 bilhões em cheque especial corporativo.

O texto da lei sugere que os bancos teriam um retorno de 30% sobre os segmentos, mas não consideram o índice de inadimplência dessas linhas, que não possuem garantias. Campos destaca que o  índice de inadimplência no cheque especial esteve em 15% em março e a inadimplência no cartão de crédito rotativo chega a 35% (responsável por mais de 50% do saldo). “Ao que tudo indica, essas linhas levariam a impactos negativos em nossas estimativas”, reforça ainda o analista da XP.

CSLL também no radar

Vale destacar que, além da proposta de limite de teto dos juros do cheque especial e do cartão de crédito, também está no radar a proposta de aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), atualmente em 20%.

Há três propostas no radar, com impactos diferentes: i) o projeto de lei 911/2020 propõe elevar para 50% a alíquota para a contribuição, afetando bancos e seguradoras e sem data limite; ii) o projeto de lei 1276/2020, também com aumento para 50% afetando os grandes bancos e com duração de até 2 anos após o encerramento do estado de calamidade pública por conta da pandemia e iii) o projeto de lei 1522/2020, que aumenta em vinte pontos percentuais a alíquota da contribuição social sobre lucro líquido de instituições financeiras (além de empresas de mineração) com faturamento superior a R$ 10 milhões e com vencimento em 2030.

Com relação à CSLL, a equipe de análise da XP fez uma análise de sensibilidade sobre o impacto para as ações do setor. Campos reforça que os aumentos agressivos reais podem ser reduzidos em negociações adicionais. Com isso, foram simulados aumentos de impostos entre 5 e 20 pontos percentuais.

“No cenário extremo, nossos preços-alvo cairiam em média 27%, mas é válido lembrar que o aumento da CSLL pode chegar a 30 pontos”, apontou em relatório recente sobre o setor (veja mais clicando aqui).

O analista segue com visão positiva para o setor de bancos, destacando que os papéis estão precificados abaixo da realidade em meio à crise com o coronavírus e apresentam boas oportunidades, tendo como preferência o Banco do Brasil. Em seguida, na ordem de preferência, estão Bradesco (com recomendação de compra), enquanto Itaú e Santander Brasil possuem recomendação neutra.

Ele pondera que novos entrantes são uma ameaça e devem reduzir a rentabilidade do setor. Além disso, a pandemia do Covid-19 deve causar aumento da inadimplência, reduzir o crescimento do crédito e consequentemente deteriorar o curto prazo. Contudo, avalia não concordar com o atual patamar de preços, uma vez que considera estar implícito que bancos não vão ser capazes de entregar resultados acima da média no médio prazo e, em alguns casos, nem lucros normalizados no longo prazo.

“Acreditamos que bancos podem estar mais baratos se conseguirem atravessar a crise (e acreditamos que eles vão)”, avalia Campos. De acordo com ele, as instituições financeiras estão bem capitalizadas, com uma carteira de crédito mais segura e menos expostos a crédito no ativo, predominando os investimentos mais líquidos.

Volatilidade em meio às medidas

No curto prazo, contudo, as ações devem registrar volatilidade em meio ao noticiário sobre as medidas no Congresso para o setor.

“A pressão sobre os bancos deve continuar, principalmente em relação aos produtos de maior rendimento, como cheque especial e cartões de crédito”, avalia o Bradesco BBI. Os analistas destacam que, embora de alto custo para o consumidor, os riscos decorrentes da natureza destes produtos (rotativos) e do perfil dos clientes acabam resultando em perdas importantes. No entanto, ponderam, isso não altera o fato de a lucratividade ser atrativa, como tem sido o caso em geral para os bancos.

Porém, no caso de cartões de crédito, distorções importantes do setor, com subsídios cruzados, levam os bancos a reterem uma parte importante do risco, sem, no entanto, serem remunerados por ele, avaliam os analistas do banco.

Contudo, o BBI acredita ser menos provável que o Congresso implemente medidas que visem alterar as distorções em cartões. Assim, o maior risco segue sendo para que o Legislativo tome uma decisão simples e que não resolva o problema, o que seria o caso com a limitação de juros.

“Isso seria ruim para o setor, com consequências negativas para as margens financeiras (NII, na sigla em inglês) dos bancos e uma provável disponibilidade de crédito mais fraca”, acreditam.

Com relação ao cheque especial, os analistas avaliam que as pessoas o usam como uma maneira de evitar os obstáculos que teriam ao optar por outros empréstimos. “É caro, mas a concorrência deve ser o caminho para resolvê-lo. Tornar proibitivo uma indústria desenvolver seus próprios produtos não deve ser uma resposta razoável para qualquer problema”, avalia.

Para o Bradesco BBI, contudo, mesmo mudanças como a do teto para os juros do cheque especial são improváveis e apenas parte da pressão política sobre os bancos para que eles apresentem novas alternativas.

“A reação do mercado na véspera foi provavelmente exagerada. Entretanto, observamos que parte das preocupações se justifica, pois existe claramente uma agenda para reduzir os custos de crédito. Isso deverá reduzir a capacidade dos bancos de sustentar os NIMs [margens financeiras líquidas dos bancos] nos níveis em que estão atualmente”, ressalta.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.