Construtoras apontam programas habitacionais e cenário para juros como temas de destaque para 2023

Pode Entrar e o novo Minha Casa Minha Vida são monitorados pelas empresas de baixa renda, enquanto alta e média rendas sentem impactos de juros

Augusto Diniz

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Com margens ainda sendo recuperadas por conta do aumento de custos de insumos registrado nos últimos balanços, o setor de construção civil tenta se equilibrar entre projetos públicos de habitação popular e a perspectiva de corte da taxa Selic ainda esse ano (mas que foi postergada após a última reunião do Copom, afetando as ações do setor). Esses foram alguns dos temas tratados em teleconferências de resultados do quarto trimestre de 2022 (4T22).

Para as empresas atuantes no segmento de renda baixa, como a MRV (MRVE3), Tenda (TEND3) e Direcional (DIRR3), programas como Pode Entrar, da prefeitura de São Paulo, e o novo Minha Casa Minha Vida tornaram-se tábua de salvação pelo volume de obras proporcionado.

Já para aquelas companhias que atuam no mercado imobiliário de rendas média e alta, como Cyrela (CYRE3) e Trisul (TRIS3), os juros elevados espantam compradores e a queda da taxa Selic ainda distante aumenta a pressão sobre as empresas.

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Pode Entrar

Para sentir o quanto o setor focado em baixa renda tem expectativa dos programas habitacionais, basta dar uma olhada nos números do Pode Entrar, lançado pela prefeitura de São Paulo, onde 56 empresas apresentaram proposta para o leilão ofertando 104 mil unidades, com previsão de aquisição do governo municipal de menos da metade para construção: 40 mil unidades.

Pelos resultados divulgados pelo relatório do Itaú BBA, a MRV arrematou 6,2 mil unidades no certame, que representam um VGV (valor geral de vendas) estimado em R$ 1,1 bilhão. Já a Plano & Plano arrematou 7 mil unidades no leilão, com valor total de R$ 1,3 bilhão. Já a Tenda garantiu 870 unidades no leilão, com valor total de R$ 180 milhões. Por fim, a Direcional arrematou três dos quatro projetos licitados com sua participação, num total estimado de VGV em R$ 340 milhões.

A Tenda, como se observa, teve um saldo bem negativo no leilão do programa habitacional da capital paulista. Rodrigo Osmo, CEO da construtora, durante a teleconferência de resultados do 4T22, havia anunciado que a empresa participava do leilão com 7,4 mil unidades – perto, portanto, das propostas da MRV e Plano & Plano, o que denotava o desejo de uma fatia considerável do programa, o que não ocorreu.

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Minha Casa Minha Vida

Por outo lado, a Tenda tem grande enfoque na faixa 1 do Minha Casa Minha Vida (MCMV), a mesma que o governo federal quer privilegiar no novo formato do programa, criando um cenário promissor à empresa. Seus principais concorrentes, como Direcional e MRV, tem muitas críticas ao faixa 1, que atende público de menor renda.

Luiz Mauricio Garcia, CFO da Tenda, disse a analistas de mercado que aguarda as definições do programa, mas que a Tenda tem tudo para voltar ao programa nessa faixa de renda, que é relevante para a companhia. Osmo comentou também que o preço por unidade que o governo tem sinalizado é o preço médio da Tenda, o que aponta alinhamento da empresa num item crucial.

Ricardo Gontijo, CEO da Direcional, demostrou mais otimismo em participar da faixa 1 – algo que não fez na teleconferência de resultados do 3T22 -, mas exige melhorias de pagamento sem atrasos. Já Eduardo Fischer, co-presidente da MRV, afirmou que, a princípio, a companhia não tem interesse em participar do faixa 1 se o modelo não mudar. A MRV, então, centraria atuação nas faixas de maior renda do MCMV.

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De qualquer forma, empresas esperam que até o final do semestre o governo federal tenha definido os novos parâmetros do programa.

Segmento de médio e alto padrão

Raphael Horn, CEO da Cyrela, foi mais direto na questão que enfrenta o mercado imobiliário de média e alta renda hoje e comentou na teleconferência de resultados de 2022 a necessidade da queda de juros.

 “A gente está acostumado com esse tipo de mercado. 2022 foi bom, 2021 foi melhor. Por enquanto, 2023 está parecido. O Brasil está muito parecido com 2022. A gente torce que melhore”, disse.

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A Trisul levou a questão da Selic para o seu relatório de resultados do último trimestre: “Esse aumento na taxa de juros está diretamente relacionado à queda no valor de financiamentos imobiliários e empréstimos que vimos ao longo do ano (passado), diminuindo assim o poder aquisitivo das famílias e resultando em um menor número de lançamentos em 2022”.

Por conta do cenário, a empresa ano passado teve queda de 42% no valor de lançamentos. A empresa decidiu priorizar as vendas do estoque.

Sobre 2023, Fernando Salomão, CFO da Trisul, comentou que a empresa está praticando desconto para acelerar velocidade de vendas – provocando, por outro lado, a queda da margem bruta, já sentida no 4T22, assunto comentado pelo próprio executivo.

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As vendas do início desse ano, de janeiro e fevereiro, foram boas, segundo Salomão, mas a postura é “bastante conservadora” em 2023 com relação aos lançamentos.

Custos sob controle

Com relação aos custos de insumo, que atingiram em cheio o setor em 2021 até meados de 2022, apresentou finalmente recuo.

Gontijo, da Direcional, disse que atualmente encontra-se bastante controlado os preços e verifica até queda de custo em alguns insumos. Mas, segundo o CEO, é ainda cedo para fazer reversão de orçamento: “Até porque (o custo de) mão-de-obra é sempre para cima”. Ele prevê somente retração efetiva dos custos em 2024.

A Tenda, que teve problemas com obras devido a aumento de custos acima do previsto em 2021 e 2022, já projeta melhora da margem bruta em 2023 entre 24% e 26%, representando crescimento de cerca de 10 pontos percentuais (p.p.) em relação ao ano passado.

A MRV não foi muito diferente em 2020 e 2021, com volume de vendas alto e margem bruta baixa, devido à forte pressão inflacionária enfrentada pelo setor, como explicou Ricardo Paixão, CFO da MRV, na última teleconferência de resultados.

Assim como a Tenda, a MRV trabalha em fechar esse ano com margem bruta entre 25 a 26% – ainda distante dos mais de 30% registrada no passado.

Miguel Mickelberg, CFO da Cyrela, foi outro que comentou com analistas de mercado o cenário de custo estável, com queda de preço de alguns insumos no início desse ano.

“Inflação baixa dá uma ajudada na manutenção de margem, mas a gente sabe que o mercado está difícil, então a nossa expectativa é manter margem no patamar de 31 a 32% no ano (2023)”, ressaltou o executivo da Cyrela.